Simplicidade- Há certo encantamento quando a infantilidade
ainda está presente. O tempo passa e a magia vai sumindo aos poucos.
Em regra, os anos acumulados vão progressivamente modificando os
hábitos. Os sabores da maturidade nem são mais os mesmos da
meninice. Outras tarefas, outras preocupações, outros desafios.
Compromissos vão se acumulando e, com isso, as coisas que mais davam
satisfação na áurea fase infantil vão sendo arquivadas virando,
com o tempo, apenas lembranças.
O jogo despretensioso, a brincadeira do recreio escolar que um dia
entreteve, o gosto inalcançável do arroz com leite preparado com
esmero pela mãe ou por aquela tia especial, que tinha a boa mão
para o fogão, o riso fácil, as coisas simples e, muitas vezes, sem
sentido, apesar de prazerosas, vão sumindo aos poucos. Na realidade,
ninguém se dá conta de que as coisas vão mudando. Simplesmente
vão. Vão embora sem deixar muitas pistas. Quando se vê já não
fazem mais parte do cenário simples e leve da vida.
Complexidade- A rotina tende a se tornar mais complexa quanto
mais o calendário avança. Se a criança carrega a ingenuidade por
longo tempo, logo o adolescente já incorporará alguma malícia, o
jovem alguma inventividade e o adulto a improvisação necessária
para enfrentar os obstáculos que aparecerem. Cada etapa vai cobrar,
portanto, o desenvolvimento de características específicas para
driblar as exigências do período. O avanço no processo vai
reduzindo a carga da simplicidade e aumentando a complexidade.
Viaja-se da ingenuidade à dureza, da leveza para a seriedade.
Instantes- Ocorre que,
muitas vezes, o indivíduo transita por todos os setores da
existência e, ao chegar no final da caminhada, constata que
vivenciou muita complexidade e pouca simplicidade. E aí começa a
declamar o poema de Nadine Stair, Instantes (que na internet é
atribuído erroneamente ao poeta argentino Jorge Luis Borges): “se
eu pudesse novamente viver a minha vida, na próxima trataria de
cometer mais erros… relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho
sido… Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvetes e
menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas
imaginários”.
Epitáfio – Os Titãs,
talvez livremente baseados no poema de Stair ou até consciente e
descaradamente
plagiando a americana, seduziram a plateia com os versos de uma
canção composta por Sérgio Britto, onde apresentam um real
arrependimento pelas oportunidades perdidas ao longo da vida: “devia
ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer. Devia ter
arriscado mais e até errado mais. Ter feito o que eu queria
fazer...”.
A graça- A graça e o
mistério da existência talvez se encontrem na falta de percepção
de que a roda do tempo vai andando sem controle e, inexoravelmente,
haverá um esgotamento de forças e um fim para aquela parte da
história. Na realidade, o tempo é mera convenção. Ele não
existe. Marcar sua passagem é, na verdade, uma tentativa de garantir
alguma segurança existencial. É preciso regrar, uniformizar. Se
todos estivessem conscientes de que o que importa é a busca pela
felicidade, ninguém dispensaria as coisas simples. Não seria, por
exemplo, necessário o desaparecimento do encanto, do riso sem motivo
ou das pequenas coisas que dão satisfação momentânea. O epitáfio
seria diferente. Não seria um dolorido lamento, mas sim uma
expressão de gratidão pela vida. Ela, a vida, é séria. Séria
demais para ser levada tão a sério, como diria Oscar Wilde.
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