10/09/2014

Coisas inúteis

Um bom vinho é a dica de Sêneca
Sábio é aquele que não gasta energia nem tempo em coisas inúteis. É o homem que não se mistura com a multidão simplesmente porque todos assim o fazem. É aquele que não sente medo de contrariar a maioria, que vota em quem acredita e não em quem os outros querem. Também é sábio aquele que não corre atrás daquilo que no futuro se revelará como algo totalmente inútil e desprezível.
Não pense que tudo isso é resultado de alguma reflexão aprofundada e minha lúcida análise das coisas do dia a dia. Não! Esta é a interpretação que faço de uma das passagens de Sêneca, em Da Tranquilidade da Alma. O filósofo, dramaturgo, político e escritor latino, analisava a complexidade do ser humano e seu anseio na construção de um estado vivencial mais feliz.
Sua receita, no entanto, apresenta uma série de remédios amargos. Não há doçura, não há espaço para sonhos e magias. Lúcio Anneo Sêneca corta o corpo sem dó nem piedade. Expõe as entranhas do homem e mostra onde se escondem as armadilhas que vão sendo construídas ao longo dos tempos. A razão toma conta sobrando pouco de improvisação, enterrando aquele doce sentimento de que as coisas boas serão encontradas no olhar despretensioso e casual. De que as respostas aos nosso anseios saem do nada, como se doces anjos assoprassem em nossos ouvidos aquilo que nossas mentes pouco brilhantes custam a encontrar.


Não! Para o filósofo, há metas a serem seguidas. Meros sonhos, vontades e desejos podem levar o homem e a mulher ao abismo. A expressão “não devemos desejar o que não podemos conseguir” põe uma pá de cal em cima dos sentimentos mais românticos, dos sonhos mais animadores e da doce alienação que, por vezes, nos permitimos. E, convenhamos, precisamos!
Uma querida amiga me disse, há algum tempo: “não morra sem tentar: é preciso sonhar!”. Respondi, quase que maquinalmente, que muitos morrem a partir de seus sonhos. Não sabia, mas o espírito de Sêneca estava nos meus dedos que digitavam a mensagem. Ela sorriu e disse que eu era um pessimista. Pessimista não, voltei a responder, lembrando que a resposta tinha sido uma inspiração do momento, uma sacada da hora e não poderia deixar assim sem um registro. Nem que não soubesse explicar depois.
Analisando agora, com mais vagar, é claro que Sêneca na busca da felicidade vai rabiscando receitas altamente indigestas. As doses são tanto mais amargas para aqueles que se entregam de corpo e alma ao otimismo. O otimismo, bem sabemos, não é tão próximo assim do racionalismo. Quanto mais raciocinamos, quanto mais buscamos respostas razoáveis para as coisas, menos magia aparece. Sobram as leis naturais, inflexíveis e inevitáveis, ordenadas de tal forma que afastam o caráter da improvisação e do poder miraculoso.
Porém, nem tudo é negativo. Aliás, o racionalismo não é negativo. É ordenador. É impositivo. É a forma mais prática de se chegar à verdade. Mas, jamais vai arquivar a possibilidade de que o indivíduo tenha sucesso em suas ações. Nem ao menos vai afastar a possibilidade, tênue, é verdade, de que o acaso venha a resultar em frutos. Alerta, ainda Sêneca, de que cabe ao homem escolher se chora ou se ri. Porém, esta escolha deve estar firmemente respaldada no sentimento verdadeiro. Não se deve chorar porque os outros esperam isso, nem sorrir porque vai agradar alguém. O ideal, segundo ele, é sorrir quando se deseja e chorar quando se impõe, sem o medo do olhar reprovador do outro ou da insana tentativa de agradar.
Sei que isto está ficando um tanto quanto chato. Não se espera tanto para uma sexta-feira, é claro! Mas, se tudo isso serve para tirar a paz e atrapalhar nosso dia, fiquemos ainda com Sêneca que recomenda aos homens de boa vontade que, vez por outra, se entreguem ao prazeres de Baco e restabeleçam suas almas com boa comida e bebida farta. No meio de farta receita de remédios tão caros e indigestos, o filósofo joga tudo para cima e recomenda: “É necessário que se afaste do costumeiro, que se liberte e, soltando o freio, arrebate consigo o cavaleiro, que é conduzido às alturas, aonde jamais chegaria só por si mesmo”. Ou seja, uma dose etílica ajuda a superar os entraves das filosofias mais duras e das conclusões menos emocionantes.
A receita de Sêneca, que lembra as palavras de Aristóteles, “nunca existiu um grande gênio sem nenhuma mistura de loucura”, é a deixa para esta sexta-feira. Mesmo que estejamos seguindo caminhos divergentes, mesmo que não estejamos nos encontrando na construção de um ser muito melhor, sem medo de errar nos reunamos para reduzir as agruras do dia com um cálice na mão. Um bom vinho é a dica do filósofo. E saúde!

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