16/04/2014

O sumiço das palavras

Vinil O Fino da Fossa, volume 2
Ouvia no rádio uma música da Bossa Nova. Lembrei que o movimento, muito embora tenha sumido há algumas décadas, deixou um legado importante no panorama musical mundial. O jeito sereno e limpo, sem a necessidade de que um vozeirão se impusesse sobre a música, nasceu aqui no Brasil. Mais especificamente tendo como cenário as belezas do Rio de Janeiro, então Capital da República. Começou lá pelo final dos anos 50, dentro de um panorama de euforia e de valorização da brasilidade. Espalhou-se pelo mundo, agregando valores da música norte-americana como o jazz.
Com isso, lancei-me no exercício de lembrar de coisas que apareceram, fizeram parte da história das pessoas e depois sumiram. Não é bem o caso da Bossa Nova que continua ainda fazendo muito sucesso no meio artístico nos EUA, na Europa e no Japão. Pensando bem, o termo em si é que talvez tenha ficado no passado. Quantos destes meninos que atravessam as cidades de skate, que caminham pelo centro e pelos bairros carregando suas mochilas nas costas, com seus bonés cuidadosamente relaxados em suas cabeças, com seus fones inevitavelmente tapando seus ouvidos, sabem o que é bossa nova?
E não há que julgá-los. Acontece que algumas expressões somem. Deixam a nítida impressão que um belo e insuspeito dia pegam o trem e se afastam para bem longe. Não estão mortas, ainda vivem. Mas estão distantes dos nossos olhos e de nossos ouvidos. São como aquelas pessoas, conhecidas nossas, que um dia compartilharam de algum momento conosco e que não vimos há muito tempo. E, vez por outra, nos encantamos ao encontrá-las. Tomados de surpresa, controlamos a vontade que dá de dizer; “puxa, tu ainda estás viva?”.
Entre as expressões, as que mais tomam gosto pelo sumiço são as gírias. É razoável, são transitórias. Aparecem como modinhas e depois vão cansando, perdem o gosto como o feijão que foi servido novinho na segunda-feira e vem resistindo bravamente, dando o ar da graça todos os dias. Na sexta não há quem o ature. Talvez nem seja correto dizer que elas somem. Pode ser que, desgastadas pelo uso insistente, elas sejam abandonas ao relento e permaneçam numa espécie de limbo. Não são mais vistas, ouvidas e aceitas. Algumas renascem, outras estão fadadas ao extermínio.
Lembrei da Bossa Nova e, como se atraída por um ímã, me aparece no cérebro a expressão o fino da fossa. A fossa era o apelido dados às canções românticas dos anos 50 que exaltavam a dor, o sofrimento e as agruras de amores mal resolvidos. Estar na fossa era uma gíria que significava que o indivíduo passava por um período negativo, uma fase ruim. No caso da música, normalmente estava relacionado à dor de cotovelo ou melhor, traduzindo para os dias de hoje, às dores da vida amorosa, do desprezo, da traição.
E não é que, pesquisando, encontrei até um livro de um jornalista que se dedica a recuperar expressões que caíram em desuso. Aberto Villas, escritor e colunista da Carta Capital, vinha juntando uma série de palavras que caíram for ado vocabulário atual. Antes que sejam totalmente esquecida, assumiu o posto de garantidor da vida de expressões como milico (militar), garrucha (espingarda), radiola (rádio), coqueluche (última moda), manequim (modelo, top model), entre tantas outras. Lançou um dicionário chamado "Pequeno Dicionário da Língua Morta", pela Editora Globo".
Não consultei a obra, mas acredito que no seu interior devem constar expressões como calça de brim (jeans), brim Coringa (marca), bigorrilho (tratamento carinhoso para filho), cuca (cabeça), bafo de onça (mau hálito), brasa mora e broto. Bicho não precisa constar pois Roberto Carlos anualmente, no especial da Globo, vai usá-la quando conversar com seu amigo, seu irmão, o Tremendão Erasmo Carlos.   

Para saber mais:


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