Programa
quase que obrigatório aos sábados pela manhã é a ida até a feira
do produtor. E o costume não é de hoje. Na pequena cidade de
Campina das Missões, há 634 km do Litoral Norte gaúcho, há quase
20 anos, minha visita à feira tinha um objetivo específico: comprar
cucas russas produzidas no interior do município por pequenos
agricultores.
As
cucas de lá são as melhores que conheço. E mais, de tão
saborosas, dispensam qualquer tipo de cobertura. Basta um cafezinho
com leite. Nada de margarina, de schimier, de manteiga.Quando muito
uma nata, não dessas industrializadas, mas sim aquela saborosa
substância que sobressai do leite fervido. Tão somente aquela nata
valoriza a cuca e não corrompe o seu especial sabor.
Dizem
que a produção é um trabalho penoso. Os ingredientes devem ser
misturados num processo lento, chegando a levar até uma semana para
que a cuca mostre sua verdadeira cara. Por isso a produção era
artesanal, resultando em poucas unidades. Raras eram as senhoras que
se dedicavam ao seu preparo. Até chegar ao forno, doses extras de
paciência parece ser o ingrediente necessário nesta tarefa de
aguardar o desenvolvimento do trabalho feito pela natureza no
processo de fermentação da massa.
Numa
visita à redação do Correio do Povo e da Zero Hora, acompanhado
pelo querido amigo Abílio Kapelinski, prefeito daquela distante e
distinta cidade, trouxe alguns exemplares da produção artesanal
campinense. O porta malas do carro oficial veio cheio de cucas russas
que foram distribuídas nas redações dos jornais entre os editores e
repórteres da Central do Interior. As cucas abriram portas. Pequenas
notas sobre a cidade começaram a aparecer na grande mídia. Sinal de
que o trabalho bem feito lá na colônia tem um valor muito maior
do que o preço cobrado pela sua venda.
Estas
imagens antigas me veem à mente quando penso no costume cada vez
mais presente de besuntar pizzas, pastéis, hamburgueers e até
batatas fritas com as indefectíveis maioneses, ketchup e mostarda.
Molho e mais molho para ressaltar o sabor.
Sejamos
honestos, as pizzas industrializadas, essas que se encontram nos
supermercados, não são dotadas de sabor. O sabor é o próprio
molho. E este truque, adição dos molhos, é um golpe certeiro e um
requisito indispensável para que a indústria consiga vender as
imitações de pizzas e as imitações de hamburgueres com gosto de
papelão.
Porém,
como o sábio previdente bem alertou, tudo aquilo que está ruim pode
ficar um pouco pior ainda. E de fato, a corrupção do sabor saiu das
gôndolas dos mercados e, de modo silencioso e imperceptível, vai
conquistando terreno. Seu crescimento é tão grande que vem
atingindo até os locais insuspeitos. Nota-se nas boas pizzarias,
aquelas que primam pelo verdadeiro sabor, que os comensais,
seduzidos pelo apelo das indústrias, repetem o ritual e,
inadvertidamente, lambusam seus pratos com generosas doses de molhos
derrubando, assim, o esforço do pizzaiolo.
Tendo
em vista o eventual sucesso deste sórdido plano patrocinado pela
indústria alimentícia que gera verdadeira corrupção do nosso
paladar, lanço aqui um manifesto pela manutenção dos sabores
saudáveis. Os gritos de ordem de agora em diante serão: “pelo
sabor genuíno das cucas de Campina das Missões; pelo gosto
insuperável das pizzas da À Lenha; fora maionese,
ketchup
e mostarda; viva a salada
do chef; viva a nata e o leite colonial”.
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