09/05/2013

A turminha

A constituição de grupo é uma tendência. Os animais selvagens sempre usaram a estratégia como forma de garantir a sobrevivência. Um gnu, animal das savanas africanas, é presa fácil. Um bando de gnus pode até aumentar a facilidade para o caçador. Porém, se um for sacrificado todos os demais poderão empreender a fuga. Além do mais, se o número for excessivo e os animais estiverem espertos poderão reagir em grupo com chifradas e coices espantando seus predadores.
Os humanos, lá no princípio, se valiam dos seus instintos imitando os gnus. Para enfrentar as feras se uniam em grupos. Munidos de suas rudimentares armas (lanças, tacapes, pedras e estilingues) formavam pequenas milícias garantindo a saúde dos idosos, das mulheres e das suas crianças. 
Hoje as armas antigas não fazem mais sentido. No entanto, a tendência à formação de pequenos grupos, de tribos diminutas ainda é uma tendência. Quem não tem uma turma está fora do contexto. Aqueles que não pertencem ao grupo estão efetivamente fora do mercado. Nos dias de hoje, porém, as turmas nem sempre são de carne e osso. Com o fenômeno das redes sociais as turmas virtuais vão tomando conta.
A Rua Costa Gama, ainda calçada de pedras irregulares, era o reduto da minha turma de adolescência. Dentre os aparelhos midiáticos existentes nos dias de hoje somente a prosaica televisão (raramente colorida) e o velho e insuperável rádio de pilha eram usados naqueles tempos. Os telefones fixos existiam. Mas eram artigos de luxo. Computador, notebook, telefones celulares, tablets e outros equipamentos existiam somente nas histórias de ficção científica.
Nossa realidade era muito distinta da de hoje. O muro da casa de um amigo servia de porto seguro para os meninos. Ali permanecíamos por horas a fio, contanto vantagens, aumentando em gênero e grau as proezas (muitas delas inexistentes), comentando os fatos corriqueiros, projetando situações, filosofando (tanto quanto possível) ou, no mais das vezes, jogando conversa fora. Ali era o ponto da nossa conexão, desde que o tempo estivesse bom. Grandes lufadas de vento ou a incidência de chuva terminavam com nossa alegria.
As reuniões dançantes, realizadas no final de semana na garagem de algum dos membros da turma, nasciam destes contatos. Marcavam-se hora e local. Um levava o disco do Elvis, outro do Abba, outro de música lenta. Os convites eram boca a boca. A prioridade era levar mais meninas do que guris. Os rapazes de outras turmas eram evitados.
No dia marcado, lá se encontravam meninos e meninas. Uma luz vermelha era o máximo da decoração. Uma vitrolinha Philips tocava as mais pedidas. Dançava-se um pouco. Comia-se algo, isso se os pais do anfitrião não fossem muito ranzinzas. Em regra a festinha, que chamávamos de reúna, era de bico seco. Reinava excessiva emoção quando o “pseudodidiei” lançava no toca-discos uma das lentinhas de então. As meninas gostavam de It´s a Heartache, da Bonnie Tyler. Durante a dança, mantinham-se os corpos separados por espaço respeitoso. Os donos da casa, normalmente pais de alguma das mocinhas, ficavam espreitando os movimentos suspeitos da gurizada. 
O encontro era breve. Poucas músicas, pouca dança, pouco excesso. Os ecos da reunião ficavam pra depois. No dias seguintes, no muro, a reunião era dissecada. Fatos e mais fatos eram revelados. Tudo muito intenso, muito vibrante. Alegrias passageiras, tristezas e lamentações. Histórias mais contadas do que vividas.

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