A "justiça" primitiva era imposta pela força |
Dia
desses circulava pela internet imagens de um rapaz que foi amarrado a
um poste. Segundo consta era um ladrão. Antes de ser amarrado ele
foi brutalmente agredido por populares e teve parte de sua orelha
arrancada. O texto esclarecia que a população havia tomado conta do
rapaz e feito justiça. Centenas de comentários. Outro dia alguém
postou imagens de alguém que seria um estuprador. Choveram
comentários para que todos compartilhassem exaustivamente. Amigos
nossos, pessoas de bom caráter, pais de família, empresários
influentes, gente da melhor espécie vem curtindo estas
monstruosidades.
Noutro
lance da mesma história, quando era lembrada, no mês passado, a
passagem do infeliz aniversário da ditadura militar no país, parece
que houve certo acirramento de ânimos. A saudade do coturno e do
fuzil parece que mexeu com a cabeça dos amigos. Alguns deles,
justificando a necessidade de que os bandidos realmente paguem pelo
que fazem, chegaram a pedir a pena de morte ou a institucionalização
de trabalhos forçados ou coisa que o valha.
A
insegurança é tema presente. A vontade de vingança vem junto.
Agora virou moda no país o tal do justiçamento. É a volta da
barbárie. Coisa de um passado quando as atrocidades eram permitidas
e incentivadas por leis que promoviam a vingança. A coisa ficou bem
pior com as redes sociais. Uma acusação infundada aqui, outra ali.
Uma irresponsabilidade aqui outra ali. Tudo normal. Porém, às
vezes, pode ocorrer que uma turba sanguinária e irresponsável
resolva se achar no direito de promover justiça com as próprias
mãos e assume o descontrole do processo. E um boato qualquer, uma
mentira insana qualquer postada não se sabe por quem pode causar um
dano irreparável.
A
democratização da internet, cá entre nós, está dando voz a quem
ainda não sabe falar. Os grunhidos das cavernas estão reverberando
via web. E com isso, difundem-se, também, os sentimentos mais
primitivos, travestidos na forma de combate ao mal.
A morte
de uma jovem em São Paulo é um destes espetáculos mais insanos que
podemos assistir. É um fato desprezível. Sem explicação razoável.
Meu estômago é fraco para isto. Não abro vídeos desta espécie.
Nem compartilho. Não tenho curiosidade para espetáculos
deprimentes. Sou um covarde, confesso. Mas fico chocado com fatos
assustadores como estes.
Pesquisando
um pouco mais, concluímos que este não é um acontecimento isolado.
O que é uma pena. No Estado da Bahia é corriqueiro o linchamento.
Diante de um boato de roubo, de um furto, grupos se armam de pedras e
paus e saem a caçar os pretensos bandidos. Vinte, trinta homens e
mulheres enfurecidos, com sangue nos olhos, vendados à qualquer
possibilidade de que podem cometer uma injustiça. E não param até
que o corpo do pretenso culpado esteja destroçado.
A ação
deste justiceiro, injustificável desde sempre, apresentam pelo menos
três características comuns: a covardia (uma pequena multidão
contra um só indivíduo), a crueldade (é necessário destruir o
indivíduo) e a inutilidade. É claro que a morte de alguém não
resolverá os problemas do bairro, da cidade ou do país. Talvez até
incentive a novos ataques, à vingança dos familiares e assim por
diante, instalando-se um estado sem ordem e sem lei.
Dizem os
estudiosos que o costume do linchamento, aqui chamado na nossa
querida e amada Pátria pelo apelido de justiçamento, nasceu na Roma
Antiga. Os criminosos eram considerados indignos e poderiam ser
punidos à vontade pelos deuses ou, na falta destes, por qualquer
pessoa. Mas isto ocorria no período que se iniciou em 753 a.C. Mais
tarde, no final do século XIX, os americanos promoviam esta espécie
de vingança. Normalmente os mortos eram os negros.
Não há
como um cidadão de boa índole aceitar a busca pela justiça desta
forma tão primitiva, covarde e cruel. A eliminação da vida de
maneira tão brutal e irresponsável nos remete aos tempos mais
duros da vida aqui na Terra. Naqueles tempos a justiça era feita por
músculos, paus, pedras e dentes arreganhados.
O que
mais assusta é que a ira é tanta que não há nem mesmo a
preocupação em apurar os fatos, em determinar exatamente a autoria.
É tudo no impulso. A massa enfurecida não pode esperar. Tem que ser
feito tudo na pressa. Sem direito à defesa, sem julgamento justo.
Retrocedemos
mais de mil anos. E para isto basta um só clic. Basta compartilhar
porcarias e espalhar o lixo pela rede. O espetáculo aparece logo
logo em forma de vídeos na própria rede. Deprimente. Infelizmente
verdadeiro.
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