“Importa
o sentimento que te anima”, foi a última frase que Leonel ouviu.
Abriu os olhos, com resistente preguiça. O
sol não aparecia com decisão. Nem os pássaros cantavam. Decerto
descansavam ainda. Mesmo assim, conseguia ver a silhueta ao seu lado.
Admirou as suas costas nuas. A escuridão, no entanto, impedia que
visse sua nuca, seus cabelos e a pintinha escura nas costas. Dormiu
mais dez, quinze, vinte ou trinta minutos, não sabia precisar.
Foi
despertado por um rebelde raio de sol que teimosamente entrava por
uma pequena fresta da janela. Ouviu
ao longe o som das ondas. O mar está próximo.
Levantou da cama. O quarto estava desarrumado. Um copo com um pouco
de água no criado-mudo, travesseiro no chão. Uma camiseta jogada de
qualquer jeito numa cadeira. Um carregador de telefone celular ligado
na tomada sem o aparelho. Desperdício de energia, pensou. Mal lavou
o rosto. Fez um rápido bochecho para tirar o hálito da noite.
Vestiu uma bermuda surrada. Saiu do quarto.
Imaginou
que ela estivesse na sala, meditando. Ou na garagem elevando seu
pensamento ao mais alto em busca de proteção para os seus. Ou,
ainda, na cozinha preparando um café. Na sala, porém, não havia
meditação, nem prece encontrou na garagem. Na cozinha, nada também.
Saiu de casa com os olhos sendo agredidos pelo sol. Caminhou em
direção à praia. Leve
brisa acompanhava o ir e vir das ondas. A água limpa. Clara e
quente. Os banhistas não chegaram ainda. Os
raios solares batiam na água formando uma bela pintura. Seria um
belo quadro se seus olhos estivessem buscando aquilo. Havia esquecido
seus óculos e o que via pela frente era tão somente fantasmas de
senhores com
chapéus lançando seus anzóis no mar. São os mesmos de ontem e de
anteontem. Faziam esforço para lançar suas
linhas o mais longe que podiam. Alguns outros caminhavam na beira da
praia. Casais apressados ou não. O rapaz corria com vontade. Uma
senhora marchava lentamente, nem corria nem caminhava. Mas, o esforço
que fazia era grande.
Um
pescador lentamente vai puxando sua linha. Um dois três peixinhos
vão se debatendo. Ele tira os peixes sem entusiasmo. São mais três.
Como ontem, como anteontem. Logo jogará novamente sua linha e a cena
se repetirá. E ele não demonstrará grande emoção.
Caminhou
o que deu. Voltou lentamente para casa. Reencontrou pescadores,
corredores e caminhantes. Não identificou rostos. Enxergava pouco.
Talvez um que outro tenha feito leve movimento cumprimentando-o.
Ficou envergonhado. Passaria por mal-educado. Azar!
O
jornal tinha sido lançado no pátio. Pegou-o como sempre. Colocou
uma água para esquentar na garrafa elétrica. Em minutos já estava
chiando. Preparou o café. Duas colheres de pó seriam suficientes.
Lançou a água quente sobre o pó e o cheiro tomou conta da casa.
Gostava disso. O café seria pobre. Uma fatia de pão com margarina.
Café preto. Leite não tolerava. Nestas horas lembrava dos conselhos
da mãe: café tem que ser reforçado para que o dia seja bom! Apesar
de respeitá-la, nunca conseguiu levar a sério sua ordem.
Abriu o
jornal na página de sua colunista preferida. Falava sobre seus dias
de infância na praia. Era magra. Muito magra e tímida. Não tinha
amigos. Era chamada de esquisita pelos colegas de aula. No verão
fugia de tudo aquilo e encontrava na casa de praia de uma tia o local
ideal para recarregar as baterias. Ficava muitas vezes só.
Acompanhava o ir e vir das ondas. O movimento dos pescadores, dos
meninos e meninas que corriam e se jogavam com vontade na água. Os
vendedores de picolés que empurravam seus carrinhos o dia todo e
buzinavam bem perto das crianças para desespero dos pais. Não
lamentava o que passou. Tinha conquistado seu espaço. Confessava,
porém, que o tempo tinha afastado todo aquele desejo incontido de
ver o mar, de se deliciar com o andar repetido da água e com a
balbúrdia comportada do passado. Restava só um sentimento bom que a
animava sempre que o verão chegava. Não tinha mais tempo para
curtir aquele clima do passado. Pouco importava. Importa o sentimento
que te anima, concluiu.
Leonel
fechou o jornal. Abandonou seu café e sua magra fatia de pão.
Estendeu sua rede preferida na garagem. Deitou. Aguardava algum
sinal. E ele não vinha. Faziam falta sua silhueta, seus cabelos, sua
pintinha nas costas. Onde andaria a uma hora dessas?
Restou
a Leonel uma certeza: havia acordado no dia errado, no lugar errado.
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