17/10/2019

Água mole em pedra dura


Os ditados populares não são exclusivamente uma mania nacional. O grande escritor Luís da Câmara Cascudo já dizia que “os ditados populares sempre estiveram presentes ao longo de toda a História da humanidade”. Esta tendência a transmitir uma mensagem reta, certeira e, por vezes, até engraçada se espalha pelo mundo todo. Cada país tem lá suas sentenças que se transmitem de avô para filho para neto e assim vai indefinidamente. Pode-se dizer que o ditado popular, adágio ou provérbio é um precursor do meme. Porém, tem sua origem em tempos desconhecidos e se propaga basicamente na oralidade.
Ao longo do tempo, de tão repetidos que são tornam-se importante componente cultural. Diferentemente do meme, o ditado não tem prazo de validade. No entanto, no mundo culto não goza de prestígio, pois a repetição sepulta a originalidade e a espontaneidade. O que vira chavão, em regra, sofre desprezo pelos que valorizam a autenticidade. Porém, que atire a primeira pedra quem, em algum momento da existência, não tenha se valido da fórmula pronta, da sentença que dispensa o raciocínio e salta da boca sem grande esforço.
Quem nunca falou, mas pisa neste pedaço de terra, por certo já ouviu em alguma circunstância familiar algo no estilo “os últimos serão os primeiros”, “manda quem pode obedece quem precisa”, “pau que nasce torto nunca se endireita”, “quem com ferro fere com ferro será ferido”, “quando um não quer dois não brigam” etc e tal. Pois bem, há milhares de frases que se espalharam quase que magicamente se perpetuando ao longo dos tempos em praticamente todas as línguas.
O costume, como disse ali atrás, não é coisa de brasileiro. Nos outros países este traço cultural também se faz presente. "Muito trabalho e pouca diversão tornam Jack um menino aborrecido", falam lá na Inglaterra, destacando a necessidade em equalizar o tempo de trabalho e o de lazer para que os meninos sejam felizes. A sentença, como se sabe, bem se aplica aos adultos. A sabedoria japonesa se expressa com alguma graça no improvável "até os macacos caem de árvores", o que corresponde ao nosso tradicional "todo o mundo erra". Já o criativo "água dividida não volta para a bacia" vem a ser o nosso "não se deve chorar o leite derramado".
Os portugueses têm lá suas graças. Suas verdades populares bem se aplicam por estas bandas. Segundo eles, “os visitantes sempre dão prazer, se não quando chegam ao menos quando partem”. Há coisas atuais e historicamente reincidentes como “onde reina a força, o direito não tem lugar”. Nestes tempos de muita fala e pouco silêncio, ensinam os lusitanos: "quem fala muito, dá bom dia a cavalo". 
Estudiosos afirmam que um dos ditados mais populares em todas as línguas tem, na realidade, uma origem nobre. O escritor latino Ovídio, que foi exilado sem conhecimento prévio do motivo, teria escrito “a água mole cava a pedra dura”. Repetido oralmente ao longo dos tempos, pois as letras não eram tão populares no passado, ganhou rimas para a sua memorização. Com isso virou o nosso “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” que advoga a insistência como forma de vencer as dificuldades por mais que pareçam intransponíveis. Uma obviedade que vem sendo construída ao longo dos tempos, mas, que mesmo assim, às vezes, especialmente para quem está no meio do furacão, pode escapar à observação. Elementar, meu caro Ovídio. Elementar!

4 comentários:

  1. Costumes, culturas, raças!
    Crenças muito forte!
    Respeito! Reverência!
    Mas mudar é preciso!

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    1. Com certeza: nossa linguagem vai se tornando limitada quando abandonamos a espontaneidade e optamos por fórmulas prontas. Mudar é preciso!

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  2. Pois me perdoem os catedráticos mas sou fã dos ditos populares. Como bem coloca o amigo, muitos ditos tem a tendência de levar uma mensagem certeira e engraçada. Uso como "manchete" para abordar mais detalhadamente um assunto ou fixar didaticamente um conceito. Alguns ditos obviamente carecem de atualização ou não são adequados aos dias atuais,mas a mim são úteis.

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    1. Na verdade,em alguns momentos há certo preconceito em relação à Cultura popular. O pensamento acadêmico não aceita muito bem os conceitos populares.

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