O célebre reclamão Garfield, de Jim Davis |
Um dia sem reclamação. Só um. Nada
de lamentar o tempo quente e abafado, a falta de vento, o preço assustador do
litro de gasolina, o excesso de trabalho ou a falta dele, a grana curta no
bolso ou o saldo negativo no banco. O negócio que era para fechar e não fechou.
A pouca valorização que o vendedor deu pelo carro usado e a supervalorização
atribuída por outro um pouquinho só mais novo.
Um
dia sem reclamação. Só um. A falta de vitória do time do coração. O desempenho
trôpego de quem representou para ti uma grande esperança. A gordurinha que sobra do lado, o cabelo que não se ajeita p
ou que abandona a cabeça e não volta mais. Uma ruga, disfarçada de sinal de expressão, que denota que o tempo
vai marcando sua marcha pelos rostos dos viventes. O livro que dorme infinitamente do lado da
cama. A grama que cresce neste tempo e exige algum suor ou algum dinheiro para pagar
o rapaz que corta, apara, recolhe e pede, de vez em quando, uma água gelada,
“porque sem água gelada não dá para enfrentar este calorão”.
Um
dia sem reclamação pode parecer pouco. É só um. Mas, por incrível que pareça,
este simples desafio não é tão pequeno assim, nestes tempos de correria. Parece
que sempre haverá um estímulo aqui ou ali pronto a determinar o rompimento do
pacto. Algo vai aparecer na notícia lida
com esmero pelo locutor do rádio, ou escrito pelo seu preferido colunista no
jornal, no site ou, ainda, em alguma postagem de falsa felicidade feita por
aquela amiga que você nem sabe que é sua amiga, mas está lá com este status
sorrindo um sorriso que você nem conhece ao vivo.
Uma morte
estúpida no centro da cidade ou no bairro. Um aumento de preço, uma ordem que
não dá para cumprir, um prazo que corre mais do que a vontade em atendê-lo. Um
descuido qualquer, uma situação inusitada. Um grupo de Whats que não vai levar
a nada, mas que não se sai por vergonha. Um buraco na rua que o prefeito
insiste em não ver. Um motorista que não conhece a cidade e vai parando na
preferencial, freando repetidas vezes com medo de passar pelo sinal até que o
vermelho se impõe para a alegria dos apressados que vinham nervosamente atrás.
Se um dia
sem reclamação já parece bastante, imagina o desafio que alguns estão se
impondo: uma semana, um mês. Não sei se o exercício terá o poder de mudar
comportamentos. Bom que a magia funcionasse assim rapidinho. Vai que funcione.
Não sei se adiro ao movimento. Acho que não: hoje tá tão quente, o vento mal
bate na janela e tenho muita coisa para fazer ainda. Dia cansativo esse.
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