22/06/2012

O frasista

Quem com frequência escreve ou tem como ofício a fala não escapa à tentação da busca da frase perfeita. O frasista é o sujeito que investe algum do seu tempo na composição de frases estilosas.  Nos tempos atuais onde todos, de intelectuais a idiotas, divulgam suas ideias no meio virtual, parece restar muito pouco a ser dito. Sócrates, Platão, Cristo, Charles Chaplin, Lao-Tsé, Confúcio, Jean Jacques Rousseau, Chico Buarque e tantos outros não conseguiram esgotar o repertório. Sempre sobarará algo a ser dito com estilo, sutilezas ou mesmo grosserias criativas.
Dentre os frasistas pátrios dois se destacam. O humorista Millôr Fernandes, que nos deixou neste ano, e o gaúcho Aparício Torelly, o Barão de Itararé, são os representantes máximos das provocantes sacadas, muitas das quais já se incorporaram à nossa linguagem como se fossem adágios populares. São dois sábios brincalhões que não fogem de nenhum assunto. Acham graça da vida, das dificuldades cotidianas, da pobreza, da riqueza, da intelectualidade e da boçalidade.

19/06/2012

O trololó imoral

O termo moral é derivado do latim mos (costume). Indica algo que não nasce com o homem, mas sim é construído ao longo do tempo. A moral, então, é, numa definição rasteira, sucinta, o conjunto de valores admitidos como corretos por uma parcela de homens a partir da convivência. O contato diário vai definindo uma série de princípios, normas e costumes que vão evoluindo ao longo dos tempos. 
O que hoje é tido como imoral amanhã poderá ser considerado como algo normal, corriqueiro e socialmente aceito. Mesmo entre os imorais encontram-se princípios e normas com fundo moral.  É o caso de grupos criminosos que, muito embora executem alguma ação ofensiva contra o patrimônio das pessoas, se insurgem contra aqueles que molestam crianças e mulheres. Chegam mesmo a eliminar aqueles que atentam contra este princípio. Instintivamente seguem, às avessas é claro, o britânico Lewis Caroll, autor de Alice no País das Maravilhas, que sentenciou: “tudo tem uma moral se você conseguir simplesmente notar”.
A questão moral dá ensejo a uma série infindável outras frases, disponíveis nestes sites de citações. Nesta coletânea destacam-se, por exemplo, a assertiva do ex-presidente americano George Washington, "felicidade e responsabilidade moral são inseparavelmente ligados". Neste tema há alguns mais divertidos, como o dramaturgo alemão Bertolt Brecht para quem se deve “primeiro comer, a moral, depois”.

14/06/2012

Encontros e despedidas

Solaninho  (foto-Solano Reis)

Ele chegou bem de mansinho. Sem fazer muito alarde foi conquistando um espaço entre nós. Discreto, certamente se assustou quando foi recepcionado por um sem número de máquinas e celulares que tomaram conta da maternidade. Todo mundo ali, como uma torcida em dia de clássico.  Olhos vidrados acompanhando cada cena, captando imagens, vibrando, delirando com um chorinho, com um aperto dos olhos, com uma careta. Levou sua pequena mão à boca. Ficou longo tempo com a mão no queixo, parecia um pensador buscando uma solução a um problema intrincado. Problema, que nada, o rapaz ainda desconhece o que seja isso. Seu mundo é o do descanso, é o da introspecção. Dorme o sono dos justos, inatacável, irremovível. 
O Solaninho, assim chamado por todos os familiares, chegou há pouco mais de uma semana. Filho do Marcelo e da Camila. É meu primeiro neto. Recebeu meu nome de presente, causando certo constrangimento. Não para mim é claro. A Camila, no entanto, já tem até discurso pronto. Suas conhecidas e amigas não conseguem disfarçar a surpresa quando perguntam o nome da criazinha.  Depois de explicar que o nome é uma homenagem ao avô ouve, invariavelmente, um “é um nome diferente, né!?”.

09/06/2012

O mistério das bergamotas

As bergamotas mais doces e mais belas são aquelas que nossos braços não alcançam. Estão lá no alto, na ponta de galhos finos que não suportam qualquer apoio. É necessária uma obra de engenharia para fazê-las descer das alturas e transformá-las na sobremesa desejada. Para atingir o objetivo vale de tudo. Sacudir a árvore, estratégia das mais usadas e que pouco resultado apresenta. Vêm ao chão as bergas doentes, as feinhas, aquelas que não são desejadas. As belas permanecem lá onde estão. Parecem rir de nosso inútil esforço. Cutucá-las com uma taquara também é válido. Porém, da mesma forma se mostram resistentes e risonhas, especialmente diante de nossa falta de mira.
As bergamotas, que nestes tempos de Outono são encontradas em profusão nos mercados, são frutas ácidas que empreenderam uma longa viagem até chegarem até estas terras. Conhecidas também como vergamota, mimosa, mexerica, tangerina, laranja-mimosa, poncã saíram da Ásia e aqui chegaram em tempos remotos. Segundo consta o nome original é Tangerina ou Laranja de Tânger que curiosamente fica no Marrocos, na África.

08/06/2012

Ademir Brum: O último Dia

Ademir Brum (Foto- Vadinho)

Recebemos hoje pela manhã, dia 08 de junho, a triste informação da partida de Ademir Brum. Era um cronista da cidade, um amigo de todos, um sujeito de respeito. Gostava de coisas simples como o futebol, do cafezinho com os amigos, de um bom papo. Era agradável. Tinha um texto limpo, simples, leve. Era capaz de abordar os assuntos mais difíceis, mais complexos com graça, com um humor leve, nunca ofensivo. Fomos colegas no Jornal Novo Tempo, lá nos anos 80. Ultimamente escrevia no Jornal Bons Ventos e colaborava no site Osório News. 
Em sua homenagem posto uma de suas tantas crônicas.  


O último dia

O que você faria se só lhe restasse apenas um dia de vida? Se por um motivo qualquer você descobrisse que está prestes a morrer e que às 24 horas seguintes são as últimas de sua vida? Nessa hora a mente entra em parafuso e é povoada de lembranças, dos sonhos que não realizou e de todas as oportunidades que não aproveitou. Você começa a desenterrar aqueles desejos mais íntimos que passaram anos escondidos no fundo da alma. Lembra-se das pessoas que passaram na sua vida e que significaram algo para serem lembradas durante estas últimas 24 horas, Alguns responderiam prontamente que no último dia fariam aquela viagem tão sonhada, no entanto não daria tempo. Outros poderiam responder que gostariam de rever aquela pessoa especial, no entanto...não daria tempo.
Ainda assim, as pessoas insistiriam em querer realizar sonhos e desejos que certamente não são compatíveis com o tempo disponível. Você lembrará do gesto de delicadeza que muitas vezes não foi lembrado, o bom dia que não foi dito, o sorriso que não foi ofertado. Você se questionaria de todas as desculpas que inventou pra si mesmo, para evitar aquela fantasia que lhe consumiu uma vida inteira. Não haverá tempo para aquele projeto, aquele desejo.
Todos nós temos os mais diversos anseios, sonhos que fervilharam nossas noites de insônia e a frustração diante da impotência de realizá-los. Sofremos com a aparente dificuldade em sermos felizes, pois acreditamos que a felicidade está no desejo mais distante, menos palpável, mais arriscado. Por isso, no último dia de nossas vidas, a vontade imediatista, corriqueira, torna-se simples. Relaxe e respire fundo, pois a situação é hipotética. Mas esse dia, fatalmente chegará, portanto, não deixe para depois o perdão a ser pedido, não deixe para depois o beijo ensaiado. Faça um grande favor a si mesmo, não deixe para depois, pois um dia você vai se dar conta que não há mais tempo.

04/06/2012

Coisas da vida

Um tal de corredor polonês foi implantado no banheiro masculino no Colégio Conceição. Perfilados em duas colunas os agressores se colocavam dentro do banheiro. Na hora em que a pobre vítima passava era puxada para o seu interior e levava alguns safanões. Nada que não pudesse ser suportado. Não restavam marcas nem ferimentos. Era uma brincadeira. Uma violência controlada pelos meninos bem nascidos da cidade, impulsionados pelo desejo de emoção naquelas tardes frias.
Engana-se quem acha que as manifestações violentas (de leve moderação) só se davam no recreio. Imperava ainda o costume patético do castigo. Na escola pública, onde também estudei, alguns professores seguravam o ímpeto dos pestinhas e indisciplinados com verdadeiras sessões de tortura. Isso mesmo, tortura! Uma régua de madeira, quadrada e longa era manejada com rara precisão por uma professora. Éramos obrigados a mostrar as unhas diariamente. Se estivessem sujas a providencial régua zunia contra os dedos temerosos dos pequenos. Alguns tentavam ludibriá-la, retraindo a mão rapidamente. Esforço inútil. Sempre perdiam.
Ela caminhava ostentando um sorrisinho sarcástico. Talvez sentisse alguma satisfação ao olhar aqueles olhinhos temerosos, escondendo as mãozinhas e suas unhas mal feitas. A professora, por certeza uma real descendente de Tomas de Torquemada, ainda tinha no seu repertório uma série de apetrechos para assegurar a disciplina e a ordem. Uma tábua com tampinhas de garrafa pregadas com a parte cortante para cima e o providencial milho. Um deslize, uma só manifestação de indisciplina e o aluno era apresentado ao tapete de tampinhas ou ao cereal. Ali ficavam como faquires de sete ou oito anos meditando algum tempo.
Passei ao largo de tudo isso. Era comportado. Talvez fosse pequeno demais e por isso tenha ativado algum profundo sentimento humano na professora. Afinal, um pouco de ternura sempre pode residir lá no fundo dos seres malvados. Mas, ao puxão de orelhas, prática pedagógica por demais corriqueira, não passei incólume. Em outra escola, é bem verdade, a professora havia colocado no quadro uma série de contas de multiplicação. Chamava um por um para resolvê-las. Minhas pernas pesavam centenas de quilos só de pensar. Nem que quisesse teria a capacidade de levantar da cadeira e me dirigir até a frente da turma, empunhar um giz e resolver qualquer questão nem que fosse dois vezes dois. Os números se embaralhariam, o mundo começaria a rodar e seria um rotundo fracasso. Para me tirar da letargia a professora se dirigiu decididamente até minha classe, apanhou-me pela orelha e me conduziu até o quadro verde. Entregou-me o giz e disse "agora resolve!". Minha previsão estava correta. O fracasso se fez presente. A minha incompetência resultou na condução de volta para meu lugar pela orelha.
Não preciso dizer para ninguém que sempre convivi muito mal com os números. Hoje a calculadora, presente no computador, no celular, me salva. Não havia bullying nem as ações de dano moral. Prosperassem ações deste tipo e talvez fossemos milionários hoje em dia.
Percalços e interpretações equivocadas fazem parte do processo. A verdade é que, ainda assim, sou grato ao período em que estive dentro de uma sala de aula. Dali nasce um mundo melhor. Os professores estão na base da construção de um país. Por isso devem ser bem remunerados. Sem pagamento justo não há como implantar uma educação transformadora. Os salários pagos são aviltantes. As desculpas são esfarrapadas, inconsistentes. Carência de recursos, excesso de professores e blá-blá-blá-blá. O discurso de hoje não é o mesmo da campanha. Coisas da vida!