Um bom vinho é a dica de Sêneca |
Sábio
é aquele que não gasta energia nem tempo em coisas inúteis. É o
homem que não se mistura com a multidão simplesmente porque todos
assim o fazem. É aquele que não sente medo de contrariar a
maioria, que vota em quem acredita e não em quem os outros querem.
Também é sábio aquele que não corre atrás daquilo que no futuro
se revelará como algo totalmente inútil e desprezível.
Não
pense que tudo isso é resultado de alguma reflexão aprofundada e
minha lúcida análise das coisas do dia a dia. Não! Esta é a
interpretação que faço de uma das passagens de Sêneca, em Da
Tranquilidade da Alma. O filósofo, dramaturgo, político e escritor
latino, analisava a complexidade do ser humano e seu anseio na
construção de um estado vivencial mais feliz.
Sua
receita, no entanto, apresenta uma série de remédios amargos. Não
há doçura, não há espaço para sonhos e magias. Lúcio Anneo
Sêneca corta o corpo sem dó nem piedade. Expõe as entranhas do
homem e mostra onde se escondem as armadilhas que vão sendo
construídas ao longo dos tempos. A razão toma conta sobrando pouco
de improvisação, enterrando aquele doce sentimento de que as coisas
boas serão encontradas no olhar despretensioso e casual. De que as
respostas aos nosso anseios saem do nada, como se doces anjos
assoprassem em nossos ouvidos aquilo que nossas mentes pouco
brilhantes custam a encontrar.
Não!
Para o filósofo, há metas a serem seguidas. Meros sonhos, vontades
e desejos podem levar o homem e a mulher ao abismo. A expressão
“não devemos
desejar o que não podemos conseguir”
põe uma pá de cal em cima dos sentimentos mais românticos, dos
sonhos mais animadores e da doce alienação que, por vezes, nos
permitimos. E, convenhamos, precisamos!
Uma querida amiga me disse, há
algum tempo: “não morra sem tentar: é preciso sonhar!”.
Respondi, quase que maquinalmente, que muitos morrem a partir de seus
sonhos. Não sabia, mas o espírito de Sêneca estava nos meus dedos
que digitavam a mensagem. Ela sorriu e disse que eu era um
pessimista. Pessimista não, voltei a responder, lembrando que a
resposta tinha sido uma inspiração do momento, uma sacada da hora
e não poderia deixar assim sem um registro. Nem que não soubesse
explicar depois.
Analisando
agora, com mais vagar, é claro que Sêneca na busca da felicidade
vai rabiscando receitas altamente indigestas. As doses são tanto
mais amargas para aqueles que se entregam de corpo e alma ao
otimismo. O otimismo, bem sabemos, não é tão próximo assim do
racionalismo. Quanto mais raciocinamos, quanto mais buscamos
respostas razoáveis para as coisas, menos magia aparece. Sobram as
leis naturais, inflexíveis e inevitáveis, ordenadas de tal forma
que afastam o caráter da improvisação e do poder miraculoso.
Porém,
nem tudo é negativo. Aliás, o racionalismo não é negativo. É
ordenador. É impositivo. É a forma mais prática de se chegar à
verdade. Mas, jamais vai arquivar a possibilidade de que o indivíduo
tenha sucesso em suas ações. Nem ao menos vai afastar a
possibilidade, tênue, é verdade, de que o acaso venha a resultar em
frutos. Alerta, ainda Sêneca, de que cabe ao homem escolher se chora
ou se ri. Porém, esta escolha deve estar firmemente respaldada no
sentimento verdadeiro. Não se deve chorar porque os outros esperam
isso, nem sorrir porque vai agradar alguém. O ideal, segundo ele, é
sorrir quando se deseja e chorar quando se impõe, sem o medo do
olhar reprovador do outro ou da insana tentativa de agradar.
Sei
que isto está ficando um tanto quanto chato. Não se espera tanto
para uma sexta-feira, é claro! Mas, se tudo isso serve para tirar a
paz e atrapalhar nosso dia, fiquemos ainda com Sêneca que recomenda
aos homens de boa vontade que, vez por outra, se entreguem ao
prazeres de Baco e restabeleçam suas almas com boa comida e bebida
farta. No meio de farta receita de remédios tão caros e indigestos,
o filósofo joga tudo para cima e recomenda: “É necessário que se
afaste do costumeiro, que se liberte e, soltando o freio, arrebate
consigo o cavaleiro, que é conduzido às alturas, aonde jamais
chegaria só por si mesmo”. Ou seja, uma dose etílica ajuda a
superar os entraves das filosofias mais duras e das conclusões menos
emocionantes.
A
receita de Sêneca, que lembra as palavras de Aristóteles, “nunca
existiu um grande gênio sem nenhuma mistura de loucura”, é a
deixa para esta sexta-feira. Mesmo que estejamos seguindo caminhos
divergentes, mesmo que não estejamos nos encontrando na construção
de um ser muito melhor, sem medo de errar nos reunamos para reduzir
as agruras do dia com um cálice na mão. Um bom vinho é a dica do
filósofo. E saúde!
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