13/11/2012

O abandono


Imagens antigas do que um dia
foio nosso presente
O tempo passa no ritmo da nossa pressa. Segunda-feira: hora de levantar, nova semana que chega. Levar os filhos na escola, café magro, trabalho, buscar filhos na escola, almoço, gols da rodada, debates esportivos, trabalho, mercado, cafezinho da tarde, passeio de bicicleta, jornal na tevê, uma música no computador, atualizar e-mails, conferir o blog, o face, filmezinho, sono, sonhos. E já é terça e já chega quarta. A quinta passa que nem um raio. Sexta-feira se anuncia puxando consigo o final de semana. Finaleira do brasileirão, Faustão, Fantástico, alguma bomba eleitoral no final da noite no noticiário regional. E assim vai. Passa o dia, a semana e o mês que vem já bate na porta.
O tempo passa e vai enterrando as coisas que fizemos. As comezinhas esquecemos.  Muitos dos sonhos também ficam para trás. E os dias passam, os meses também. E sai estação e entra estação. Faltam poucos meses para as férias e daqui a pouco as férias já se foram. A voracidade do tempo, porém, não consegue vencer o encanto dos velhos álbuns de fotografias. Aquelas abandonadas fotos, que foram um dia o presente, guardam sorrisos e poses de pessoas que vagamente lembram nós mesmos. 
As imagens se sobrepõem. Não só as impressas. Também aquelas imagens mentais que estão arquivadas em algum lugar do esquecimento e que inadvertidamente se lançam das profundezas. São também capazes de suplantar a passagem do tempo. Sensações, impressões antigas, paisagens, gostos e sentimentos. O tempo também não é capaz de impedir que aflore o sentimento desencadeado por uma bela e velha canção. Por uma voz que um dia foi presente. Por uma melodia que serviu de trilha sonora para um instante significativo ou para uma cena despretensiosa.
Remexer nos velhos baús trás à vida aquilo que muitas vezes abandonamos. Onde andará aquela pessoa que sorri ao meu lado? Parecia tão amiga e sumiu como um agente secreto, levando sabe se lá que tipo de informação a nosso respeito. Quem era mesmo aquela colega de aula, quase que totalmente encoberta pelo gordinho simpático da turma, que esticava o olho sobre minha prova de Português? Onde andará aquela professora que ficou duas semanas somente com a turma não dando tempo de decorarmos seu nome?
E eis que a tevê, por vezes tão alheia às coisas que verdadeiramente nos interessam, também resolveu mexer nos seus estimados baús. Numa dessas tantas novelas, se vale de uma velha canção da Beth Carvalho, de autoria de Eduardo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, Andança, como trilha sonora de algum romance. Lembro dela e de uma colega que, tocando seu violão com esmero, lançava sua voz suave valorizando a aula de alguma disciplina no Curso de Letras da FACOS.  “Meu olhar em festa...(me leva amor)/Se fez feliz/Lembrando a seresta/Que um dia eu fiz(por onde for quero ser seu par)”.
O tempo passa e para trás fica tudo o que foi possível fazer. Pensando bem, o que é o futuro senão o reflexo daquilo que um dia se fez. Que graça teria tudo isso se não tivéssemos mantido em algum lugar um baú cheio de imagens, sons, sensações, sentimentos, planos e sonhos?

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