28/05/2013

O dia em que a Terra parou


Imagine que ocorra um fenômeno até então desconhecido pelos cientistas, pelos pesquisadores, pelos especuladores, pelos palpiteiros e nem pelos curiosos de todas as matizes. Por uma série de conjunções não bem explicadas, o mundo chega num determinado ponto e tudo pare. Neste exato momento. Sem aviso prévio, sem comunicação antecipada, sem notificação, nem nota oficial lida pelo Willian Bonner no Jornal Nacional.  A coisa simplesmente parou e pronto. Como nunca antes na história ocorrera. Cada indivíduo será colhido de calças curtas no exato local em que se encontra. 
Porém, nem todos estarão adormecidos. Sem fome nem frio, continuarão imobilizados, mas com a consciência em perfeito estado. Seria um choque para todos. Ninguém estaria preparado para uma parada dessas, ainda mais sem um planejamento antecipado. 
Os que dormem no outro lado do mundo continuarão dormindo. Os que sonham continuarão sonhando. Os atormentados por pesadelos continuarão correndo dos monstros disformes que insistem em se aproximar perigosamente, enquanto seus pesados pés custam a sair do chão. Suas pernas doem e os monstrengos cada vez mais se aproximam. 
Os amantes sentirão na alma o sabor doce e inconfundível do bem querer. Os que odeiam, estes continuarão remoendo em suas entranhas por largo tempo o amargor dos sentimentos menos nobres. E os que nada sentem experimentarão a ausência total, o vácuo, o vazio. Os desconfiados desconfiarão de que estão vivos. Ou será que estão mortos? Os gananciosos, que até formol colocam no leite das criancinhas em busca de alguns milhões a mais, ficarão ansiosos. Será para eles uma tortura desperdiçar um tempo precioso. Prisioneiros do acaso não poderão implementar mais um plano diabólico e eficiente, mais uma sacanagem  contra  toda esta gente honesta que, inadvertidamente, bebe um pouco de morte ao invés de saúde. 
Os assaltantes ficarão no meio do caminho. Os policiais também. Alguém, parado na fila do banco que, verdadeiramente não anda, lembrará  dos cheques que têm para cobrir. Das contas e mais contas que ainda tem que pagar neste mês que não finda. Outro, logo atrás, continuará absorto nos seus planos de futuro. Faculdade, cursinho, concurso. Aprovação e posse. Estudo e mais estudo que ninguém chega lá sem suor.
Na loja de discos três ou quatro clientes observam os CDs, os DVDs e as quinquilharias. No ambiente uma música que toca do início ao fim, repetidas vezes. Repete e repete o mantra premonitório, como se um dia alguém pudesse imaginar toda aquela confusão. Raul Seixas, a  plenos pulmões, vivo como nunca, espalha no ambiente sua fértil imaginação: “Este noite eu tive um sonho, de sonhador, maluco que sou eu sonhei, no dia em que a Terra parou”.
Sonho ou pesadelo? Não importa, às vezes bem que nosso mundo precisa de uma parada. Não uma parada completa. Mas um “stop” individual. Diminuta parada para que se possa analisar o que está se fazendo neste exato momento. O exercício é interessante. Vamos parar um pouco? 

Algo mais sobre o tema:

21/05/2013

O Aurélio


Nota 10. É o que esperam os pais do desempenho de seus filhos em idade escolar. A nota máxima faz bem ao ego, especialmente ao dos pais. No entanto, sabemos que o aluno nota 10 é a exceção. Em regra, a garotada se divide entre os atrasadinhos, os medianos, os bons e alguns poucos “este cara sou eu”.
Tive colegas nota 10. Daqueles que o professor começava a falar determinada coisa e ele emendava com correção e presteza o final da sentença. Uma chatice só. Um deles, cujo nome não revelo (não para evitar constrangimento, mas sim porque já esqueci), se especializou tanto em terminar frases por ele não iniciadas que um dia, tendo faltado à aula, deixou o professor na maior saia justa. O coitado iniciava uma sentença, dava um tempo esperando que o aluno faltante completasse a frase. No ar ficava o constrangido silêncio.
Uma outra colega não tirava nota menor do que a máxima. Era uma ilusionista. Conseguia condensar toda a matéria em uma tirinha de papel brilhantemente enrolada. Se precisasse escrevia toda a bíblia em código num pedaço minúsculo de papel que cabia entre seus finos dedos. Ela inventava de tudo. Era pós-graduada em cola. Mesmo aqueles professores durões, que flagravam qualquer tentativa de burla, eram magicamente enrolados pela esperta colega.
Fazia parte da grande turma dos medianos. A característica deste grupo é atingir a nota necessária para aprovação. O que não é muito bom. O que não é um exemplo salutar para as novas gerações. Porém, os medianos daqueles tempos tinham auto-estima, sim. Um nove ou um 10 vez por outra não estava fora de cogitação. Os medianos não eram apáticos. Eram desligados, desplugados. Eram mais ou menos. Não eram, porém, nulos.
O que não sabíamos, os medianos de então, era de que cabíamos na categoria dos medíocres. A professora de Português é quem foi a responsável por comunicar aquela enorme turma de medianos de que todos nós, com exceção dos nota 10 e dos bons, eramos sim medíocres. O que foi um espanto geral. “Fulano de Tal, abra o Aurélio e leia aos colegas o que significa o vocábulo mediano”, ordenou com decisão. “Mediano – adjetivo. Que está no meio, ou entre dois extremos; médio, meão, medíocre”, leu nosso colega com sonolenta e indecisa voz.
Misto de decepção, incredulidade e revolta. “Quem era este tal de Aurélio para dizer isso de nós?”, pensou alguém lá na frente. “Essa bruxa só pode estar brincando”, pensou outro dedicado medíocre no meio da sala. O pessoal do fundo mal se mexia na cadeira. Gelados, talvez nem pensassem.
Acredito que a atitude da professora de Português tenha mexido com os brios da turma. Nas avaliações que se seguiram houve considerável nivelamento para cima. Os meia-boca deixaram a confortável zona que ocupavam e se dedicaram um pouco mais. Melhores trabalhos, um pouco mais de atenção, maior participação, um pouquinho mais de estudo e, por consequência, notas um pouco mais elevadas.
Com o tempo muitos voltaram aos padrões corriqueiros. No entanto, valeu a lição. “É isso que querem para suas vidas? Notinha para passar? Onde está o prazer? Quem sabe lutem para fazer as coisas da melhor maneira possível? Quem sabe trabalhem para fazer mais e melhor?”.
Momentos de indignação são importantes para a vida. Consultar o Aurélio, nem que seja de vez em quanto, também.  

14/05/2013

O tempo de cada um


O dia bem que poderia ter mais do que 24 horas. É o que pensa o jovem empresário, no auge da sua produtividade. Trabalho, casamento, filhos na escola, academia, encontro com os amigos. Carreira, negócios, relacionamentos. Tudo agendado, sem chances de improviso, de erros. O dia fica pequeno para tanta atividade.
O dia é longo demais, pensa a velha senhora, envolvida com suas dores no corpo, com seus medicamentos (acondicionados em uma caixa de sapatos), com a repetitiva e pouco atrativa programação da televisão. O dia é grande demais. O tempo solitário é longo. Os minutos passam sonolentos. As horas se seguem em câmera lenta. Os turnos se sucedem preguiçosamente.
Para o jovem, cheio de energia, de sonhos e de possibilidades, o tempo não tem preguiça. Não tem sono nem relaxamento. A tomada sempre está ligada. As ações se seguem, sem interrupções. Não há como desperdiçá-lo. Há carência, nunca excesso.

09/05/2013

A turminha

A constituição de grupo é uma tendência. Os animais selvagens sempre usaram a estratégia como forma de garantir a sobrevivência. Um gnu, animal das savanas africanas, é presa fácil. Um bando de gnus pode até aumentar a facilidade para o caçador. Porém, se um for sacrificado todos os demais poderão empreender a fuga. Além do mais, se o número for excessivo e os animais estiverem espertos poderão reagir em grupo com chifradas e coices espantando seus predadores.
Os humanos, lá no princípio, se valiam dos seus instintos imitando os gnus. Para enfrentar as feras se uniam em grupos. Munidos de suas rudimentares armas (lanças, tacapes, pedras e estilingues) formavam pequenas milícias garantindo a saúde dos idosos, das mulheres e das suas crianças. 
Hoje as armas antigas não fazem mais sentido. No entanto, a tendência à formação de pequenos grupos, de tribos diminutas ainda é uma tendência. Quem não tem uma turma está fora do contexto. Aqueles que não pertencem ao grupo estão efetivamente fora do mercado. Nos dias de hoje, porém, as turmas nem sempre são de carne e osso. Com o fenômeno das redes sociais as turmas virtuais vão tomando conta.