O Homem Invisível, uma série de tevê baseada na obra do escritor H. G. Wells, apresentada nos EUA e no Brasil nos anos 70, mostrava as aventuras de um cientista Daniel Westin que descobriu a invisibilidade. Sabendo que o governo americano tinha planos de usar seu invento, destrói a máquina e memoriza a fórmula. Um amigo seu cria uma máscara igual ao seu rosto e Daniel pode voltar a viver entre os normais, não abrindo mão da invisibilidade, quando necessária.
A ficção científica , se sabe, é uma das formas de antecipação do futuro. Chegará o dia em que a invisibilidade, tal qual concebida pelo dr. Westin, será possível. Certamente aperfeiçoada, sem o inconveniente do uso de uma máscara para a volta à normalidade.
O psicólogo social brasileiro Fernando Braga da Costa entende que já há no Brasil casos de invisibilidade. No entanto, ela não ocorre nos mesmos moldes da literatura e da minissérie. Conforme seus estudos, em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social.
Para chegar a esta conclusão, apresentada como tese de mestrado na USP, em São Paulo, Fernando se submeteu a trabalhar como gari durante oito anos, um turno diariamente, visando compreender e analisar a condição de trabalho e a maneira como os garis estão inseridos na cena pública, ou seja, estudar a condição moral e psicológica a qual eles estão sujeitos dentro da sociedade.
Segundo ele, em alguns momentos chegava a ficar na frente de colegas seus nos corredores da universidade. O falso gari parava de varrer olhava para a pessoa e ficava esperando uma palavra, um cumprimento ou trocar uma simples idéia. No entanto, por causa do uniforme totalmente vermelho de gari nem ao mesmo o olhavam. “Era como se eu fosse um poste, uma árvore ou um orelhão”.
As situações geradas no contraste entre sua realidade de mestrando e a realidade estudada, de gari, o deprimiam, levando-o, por vezes, às lágrimas. Quando retornava para casa, após ter efetuado o trabalho de limpeza na USP, frequentemente Fernando chorava. Lembrava que em muitos momentos os trabalhadores “são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. São tratados como se fossem uma coisa”.
A invisibilidade social, chamada de invisibilidade pública na tese de Braga da Costa, publicada recentemente em livro pela Editora Globo sob o título Homens Invisíveis: Relatos de uma Humilhação Social, é um fenômeno atual, normalmente envolve as pessoas que executam trabalhos braçais, sem qualificação, sob a ótica das classes mais favorecidas.
Na realidade, todos nós em algum momento da nossa existência já nos sentimos um pouco invisíveis. Somos invisíveis quando nos encontramos numa festa que reúne um público diferente daquele a que estamos acostumados. Somos invisíveis quando, em um grupo de amigos, não temos a atenção para nossas falas. São invisibilidades temporárias, reversíveis.
O que nos apresenta o mestre Fernando, no entanto, é um fenômeno onde as pessoas envolvidas nem se dão conta da situação. É sobre uma invisibilidade tão automatizada na sociedade que muitas vezes nem mesmo o ser invisível se dá conta de sua degradante situação. “Se ele percebe, carece de armas para o combate. Depois de ser ignorado a vida inteira ou, no máximo, maltratado, ninguém anda de cabeça erguida.”
Ironicamente, o uso de uniforme, que torna o gari invisível, torna os profissionais especializados, médicos e enfermeiros, por exemplo, visíveis. A diferença está na situação de poder sobre o interlocutor. O gari, o porteiro, o ascensorista, o operário, o peão, o trabalhador comum não têm voz, nem vez. Por isso, talvez, muitos de nós não os notamos, não sabemos quem são, de onde vêm, o que pensam. Não dispensamos nem ao menos um bom dia ou um como vai.
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