17/04/2017

O Medo da Arte

Um filme, uma música, uma pintura, uma obra de arte qualquer vai além da câmera, das luzes, dos enquadramentos, da edição, da partitura, do arranjo, do ritmo, ou da tela, dos pincéis e da moldura. O expectador assiste a um filme não como se residisse ali alguma falsidade, alguma interpretação. A história existe por si só. Ela é viva. Ficção científica, comédia, drama. Não importa: há verdade, dor, riso, sofrimento e tudo o quanto os personagens revelam nos diálogos, nos atos e nos gestos.
Uma pintura bucólica deixa de ser uma simples pintura quando recepcionada por um olhar acolhedor e sincero. A tinta deixa ser tinta. Ganha vida. Envolve e convence. Emociona se o sujeito assim permitir.
Envolvido, tocado pela história que o filme contém, pela fluidez da música ou pela penetrante visão diante da paisagem, a pessoa deixa de ser um expectador. Em regra, a emoção cria condições para que o coadjuvante vire protagonista. Isto porque, na arte, é a percepção do outro que valida a obra. Claro que a escultura não vista ainda é escultura. Não perde sua essência. Mas, ela só se completa diante do olhar atento e cúmplice do outro.
Diferentemente do que ocorre na arte, no caso da arte da vida humana não é olhar o outro, como se acredita neste momento histórico, que vai completar a obra. O julgamento do outro é detalhe. Significativo, às vezes. De somenos importância, na maioria dos casos. O olhar revelador, na verdade, é o do próprio indivíduo sobre si mesmo. E, esse olhar, em muitos casos é despido da naturalidade necessária para que o ser tenha uma ideia mais exata sobre o seu próprio caminho e sobre suas potencialidades.
Não faz muito, o que fugia ao padrão do aceitável era mantido escondido. Um ser que não fosse “normal” era afastado do olhar dos outros. Era uma vergonha para a família manter alguém que “não deu certo”, que não preencheu todos os requisitos do padrão vigente. Uma limitação física qualquer era uma humilhação. Muitos viam nisso uma manifestação do criador. Uma ira da divindade. A família que recebia um ser “incompleto”, “defeituoso” carregava uma maldição, uma dor que não necessariamente precisava ser compartilhada. Havia algum demérito nisso. E o orgulho e a vaidade reinantes então não permitiam que a família validasse a existência do individuo.
Temia-se o julgamento. Temia-se o olhar do outro. Temia-e a reprovação.
É certo que em alguns locais, ainda desprovidos dos ventos que limpam as mentes e de alguma energia luminosa que torne a realidade mais clara, ainda impere o medo e a ignorância. Porém, nosso mundo caminha para a aceitação das diferenças.
Chegará o dia em que o homem reconhecerá em si a própria obra de arte.  Deixará de olhar para o outro com a sisudez do julgamento. Usará sua experiência para caminhar com mais segurança.  Talvez demore algum tempo. Bem mais que anos. Bem mais que décadas. Talvez séculos. Chegará o dia. Isso é certo. 

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