O mundo aberto em frente aos
nosso olhos parecia uma colcha de retalhos. Multicolorido, plano. O artesão, no
entanto, não havia cortado os pedacinhos com esmero. Parecia que o tecido havia
sido rasgado de qualquer jeito. Havia pedaços maiores, pedacinhos menores.
Sutis linhas pretas separavam os pedaços. Uns riscos azulados corriam para cima
e para baixo. Longas extensões azuladas destacavam-se.
Nas
cabecinhas da terceira ou da quarta série, parecia pouco provável que aquela
folha colorida fosse capaz de abrigar rios límpidos e cheios de vida, lagos
congelados aguardando a chegada da primavera, montanhas que subiam em direção
aos céus, florestas onde se escondiam sacis, iaras, lobisomens e mulas sem
cabeça, cidades inteiras onde meninos corriam nos campinhos atrás de uma bola
murcha ou nas ruas calçadas entre os raros carros que passavam, onde meninas
pulavam de corda e as mães limpavam casas e colocavam a roupa no varal e, vez
por outra, sapecavam uma varada nas pernas do moleque mal educado e linguarudo.
Era difícil entender como cabia tanta gente, tanta coisa. Era impossível
imaginar que naquele pedaço pequeno de papel carros vermelhos, azuis, verdes ou
raramente brancos seguissem em fila pela estrada de piche em direção ao
litoral.
Naqueles tempos, o mapa múndi era plano. Difícil entender
quando a aplicada professora, sem vídeo de animação em três dimensões, sem
qualquer outro recurso senão o estático livro tentava convencer a
turminha de que a Terra era redonda. E mais, que ela ainda ficava girando em
seu próprio eixo e imperceptivelmente descrevia movimentos ao redor do sol.
Tudo isso era uma abstração. Uma poesia que não fazia muito sentido. Uma folha
de papel. Um desenho multicolorido. Difícil entender de outra forma.
Não
foi abstração quando a aula de geografia terminou. A professora pegou seus
mapas, apagou o quadro e saiu levando o mundo debaixo dos braços. O burburinho
tomou conta. Não falavam sobre o mundo, sobre os países nem sobre rios. Falavam
sobre nada. Uns verdadeiramente gritavam. A supervisora, com o rosto sentido e
olhar cabisbaixo interrompeu a algazarra. Tinha um comunicado grave, com
certeza. Era o que cabia a uma supervisor: apresentar algo grave, importante.
Os
olhinhos ficaram em estado de alerta. As bocas pararam. Os dedos cessaram de
tamborilar na madeira. O silêncio se impôs. “Infelizmente tenho que comunicar
que faleceu um familiar da professora de Português. Hoje ela não pode
comparecer. Recolham seus materiais, estão liberados do último período”. Dado o
recado, saiu de mansinho da aula com sua missão cumprida.
Ainda
no corredor, pode notar que o silêncio da turma foi rompido pela manifestação
em coro: “ebaaaaaa!!!”.
Good times. Essa alegria de aula não acontecida ainda existe ... 😊
ResponderExcluirÉ do espírito do aluno essa alegria pela folga. Kkkk
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