10/11/2016

Sem Reclamações

O célebre reclamão Garfield,
 de Jim Davis
Um dia sem reclamação. Só um. Nada de lamentar o tempo quente e abafado, a falta de vento, o preço assustador do litro de gasolina, o excesso de trabalho ou a falta dele, a grana curta no bolso ou o saldo negativo no banco. O negócio que era para fechar e não fechou. A pouca valorização que o vendedor deu pelo carro usado e a supervalorização atribuída por outro um pouquinho só mais novo.
Um dia sem reclamação. Só um. A falta de vitória do time do coração. O desempenho trôpego de quem representou para ti uma grande esperança. A gordurinha que  sobra do lado, o cabelo que não se ajeita p ou que abandona a cabeça e não volta mais. Uma ruga, disfarçada de  sinal de expressão, que denota que o tempo vai marcando sua marcha pelos rostos dos viventes.  O livro que dorme infinitamente do lado da cama. A grama que cresce neste tempo e exige algum suor ou algum dinheiro para pagar o rapaz que corta, apara, recolhe e pede, de vez em quando, uma água gelada, “porque sem água gelada não dá para enfrentar este calorão”.
Um dia sem reclamação pode parecer pouco. É só um. Mas, por incrível que pareça, este simples desafio não é tão pequeno assim, nestes tempos de correria. Parece que sempre haverá um estímulo aqui ou ali pronto a determinar o rompimento do pacto.  Algo vai aparecer na notícia lida com esmero pelo locutor do rádio, ou escrito pelo seu preferido colunista no jornal, no site ou, ainda, em alguma postagem de falsa felicidade feita por aquela amiga que você nem sabe que é sua amiga, mas está lá com este status sorrindo um sorriso que você nem conhece ao vivo.
Uma morte estúpida no centro da cidade ou no bairro. Um aumento de preço, uma ordem que não dá para cumprir, um prazo que corre mais do que a vontade em atendê-lo. Um descuido qualquer, uma situação inusitada. Um grupo de Whats que não vai levar a nada, mas que não se sai por vergonha. Um buraco na rua que o prefeito insiste em não ver. Um motorista que não conhece a cidade e vai parando na preferencial, freando repetidas vezes com medo de passar pelo sinal até que o vermelho se impõe para a alegria dos apressados que vinham nervosamente atrás.
Se um dia sem reclamação já parece bastante, imagina o desafio que alguns estão se impondo: uma semana, um mês. Não sei se o exercício terá o poder de mudar comportamentos. Bom que a magia funcionasse assim rapidinho. Vai que funcione. Não sei se adiro ao movimento. Acho que não: hoje tá tão quente, o vento mal bate na janela e tenho muita coisa para fazer ainda. Dia cansativo esse. 

                                               

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