28/05/2018

Empanturrado


Minha mãe fazia pão de forno. O cheiro exalado pelo lento processo aumentava sobremaneira a vontade de consumi-lo.  Era uma verdadeira tortura. Parecia que o processo demorava a tarde inteira. Não era bem assim. Mas, na verdade, alguns dias ela aumentava ainda mais o tempo de espera. Quando eles estavam no ponto, recém-retirados do forno, quentinhos ainda, uma fina fumaça que se dirigia até o teto e um cheiro que tomava conta da pequena casa, vinha ela com uma sentença negativa e definitiva: “não se come pão quente porque dá dor de barriga!”. Desânimo completo. A fome aumentava ainda mais. O valor de uma fatia daquele pão ia às nuvens. Aos nossos olhos, aquilo tudo valia ouro.
Na hora em que ela amolecia o coração e partia o pão em fatias, dando a cada um o seu quinhão, mudava a preocupação.  “Não pode comer muito porque empanturra!”.  Comíamos o que dava. Ou melhor, o que ela dava porque a quantidade era definida por ela. Jamais tivemos nosso estômago dilatado por pão quente, outra preocupação da zelosa mãe.
É certo que alimento demais não faz bem à saúde. Muito  pouco também não. O ideal é o equilíbrio que vai proporcionar a harmonia.
Lembrei-me disso, depois de uma semana de empanturramento de informações. Iniciou lá na mais alta Corte, no meio da semana. A cobertura midiática foi tão intensa que HC virou conversa de boteco. De uma hora para a outra, milhões de seres, muitos deles ainda muito carentes na junção das letrinhas, tornaram-se experts na intrincada fórmula de resolver questões complexas que são o pão de cada dia dos ministros da Corte.
Depois, a mídia esportiva regional e do centro do país, gastou horas e mais horas discutindo se o treinador do Grêmio, iria deixar a província pra se aventurar nas areias de Copacabana e, nas horas vagas, treinar o Mengão. Domingo, ainda bem, a novela terminou. Foi o Dia do Fico.
Antes disso, porém, a tevê pode comemorar a prisão do ex-presidente. Muita gente desligou a tevê diante da cobertura excessiva. Era novela que parava no meio, noticiaristas com indisfarçável satisfação, repórteres apressados (vez por outra levando indesejáveis e desrespeitosos safanões de manifestantes). Foi farto o prato. Tá certo que era pão quente. Era inevitável. Mas, tudo o que é demais, acaba enfarando.
Comi pão quente feito pela minha mãe e não tive dor de barriga. Muito menos empanturrei. Nem ao menos tive o estômago dilatado. Agora, cobertura midiática excessiva, essa não me pega. Faz anos. Leio um ou dois sites de notícias e tá bom. Chega! Em excesso até água faz mal.
A alta Corte vai decidir outros HCs e ADINs, nesta semana. E aí, quem concorda? E se não concorda explique-se. O mundo quer saber.       

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