As bergamotas mais doces e mais belas são aquelas que nossos braços não alcançam. Estão lá no alto, na ponta de galhos finos que não suportam qualquer apoio. É necessária uma obra de engenharia para fazê-las descer das alturas e transformá-las na sobremesa desejada. Para atingir o objetivo vale de tudo. Sacudir a árvore, estratégia das mais usadas e que pouco resultado apresenta. Vêm ao chão as bergas doentes, as feinhas, aquelas que não são desejadas. As belas permanecem lá onde estão. Parecem rir de nosso inútil esforço. Cutucá-las com uma taquara também é válido. Porém, da mesma forma se mostram resistentes e risonhas, especialmente diante de nossa falta de mira.
As bergamotas, que nestes tempos de Outono são encontradas em profusão nos mercados, são frutas ácidas que empreenderam uma longa viagem até chegarem até estas terras. Conhecidas também como vergamota, mimosa, mexerica, tangerina, laranja-mimosa, poncã saíram da Ásia e aqui chegaram em tempos remotos. Segundo consta o nome original é Tangerina ou Laranja de Tânger que curiosamente fica no Marrocos, na África.
As bergamotas por conta de sua acidez excessiva na casca é uma daquelas frutas que dá um trabalho danado para consumi-la. Existe todo um preparo anterior até se chegar ao âmago da questão. As mulheres então, sempre envoltas em suas preocupações com a qualidade de suas unhas, gostam da fruta, mas a desprezam enquanto no seu estado natural. Basta, porém, alguém iniciar o sofrível trabalho de descascar uma delas (as bergamotas, é claro) e chovem pedidos no estilo "me dá um gomo", "descasca uma prá mim".
Quando era menino, esguio e lépido, subia nas mais altas bergamoteiras. Ferindo os pés e as canelas nos seus espinhos, esticava os bracinhos para chegar até o topo, até a bergamota que parecia a que escondia o melhor sabor. Vez por outra me estatelava no chão. Ficava lá no alto a danada, inalcançável, inatacável. Por vezes, até por vingança, não me furtava em descascar uma daquelas ainda pequenas e esverdeadas. O cheiro tomava conta. As unhas ficavam parecendo as do Hulk. Ao chegar em casa não havia como esconder da mãe onde andávamos. Preocupada com as peraltices dos pequenos, alertava sempre sobre o perigo de buscar as frutas na pequena floresta.
O mato, onde eram encontradas as bergamotas, era de alguém. Porém, com tão poucos anos e tão pouca informação, achávamos que, na realidade, eram propriedade do primeiro menino que se aventurasse a apanhá-las. Engano, puro engano. Aquilo tudo tinha dono. E o dono, pura ironia, preferia deixar as bergas caídas no chão do que vê-las nas mãos dos pequenos moleques. Foi a primeira lição que tive de propriedade privada.
As bergamotas são ricas em vitaminas A e C, contém boa quantidade de sais minerais como potássio, cálcio e fósforo. Nada disso sabia na tenra idade. Sabia muito pouco naquele tempo. Não desconhecia, porém que as mais doces e mais belas são aquelas que nossos braços não alcançam.
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