03/05/2010

O lixo e a ideias

A imagem é clássica. Diante de uma máquina de escrever, o indivíduo lida freneticamente em busca de mais um texto. Ao seu lado jaz um monturro de folhas, restos de uma crônica, de uma reportagem, de uma obra qualquer que jamais será lida. O relógio, que em situações normais marca com lentidão a passagem do tempo, parece mesmo conspirar e avança avidamente devorando os segundos com uma pressa incomum em construir o futuro. Não há no mundo alguém que se atreva a escrever que mais dia, menos dia não se encontre no centro desta cena.
Hoje, porém, nem há mais o charme do papel amassado, do monte abarrotando o lixo. As máquinas de escrever são peças de museu. A produção é diretamente na tela, na fria e límpida tela luminosa do computador. Nestes dias de vida virtual, a ferramenta de busca é a salvação da lavoura. O Google, criado em 1996 pelos estudantes Larry Page e Sergey Brin para um projeto de doutorado, é o grande difusor de ideias do mundo. Digite qualquer coisa e encontre uma sugestão em segundos. Claro, o alerta deve ser feito, nem todas as sugestões apresentam qualidade. Há, no mundo da net, muita quantidade e também muito lixo.

Nesta época, que antecede as eleições então, nem se fala. O lixo tem sido escarafunchado de tal forma que vira matéria-prima para requentar e esquentar ainda mais o debate. Tenho recebido e-mails aos montes, com o pretenso fim de esclarecer sobre biografias dos candidatos favoritos à corrida presidencial. Não por coincidência, concentram as virtudes todas em um só nome. O outro é o próprio demônio em pessoa. Um é o santo. O outro é o capeta. Um é a solução. O outro o fim de tudo. Um é uma folha límpida, alva, sem máculas. O outro é o imprestável papel amassado do escritor sem ideias.
Diante de tanta diferença assim, nem a própria mãe do candidato do mal votaria nele, se visse tudo o que se fala a respeito do seu pupilo. Ora, convenhamos. Já passamos por poucas e boas neste país. Já tivemos governo com muita força e pouca moral. Já tivemos governantes que prometeram tirar o país do caos e o afundaram mais ainda. O certo é que ninguém vai corresponder a todas as expectativas. Ninguém passará incólume. Sempre teremos gente que gosta e gente que desgosta das ações governamentais. O que me apoquenta é que alguns dos meus contatos acreditam que estão contribuindo para a democracia, para o esclarecimento da população, para a melhoria do debate eleitoral espalhando sacolas de lixo virtual em forma de e-mail. Vejam bem, o lixo diário, produzido para a nossa manutenção ao menos pode ser reciclado, pode gerar renda. O lixo virtual, por sua vez, somente emperra as comunicações, entrava o processo e dificulta o entendimento das coisas. É uma obrigação dos indivíduos bem intencionados primar pela verdade. E a verdade nunca estará em cima de um só nome, de um só candidato, de uma só corrente.
O país aos menos parece ter chegado a uma maturidade tal em que as estruturas estão postas e vão funcionar sendo um ou outro o timoneiro. É certo que um poderá contribuir de uma forma e o outro de forma diversa. Porém, não será o próximo ou a próxima presidente que vai enterrar ou salvar o país. Custo muito a crer no desastre. O Brasil, levando-se em conta os depoimentos divulgados pela imprensa nacional e de todo o mundo, parece ter conquistado um lugar ao sol nos últimos anos, resultado de uma marcha perseverante. Não só, mas também, pela contribuição especialmente dos dois últimos presidentes, pelo seu empresariado, pelos seus pensadores e pelo seu povo. Pensar sobre isso, desapaixonadamente, talvez seja mais importante do que espalhar lixo pela rede.

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