25/10/2011

Sorria, sorria


Não sei ao certo de onde vem esta estratégia atual do mundo da propaganda e do marketing de utilizar trilhas sonoras consideradas por muitos como prá lá de brega.  O Bombril, lá em 2007, apresentava o Nélson Ned cantando “que tudo passa, tudo passará”, um sucesso do início dos anos 70. Bem recentemente, em publicidade da Bradesco Seguros, o cantor Byafra apareceu com seu Sonho de Ícaro espantando um ladrão de carro.
Os publicitários não têm sossego. Correm sempre contra o tempo na busca da imagem perfeita, do texto e da canção que embalará os intervalos comerciais dos ávidos consumidores. Agora mesmo, direto do túnel do tempo, como diria aquela apresentadora, o velho Evaldo Braga ganhou vida novamente. Enquanto homens choram ao ver o lançamento da Renault passar, uma versão roqueira embala o choro dos rapazes com a inconfundível música: “Sorria, meu bem/ sorria/ da infelicidade que você procurou”.

20/10/2011

Conto da escolinha

Tinha algo em torno de cinco anos de idade. Diariamente era acometido de crises de choro. Minha mãe, atenta ao sofrimento infantil, levou-me até a professora da escolinha. Disse que já não aguentava mais ter em casa aquele menino chorão, que não se consolava com a explicação de que ainda não havia atingido idade para frequentar as aulas.
A professora, de maneira diplomática, informou que não poderia ser admitido como aluno regular. Porém, poderia frequentar as aulas livremente, sem matrícula. “Ele pode ficar encostado”, afirmou, alertando que minha mãe não forçasse minha ida à escola. “Com o tempo ele vai enjoar e desistir!”, decretou. Talvez não acreditasse na sua capacidade de sedução ou, ainda, desconfiasse que o menino chorão apenas fizesse uma manha passageira.
Ir à escola foi, talvez, a maior alegria que tive na infância. Os primeiros dias então foram inesquecíveis. Meu pai trazia do seu trabalho grandes folhas duras, branquinhas. Ali rabisquei desenhos que eram coloridos com os poucos lápis que dispunha. Certa vez notei a cara de espanto de minha professora diante de um conjunto de rabiscos com tons avermelhados e azuis. Talvez tivesse algum conhecimento de psicologia ou algo assim. Concluiu que o excesso de vermelho talvez não fosse positivo. Acredito que sua análise possa ter influenciado no meu afastamento da preferência clubística de meu pai e irmão mais velho.

13/10/2011

A questão da identidade

Recentemente lancei-me na empreitada de digitalizar o acervo da Revista O Planador, criada pelo José Vilmar, o May. O periódico circulou em Osório e região entre 1975 e 1977. O professor Benito Isolan, diligente mestre, sempre atento na manutenção da memória local, emprestou a sua coleção. Pacientemente tenho "escaneado" as páginas e postado num blog (http://revistaplanador. blogspot.com) que criei para recepcionar este material.
Folheando prazerosamente a revista do May, nota-se uma mudança brusca no Município. O Município dispunha de uma extensão territorial excepcional e uma variedade econômica de fazer inveja a todos os outros. A economia local era impulsionada na temporada de veraneio quando milhares de gaúchos tomavam de assalto a nossa praia de Capão da Canoa. A produção agrícola baseava-se muito nos distritos de Palmares dos Sul, Capivari, Maquiné e Terra de Areia.

10/10/2011

Trabalho e dignidade

Trabalho escravo (ilustração Debret)
Nos primórdios da civilização o trabalho era um castigo, uma pena. No mito Adão e Eva a pena para a transgressão foi a expulsão do paraíso e a necessidade de suar o rosto para o atendimento das necessidades. Entre gregos e romanos, o trabalho era uma tarefa para os seres de classes inferiores. Os cidadãos se dedicavam à política, à defesa do Estado, à administração pública e ao clero. Para Platão, o estado ideal seria composto por três classes: filósofos, guerreiros e produtores. Os trabalhos manuais seriam executados só pelos escravos.
Lembremo-nos de que aqui mesmo, nestas paragens, há pouco mais de 120 anos atrás, indivíduos vindos da África eram vendidos como mercadorias. Arrancados de suas famílias, aprisionados em um navio, perdiam a identidade e, muitas vezes, a vida antes de chegar ao Brasil para cultivar café e algodão.
A concepção que se tem hoje do trabalho, segundo se diz, vem do protestantismo. João Calvino pregava que “privar um homem de seu trabalho é pecar contra Deus, pois o trabalho é dom de Deus”. Hoje sabemos que o trabalho possui um viés pedagógico. Nas relações de trabalho o homem se relaciona com seus pares, interfere nas relações e se modifica. Aprende a conviver com a cobrança de patrões (nem todos bons e justos), com um salário (nem sempre digno e relevante), com as angústias de uma carreira (nem sempre bem sucedida).
Enganam-se aqueles que acreditam que o nosso trabalho diário se resume ao esforço remunerado. Todo o esforço feito pelo homem é uma forma de trabalho. Trabalhamos quando lemos uma revista, quando assistimos um programa de televisão, quando cumprimentamos alguém, quando estamos absortos com nossos pensamentos.
Mesmo quando nosso corpo parece desligado das atividades corriqueiras, durante o sono, nosso cérebro está trabalhando, mantendo o funcionamento do corpo, e nossa alma pode viajar pelos confins do universo, revendo o passado, espiando o futuro ou, ainda, resolvendo nossos traumas e nossas preocupações.
E, nesses tempos atuais, preocupação é o que não nos falta. Além dos dilemas normais, o homem de hoje é capaz de criar outras preocupações, outras necessidades para se enquadrar na sua era. E, convenhamos, muitas das necessidades que criamos são coisas absolutamente dispensáveis. E, no entanto, nos tomam quase todo o nosso tempo e dão um trabalho!

07/10/2011

Os dois Brasis

Charge retirada do blog
Jornalismo 24 horas 
O professor Airton Figueiredo certa vez propôs a leitura de uma obra chamada Dois Brasis. Lá se vão duas ou três décadas. Não lembro maiores detalhes do texto, porém, foi ali que tomei conhecimento da existência de duas realidades distintas num mesmo espaço territorial.
De certa forma, esta é a minha percepção nestes momentos em que a autoestima nacional está sendo embalada pelo sucesso das políticas econômicas, implantadas por Fernando Henrique Cardoso e seguida por Lula e Dilma, com suaves e quase imperceptíveis alterações. A satisfação pelo novo momento histórico tem justificativa. Vivíamos em um país com processo inflacionário insuportável. Os produtos mudavam de preço a toda hora. Os trabalhadores perdiam parte de seus salários minuto a minuto, sem uma recomposição justa . O panorama era de desolação, de desesperança, até de vergonha.