A
constituição de grupo é uma tendência. Os animais selvagens
sempre usaram a estratégia como forma de garantir a sobrevivência.
Um gnu, animal das savanas africanas, é presa fácil. Um bando de
gnus pode até aumentar a facilidade para o caçador. Porém, se um
for sacrificado todos os demais poderão empreender a fuga. Além do
mais, se o número for excessivo e os animais estiverem espertos
poderão reagir em grupo com chifradas e coices espantando seus
predadores.
Os
humanos, lá no princípio, se valiam dos seus instintos imitando os
gnus. Para enfrentar as feras se uniam em grupos. Munidos de suas
rudimentares armas (lanças, tacapes, pedras e estilingues) formavam
pequenas milícias garantindo a saúde dos idosos, das mulheres e das
suas crianças.
Hoje
as armas antigas não fazem mais sentido. No entanto, a tendência à
formação de pequenos grupos, de tribos diminutas ainda é uma
tendência. Quem não tem uma turma está fora do contexto. Aqueles
que não pertencem ao grupo estão efetivamente fora do mercado. Nos
dias de hoje, porém, as turmas nem sempre são de carne e osso. Com
o fenômeno das redes sociais as turmas virtuais vão tomando conta.
A
Rua Costa Gama, ainda calçada de pedras irregulares, era o reduto da
minha turma de adolescência. Dentre os aparelhos midiáticos
existentes nos dias de hoje somente a prosaica televisão (raramente
colorida) e o velho e insuperável rádio de pilha eram usados
naqueles tempos. Os telefones fixos existiam. Mas eram artigos de
luxo. Computador, notebook, telefones celulares, tablets e outros
equipamentos existiam somente nas histórias de ficção científica.
Nossa
realidade era muito distinta da de hoje. O muro da casa de um amigo
servia de porto seguro para os meninos. Ali permanecíamos por horas
a fio, contanto vantagens, aumentando em gênero e grau as proezas
(muitas delas inexistentes), comentando os fatos corriqueiros,
projetando situações, filosofando (tanto quanto possível) ou, no
mais das vezes, jogando conversa fora. Ali era o ponto da nossa
conexão, desde que o tempo estivesse bom. Grandes lufadas de vento
ou a incidência de chuva terminavam com nossa alegria.
As
reuniões dançantes, realizadas no final de semana na garagem de
algum dos membros da turma, nasciam destes contatos. Marcavam-se hora
e local. Um levava o disco do Elvis, outro do Abba, outro de música
lenta. Os convites eram boca a boca. A prioridade era levar mais
meninas do que guris. Os rapazes de outras turmas eram evitados.
No
dia marcado, lá se encontravam meninos e meninas. Uma luz vermelha
era o máximo da decoração. Uma vitrolinha Philips tocava as mais
pedidas. Dançava-se um pouco. Comia-se algo, isso se os pais do
anfitrião não fossem muito ranzinzas. Em regra a festinha, que
chamávamos de reúna, era de bico seco. Reinava excessiva emoção
quando o “pseudodidiei” lançava no toca-discos uma das lentinhas
de então. As meninas gostavam de It´s a Heartache, da Bonnie Tyler.
Durante a dança, mantinham-se os corpos separados por espaço
respeitoso. Os donos da casa, normalmente pais de alguma das
mocinhas, ficavam espreitando os movimentos suspeitos da gurizada.
O
encontro era breve. Poucas músicas, pouca dança, pouco excesso. Os
ecos da reunião ficavam pra depois. No dias seguintes, no muro, a
reunião era dissecada. Fatos e mais fatos eram revelados. Tudo muito
intenso, muito vibrante. Alegrias passageiras, tristezas e
lamentações. Histórias mais contadas do que vividas.
Muito bom este texto Solano. Adorei. Traz ótimas lembranças.
ResponderExcluirLucimar José dos Santos