03/04/2017

O Governo

Quando surgiram por aqui, os humanos tinham como única meta a sobrevivência. As questões filosóficas não faziam parte das preocupações cotidianas. O objetivo básico era manter-se vivo. E não eram poucos os obstáculos: as temperaturas extremas, as feras, a falta de recursos, a falta de conhecimento. Viver mais um dia era um desafio.  A felicidade possível era a possibilidade de dormir e acordar para enfrentar um turbilhão de dificuldades. Deus não existia ainda. O paraíso não era aqui.
Como vasos ruins, os mais fortes não se deixaram quebrar. Com raro esforço, foram vencendo o frio, as tempestades, os trovões, a falta de comida. Eliminaram os inimigos naturais um a um. Chegou um tempo, depois de muito suor, de sofrimento e de medo que alguns poucos puderam estender o olhar para o entorno. Já não havia tanto perigo. Já sabiam defender o corpo. Já eram maiores que as feras que outro dia os eliminavam.
Porém, nem tudo era rosa. Os conflitos cresciam. Os grupos não se entendiam. Alguns desejavam algo. Entendiam que isso era melhor para todos.  Mas, outros achavam que não era bem assim. E através de duelos foram definindo o que era melhor. O mais forte, o mais audaz, o mais ágil assumia a frente. A lei do mais forte imperou por muito tempo. Os resultados, no entanto, não eram sempre os melhores. O mais forte nem sempre tinha a solução mais adequada.  O impasse estava criado: era preciso criar um sistema. Um sistema que reunisse a força e o conhecimento. E que trabalhasse insistentemente pelo bem de todos.
Eis que alguém, no meio da tribo, intuiu que o melhor era criar um governo. Um grupo de eleitos que fosse responsável pela criação de normas de convivência, que se convencionou chamar de leis, e que pudesse fazer valer estas leis. Era a solução. E a solução de uma tribo se espalhou. E outras e mais outras foram fazendo o mesmo.
No entanto, os governantes foram criando ao redor de si bolsões de privilegiados: seus familiares, suas amantes, seus amigos. A estes eram preservadas as partes melhores. A maioria nem chegava a notar. Mas, o barulho foi se tornando intenso. Chegou um dia em um bom número de pessoas acreditou que as soluções não eram as mais justas. E o governo virou desgoverno.
E assim foi. E assim é até os dias de hoje.

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