A língua que falamos é um ente vivo. Aparentemente estática, ela, no entanto, sofre interferências ao longo do tempo. Tomemos como exemplo aquela que é a nossa mais íntima, a Portuguesa. A linguagem de Portugal é muito diferente daquela que falamos por aqui. Quando atendemos ao telefone normalmente dizemos alô, nossos irmãos patrícios dizem estou. Isto nos soa um tanto quanto engraçado, pois, na nossa lógica, quem não está não atenderia o chamado.
Em Portugal, cueca corresponde à peça íntima feminina, a calcinha. No futebol, o nosso escanteio é chamado pelos portugueses de pontapé de canto. O mais curioso, no entanto, está na palavra durex. No Brasil é uma marca de fita adesiva, já em Portugal é a denominação popular da camisinha ou condon. Como se vê, uma diferença e tanto.
O vocabulário atual é resultado de um processo de construção. Se nossa raiz é latina, as influências que sofre nossa linguagem vêm de todos os cantos. Uma das grandes influências que sofremos foi dos povos árabes. Expressões como açougue, acácia, aldeia, alface, bairro, bússola, cenoura e até o nosso insuspeito cuscuz, sofreram algumas mutações, atravessaram oceanos e chegaram até nós.
Alguns autores alertam que muitas palavras que existem hoje não apresentam o mesmo significado em locais distintos. São empréstimos lingüísticos que são difundidos pelos meios eletrônicos e de divulgação de massa como o cinema, a televisão e a internet.
Por falar nisso, uma das expressões que está incorporada no nosso vocabulário é o verbo deletar. Algum tempo atrás jogaria um milhão que esta palavra foi inventada na era da informática. Com certeza perderia o milhão. A expressão com a cara dos dias de hoje é muito antiga. É uma dessas palavras que viaja pelo mundo em busca de uso. O verbo vem do latim delere, apagar, e nos chega por caminhos tortuosos. Migrou do francês para o inglês no século 15. Deu origem, em Portugal, ao indelével (aquilo que não se apaga) e somente agora nos chega através do inglês impulsionado delete.
Outra palavra do momento é a fluidez. Nestes tempos de crise econômica, que atinge a Grécia, que ronda a Europa e os demais países, derrubando bolsas em todo o mundo, transformando bilionários em reles milionários, fala-se sobre a fluidez dos capitais. Os analistas econômicos não se cansam de destacar a volatividade dos investimentos em bolsa de valores que se deslocam de um a outro mercado como fluidos, buscando o melhor rendimento aqui e acolá. Tão logo a crise se estabelece em um canto, eles migram para outro local mais seguro, deixando um rombo nas finanças.
Outro sentido da palavra é aplicado às relações. Os fluidos, que compreendem os líquidos, gases e plasmas, são substâncias que se deformam, se adaptam quando são pressionados. Na realidade, não suportam pressões. O sociólogo polonês Zigmund Bauman afirma que vivemos um período de relações líquidas, fluídicas, onde tudo é descartável. A amizade, o namoro, por exemplo, só sobrevivem num cenário sem cobranças, sem pressões, sem envolvimento.
Caso mais grave vem ocorrendo na adoção de crianças. Tanto que já se fala a figura dos “desadotivos”, ou seja, aqueles pais que adotam e depois devolvem a criança ao juizado. Os pais, que esperam uma gratidão eterna, sucumbem quando constatam que a criança erra. Ela tem desvios de conduta. Nesta nova relação adotiva quando o ser revela os dramas da rejeição não serve mais. É a chamada adoção líquida, fluídica. É boa enquanto a criança dá prazer, enquanto preenche a necessidade dos pais. Quando começa a revelar as suas, aí já é demais!
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