Todas as pessoas têm dificuldades. É praticamente impossível passar por aqui sem algum desencanto, alguma dor, algum sofrimento. E isto não é uma constatação pessimista. É fato. Em menor ou maior grau, com maior ou menor intensidade, todos os humanos passam por problemas ao longo do tempo. A perda de alguém, uma decepção aqui ou acolá, frustrações das mais diversas ordens sempre marcam nossas existências. Ainda bem que, mesmo diante de tudo isso, ainda sobra tempo para termos nossas satisfações e prazeres.
Há, diante das dificuldades, uma infinidade de caminhos. Há os que não solucionam o caso. Sucumbem. Vivem os seus dias acossados pelos problemas insolúveis que os seguem ininterruptamente. Outros se dedicam a eliminar os entraves. E lutam dias e dias criando estratégias para vencê-los. Quando cansam, e o cansaço faz parte da luta renhida, dão um tempo e depois voltam à peleja. Há, ainda, aqueles que transformam os obstáculos em catapultas que os impulsionam a locais nunca explorados. Transformam a dor, socializam o sofrimento não como um pesado lamento, mas sim como um peça de arte.
O compositor inglês Roger Waters, que iniciou sua turnê no Brasil por Porto Alegre, no último domingo, dia 25, no Beira-Rio, é um desses que expurga seu sofrimento, seus dramas pessoais, suas incertezas e fúrias. No mega espetáculo The Wall Live o baixista criador do Pink Floyd joga para o ar sua dor e sua angústia, suas decepções e se solidariza com aqueles que, como ele, lidam com o sofrimento. Não poupa luzes, sons, cores, gritos de dor, imagens impactantes de guerras, de destruição, de nascimento e de morte.
O muro é construído aos poucos. Tijolo sobre tijolo. Contribuem para cimentar a obra os sentimentos represados como os medos, as dores, as neuroses, as inadequações, os inimigos existentes e os imaginários. As desarmonias são o fermento que impulsionam o muro para cima. Ele cresce, lentamente. Este crescimento é gradual, quase que imperceptível. Chega o dia, porém, que nenhum tijolo poderá ser colocado mais. O muro, a partir daí, só tem um caminho: o chão.
The Wall é uma dessas obras atemporais. Lançado em forma de álbum duplo em 1979, virou filme, foi impulsionado pela derrocada do muro de Berlim e agora entra em nova fase. É um grito desesperado contra a injustiça, contra o poder do Estado e das grandes corporações que, na visão de Roger Waters, oprimem o cidadão. O tempo passa. Entra década, sai década e os homens continuam construindo seus muros ao redor de si mesmos. E assim continuarão ao longo do tempo.
Sentado na fria arquibancada do estádio, ladeado por milhares de pessoas armadas de seus celulares e máquinas digitais que tentam captar a mínima coisa do espetáculo, embalado por uma música pulsante, às vezes sofrida, poucas vezes otimista, pelo excesso de cor e de dor, vi o muro crescer.
Porém, chega uma hora em que a fortaleza é derrubada. É a descoberta da liberdade, o fim da opressão. O homem pode vencer seus medos e derrubar aquilo que o oprime. O muro construído pelos outros ou por nós mesmos é frágil. A indignação é poderosa arma para derrubá-lo.
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