O
palmito é resistente, mas, ao mesmo tempo, é leve. Cede a uma
mordida dos dentes de Leonel. O milho é doce. O pepino, que não
gosta muito, até que faz um bom papel. A maionese dá o tom cremoso.
E o pão é leve. Um pedaço de torta fria é o que lhe restou.
Morde um naco e de sua boca sai um som estranho. Sua filha mais nova,
se ali estivesse, reclamaria do som da resistência do palmito. Coisa
feia mesmo. Mas, ninguém notou. Ou, se notou, não deu grande
importância.
É
sábado pela manhã. Leonel escolheu sentar numa das mesas do fundo.
Pela porta vê centenas de pessoas que passam e não enxergam quem
está dentro. “Por uns minutos me tornei invisível. Não fossem os
olhos de um ou outro que tomam seu café ou água mineral, além das
moças que atendem com dedicação e zelo, poderia estar nu. Do lado
de fora ninguém notaria”, pensa. Ri da idiotia que o assola,
enquanto nota que a taça de café com leite e a porção de torta
fria vão sendo consumidas sem que perceba. Parece que evaporam da
sua frente.
O
Centro da cidade está cheio. As pessoas correm para lá e para cá.
Parecem sem rumo. Moças carregando sacolas de lojas. Levam vestidos,
sutiãs ou perfumes. Senhoras levam legumes e frutas que compraram na
feira. Se ajudam umas as outras num destes raros momentos de
cumplicidade. Os maridos impacientes arrastam as crianças pela mão.
O verde das sacolas não é suficiente para esconder as folhas de
alface e de rúcula que apenas se insinuam. Ontem, no curso de
aperfeiçoamento, Leonel ouviu o alerta de que rúcula é fundamental
pa-ra-a-vi-da. Pensou sorrindo: dependesse disso e teria vida eterna.
Pagou
a continha e saiu para a rua. Caminhava a esmo. Na lojinha de CD, o
Roupa Nova deprime “o
meu coração pirata, toma tudo pela frente, mas a alma adivinha, o
preço que cobram da gente”. Caminha
e vai se afastando dali. E outros sons vão se misturando com seus
pensamentos.
“Penso, logo existo! Penso muito e isto me consome”, exercita-se
Leonel, às vezes dado a filosofar enquanto caminha pelas ruas da
cidade. Passa um rapaz com a camisa do colorado, certamente feliz com
seu time e com sua vida. Os cães latem na praça. Alguns como se
chorassem. Lamentam a sorte. São sofridos, abandonados ou
violentados. Jovens abnegados e senhoras bem-intencionadas
tentam achar um larzinho para os bichinhos. Leonel se permite um
pensamento positivo para que tenham sucesso. Mas, não interrompe a
caminhada. E segue, já sem pensar.
Sonha. É um menino. E está só. Saiu por aí e se perdeu. Mas, isto
dura muito pouco. E logo nota sua figura na grande vitrine espelhada
de uma loja. Brinca consigo mesmo: o menino que acha que aqui está
foi corrompido pelos cabelos brancos que não se escondem. E seu
corpo, já não leve e solto como antes, chama para a realidade.
“Meus ombros doem. Meu corpo dói. E reclamo comigo mesmo”.
Não
estivesse só e teria bons motivos para uma prosa. Não falaria das
dores. Talvez até mentisse que tudo estava bem. E, talvez, tudo
estivesse muito bem, mesmo! Talvez voltasse para a mesma mesa da
confeitaria que o tornaria novamente invisível. E pediria uma água
mineral com gás. E aí suas mãos ganhariam vida novamente e, como
serpentes, se moveriam para lá e para cá. Nervosamente, sem rumo.
Perdidas. E se sentiria um menino louquinho de novo. Não mais
perdido. Não mais pensante. Um menino irresponsável. Um menino
feliz.
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