Imagine que ocorra um fenômeno até então desconhecido pelos cientistas, pelos pesquisadores, pelos especuladores, pelos palpiteiros e nem pelos curiosos de todas as matizes. Por uma série de conjunções não bem explicadas, o mundo chega num determinado ponto e tudo pare. Neste exato momento. Sem aviso prévio, sem comunicação antecipada, sem notificação, nem nota oficial lida pelo Willian Bonner no Jornal Nacional. A coisa simplesmente parou e pronto. Como nunca antes na história ocorrera. Cada indivíduo será colhido de calças curtas no exato local em que se encontra.
Porém, nem todos estarão adormecidos. Sem fome nem frio, continuarão imobilizados, mas com a consciência em perfeito estado. Seria um choque para todos. Ninguém estaria preparado para uma parada dessas, ainda mais sem um planejamento antecipado.
Os que dormem no outro lado do mundo continuarão dormindo. Os que sonham continuarão sonhando. Os atormentados por pesadelos continuarão correndo dos monstros disformes que insistem em se aproximar perigosamente, enquanto seus pesados pés custam a sair do chão. Suas pernas doem e os monstrengos cada vez mais se aproximam.
Os amantes sentirão na alma o sabor doce e inconfundível do bem querer. Os que odeiam, estes continuarão remoendo em suas entranhas por largo tempo o amargor dos sentimentos menos nobres. E os que nada sentem experimentarão a ausência total, o vácuo, o vazio. Os desconfiados desconfiarão de que estão vivos. Ou será que estão mortos? Os gananciosos, que até formol colocam no leite das criancinhas em busca de alguns milhões a mais, ficarão ansiosos. Será para eles uma tortura desperdiçar um tempo precioso. Prisioneiros do acaso não poderão implementar mais um plano diabólico e eficiente, mais uma sacanagem contra toda esta gente honesta que, inadvertidamente, bebe um pouco de morte ao invés de saúde.
Os assaltantes ficarão no meio do caminho. Os policiais também. Alguém, parado na fila do banco que, verdadeiramente não anda, lembrará dos cheques que têm para cobrir. Das contas e mais contas que ainda tem que pagar neste mês que não finda. Outro, logo atrás, continuará absorto nos seus planos de futuro. Faculdade, cursinho, concurso. Aprovação e posse. Estudo e mais estudo que ninguém chega lá sem suor.
Na loja de discos três ou quatro clientes observam os CDs, os DVDs e as quinquilharias. No ambiente uma música que toca do início ao fim, repetidas vezes. Repete e repete o mantra premonitório, como se um dia alguém pudesse imaginar toda aquela confusão. Raul Seixas, a plenos pulmões, vivo como nunca, espalha no ambiente sua fértil imaginação: “Este noite eu tive um sonho, de sonhador, maluco que sou eu sonhei, no dia em que a Terra parou”.
Sonho ou pesadelo? Não importa, às vezes bem que nosso mundo precisa de uma parada. Não uma parada completa. Mas um “stop” individual. Diminuta parada para que se possa analisar o que está se fazendo neste exato momento. O exercício é interessante. Vamos parar um pouco?
Algo mais sobre o tema:
Profético, meu amigo, profético!
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