Cena do filme O Cavalo Branco, 1953, dirigido por Albert Lamorisse |
A refrega é intensa. O animal sua. Tenta desesperadamente lançar aquele corpo estranho para longe. Por fim, cansado da lida, o bichinho esmorece. O garoto triunfa. Mandem outro potro maleva para o genioso menino. Ele o devolverá amável a seu dono.
As cenas épicas que abrem esta crônica são frutos da minha criatividade. É pura ficção. Nasceu da necessidade que tenho de contar a luta que se passa entre este menino e um cavalo selvagem nos dias de hoje. É bem verdade que este menino não existe mais. Ele é hoje um velho senhor, que não mantém a destreza do pequeno domador. Porém, os olhos esmeraldinos, estes sim, ainda estão ativos, como lanternas acesas chamando a atenção de todos.
Foram tantos os desafios que nem sei por onde começar. Talvez devesse dizer que este menino, ainda na flor dos seus 12 anos, valente, ganhou gosto pelo hábito de fumar. De início atendia a uma vontade de se incluir entre os adultos. Ao que consta ninguém o reprimiu. Ou se foi reprimido pouco caso fez.
Com o tempo, o hábito se incorpora de maneira automática. A relação, ao menos para ele, parece normal. No vigor dos tempos de juventude e de maturidade nenhum sinal de dano, de prejuízo. Gozando de higidez, pouco se apoquentava com os comentários. Porém, como o avançar do tempo os sinais da destruição lenta do organismo se fazem visíveis.
As folhinhas do calendário ficam para trás e o corpo se modifica. Os danos dos excessos vão se mostrando cada vez mais cristalinos. O menino de então perde a força, a tenacidade. Vai enfraquecendo. Capaz de derrotar o cavalo bravo, ontem; hoje é derrubado pela alteração da pressão sanguínea. Coisas da vida.
Atravessamos o período de festas natalinas e de ano novo em visitas ao hospital. O velho senhor, inquieto, ainda tenta vencer uma fratura, ocasionada por uma queda, e a abstinência da nicotina. Poupo os leitores de maiores detalhes. Porém, entre idas e vindas, entre melhoras e pioras, mais de uma vez brinquei com ele, lembrando dos tempos em que dobrava os cavalos mais brabos da redondeza.
Apesar de sua vontade, de sua determinação, domar este bicho chamado nicotina tem se constituído um verdadeiro drama. Bicho de mil faces se disfarça de amigo, de companheiro. Faz de conta que se entrega. Na realidade, consome silenciosamente as pessoas.
Mesmo assim, apesar de sua força inestimável do adversário, mantenho minhas apostas no menino. Mesmo sem o vigor de antes, o domador ainda parece manter a determinação e a vontade de dominar o cavalo selvagem. Que ele e todos nós tenhamos um Ano Novo feliz. Sem nicotina!
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