30/07/2015

Dona Carochinha

Dona Carochinha mora na floresta. Vive cercada por outros bichinhos. Convenhamos, bichinhos é modo de falar. Ela vive cercada de outros tantos pequenos como ela, não tão pequenos quanto ela e outros, maiores, muito maiores, do que ela.  Ela é uma doce pessoa. E se mistura com os pequenos, os médios e os grandes. E, como se mistura fácil, fica sabendo o que acontece em todos os lugares. Mas, Dona Carochinha não se contém em saber. Ela é mestra, também, em divulgar o que sabe.
De certo modo, Dona Carochinha transforma tudo o que sabe em fato público.  Algumas vezes tudo fica por isso mesmo. Os envolvidos não dão bola e tudo fica na paz. “Ora, isso só pode ser coisa da Dona Carochinha!', diz alguém. “Essa Dona Carochinha não tem jeito, mesmo. Uma hora ela vai entrar numa grande confusão!”, diz outro. Assim, tudo ia às mil maravilhas. As confusões eram de pequena monta. E os prejudicados não buscavam grande aprofundamento. Sabiam que Dona Carochinha era uma exagerada. Acabava misturando fatos verdadeiros com ficção, com seus sentimentos e com suas fantasias. Ocorre que chegou alguém novo na floresta. Não conhecia Dona Carochinha nem fora apresentado ainda à sua mania de compartilhar as coisas.
Dona Carochinha não tinha muita noção do perigo. E foi justamente bisbilhotar o novo morador. E saiu, como de costume, a ouvir tudo o que sabia sobre ele. Quando chegava em casa, o que fazia pela manhã, o que fazia pela tarde e assim foi montando o perfil do indivíduo. E pesquisando sua rede social foi criando o personagem. E saiu por aí a dar notícias a todos que encontrava. Parava na calçada e gastava bom tempo na ladainha. E saía dali e ia ao cabeleireiro (quem disse que na floresta em questão não existem vaidades?). E onde há vaidades há um cabeleireiro à disposição. E enquanto arrumava as madeixas, despejava tudo o que sabia. Mal tinha tempo para respirar de tal forma que sentia mesmo certa falta de ar. As bochechas ficavam vermelhas, a voz parecia que ia sumir.
Dava um tempo para que um pouquinho de ar fosse renovado nos pulmões e desatava novamente em franca conversa. Debulhava o que sabia, o que não sabia e o que nunca saberia. Largava o verdadeiro, o possível e até o impossível. Ocorre que o confidente nem sempre era o mais indicado. E ele, tal qual Dona Carochinha, era dado à difusão do conhecimento. E gastou o dia a noticiar o que soubera sobre o novo morador. E a floresta toda começou a conversar. Até que chegou nos ouvidos do dito cujo.

E o dito cujo não era de brincadeira. Procurou Dona Carochinha.  E, tão logo a encontrou, pisoteou o que pode. Dona Carochinha em segundos se viu diante de uma inteligência suprema da floresta. E, ainda sentindo as dores no corpo, perguntou o que houve. “Ocorre que ganhastes o dom da informação. Tudo chega em ti. Porém, nem tudo o que sabes deve ser dito. Aproveita o conhecimento para te fortalecer nunca para reduzir o outro”, disse o sábio. 

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