04/08/2015

O Jardineiro

A turma recebeu a tarefa de produzir um trabalho em grupo. Os grupos foram cuidadosamente separados pelo professor. Os alunos, de quinta ou sexta série,  tinham liberdade total para criar a partir de determinado tema. Jogral, que invariavelmente caminhava para o rotundo fracasso;  distribuição de impressos em mimeógrafos, que agradava a todos menos pelo conteúdo, mais pelo forte cheiro de álcool que inebriava toda a classe; coreografias das mais diversas, que, em regra, mais constrangimento causavam do que prazer aos artistas e mesmos aos diletos expectadores.
Nosso grupo, não sei porque raios, escolheu fazer alguma coisa parecida com o teatro. Não era uma peça, pois o tempo era diminuto. Era um esquete. Alguém assumiu a coordenação. Um ou dois outros se puseram a bolar toda a trama a ser representada. Algumas poucas reuniões foram realizadas. Sei que chegou num determinado momento e tudo estava rigorosamente pronto. Não abri a boca nas reuniões nem fiz exigências quanto ao papel que me caberia. Pelo contrário, intimamente minha timidez torcia para que de algum modo a tarefa fosse cancelada e não necessitássemos de uma exposição que antevia seria um grande desastre.
Ficou estabelecido que alguns colegas produziriam algumas coisas em casa. O cenário ficou para alguém, a sonografia ficou para outro, os figurino e assim por diante. Certo que faltou supervisão.
No dia marcado para a apresentação, o grupo foi se postando no local determinado. O nervosismo era visível. E aumentava ainda mais quando fomos constatando que não havia nada de cenário, nada de sonografia e nada de figurino. Como a tragédia não era pequena, constatou-se, ainda, que alguns membros do grupo não tinham sequer falas. Eu era um deles. E aí foi aquela correria para a improvisação. Lembro que não havendo como incluir novos personagens naquela bagunça coube-me o nobre papel de jardineiro. Sim, jardineiro. Só que não havia ancinho nem tesoura nem pazinha.  Flores então, nem pensar.
E o tal esquete foi apresentado com notável falta de entusiamo no grupo e na plateia. E não falei palavra. E não ouvi aplausos. Só alguns risos verdadeiros. E o professor, que dava a nota na hora, considerou aquilo tudo um lixo. E ainda falou abertamente do desgraçado do jardineiro que além de não falar nada, ainda ficou de costas para o público, algo totalmente contra a boa arte da representação.
Se o vexame coletivo marcou de algum modo minha existência estudantil, não foi suficiente para eliminar a minha admiração pelas pessoas que conseguem com maestria, com gestos simples e leves tornar o mundo (muitas vezes cinzento demais) em algo mais colorido, mais belo e aprazível. 
                       
                       

                           

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