Fac-símile da capa do caderno Nosso Mundo Sustentável, de ZH |
Os computadores de mesa ainda não haviam chegado por aqui. As novidades do Vale do Silício eram coisas para americano endinheirado. A internet era embrionária, servindo somente para comunicação entre os bancos de dados de grandes universidades dos EUA. Neste pedaço de Rio Grande, muita estrada de chão batido e pouco asfalto. A década de 80 marchava para o seu final. Semanalmente eu e o Sérgio Tressoldi, o Bolão, numa Brasília branca, nos dirigíamos a Palmares do Sul onde produzíamos um material jornalístico para a Rádio Osório. Com um gravador realizava entrevistas com as autoridades de então. Se algum fato extraordinário ocorresse, um telefone convencional quebraria o galho, muito embora, algumas vezes, a voz fosse suplantada por um ruído fortíssimo.
Nestas andanças conheci um sujeito dinâmico, empolgado, Secretário da Agricultura, um gurizote ainda. Perseguia um sonho de implantar no interior do município uma rede elétrica de baixo custo. Pensava com isso segurar a gente no interior. Fiz algumas entrevistas com ele. Um dia promoveu um grande encontro com a presença do governador Jair Soares. Depois de servido o churrasco e das demonstrações do projeto de iluminação, coube-me entrevistar o mandatário gaúcho. Como pesado gravador em punho, perguntei sobre sua viabilidade e o governador riu dizendo que tudo parecia sido bem ensaiado. Mas comprometeu-se em apoiar a ideia. Depois de idas e vindas, de ajustes, de debates, de reuniões, os técnicos da Companhia de Energia deram crédito ao rapazote.
Não é necessário dizer que, em alguns anos, o que era uma ideia virou um projeto que tomou conta do Estado, beneficiando agricultores de todos os Municípios, estendeu-se pelo país, atingindo as zonas mais distantes e desprovidas de tecnologia. Um bico de luz, uma tomada para uma geladeira, uma para tevê. Um pouco de conforto aos confins do Brasil.Dia desses, realizando uma diligência, segui uma estrada vicinal pelo Morro da Borrússia. Fui até o fim e dei de cara com uma casa cheia de antenas e instalações de energia alternativa. Estranhando encontrar aquela parafernália naquele lugar, cheguei perto para perguntar onde me encontrava. De longe reconheci o dono da casa, o Fábio Rosa, o gurizote de Palmares do Sul, o pai da energia de baixo custo. Estava em Santo Antônio da Patrulha e a casa era um projeto piloto de demonstração de energia limpa. Ele contou-me que depois da experiência de Palmares, correu o mundo, divulgando a energia gerada por painéis solares, turbinas eólicas e hidrelétricas. Criou uma ONG, a Ideaas – Instituto de Energias para o Desenvolvimento de Energias Alternativas e da Auto-Sustentabilidade que desenvolve projetos para levar energia para um número maior de pessoas.
Talvez tenha sido o primeiro repórter a divulgar a inédita experiência de Palmares do Sul, naquele distante tempo. Isto, nem ao menos importa. O que me deixa satisfeito, isso sim, é que as viagens na Brasília branca não foram em vão. Vez por outra uma boa pauta aparecia. Como esta, tão atual, tão presente, que é a preocupação com o ambiente natural, com a energia renovável e com a possibilidade de levar conforto a quem ainda não tem. Como lição fica a perseverança que o Fábio, hoje uma autoridade mundial em energia, teve ao longo do tempo. Desistir quase sempre é mais fácil. Porém, a desistência não vai mudar a história.
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