Meu pai resistiu o que pode em usar barbeador descartável. O ato de fazer a barba era quase que um ritual. Nos dias mais quentes, costumava levar seu minúsculo espelho, colocá-lo numa frondosa sombra de uma árvore, acomodá-lo na distância desejada, passar uma espuma de sabonete no rosto e montar o aparelhinho de barbear com lâminas azuis com a cara do seu Gillette impressa no envelopinho.
Os aparelhos antigos eram em aço. Duravam a vida toda. Alguns eram simples. Uma haste arredondada com uma chapa fixa em cima. Colocava-se a lamina de barbear e com a mão fechava-se a chapa com outra que encaixava perfeitamente. Outros já apresentavam certa complexidade. Dispunham de um mecanismo na parte inferior que acionado fechava o compartimento superior já com a lâmina dentro.
Os barbeadores plásticos descartáveis surgiram nos anos 70 do século passado. Porém, a popularização somente veio a ocorrer nos anos 80. Depois disso praticamente todos os homens deixaram de usar as lâminas azuis. Menos meu pai. Foi fiel ao sistema antigo.
A cultura do descartável, que se iniciou no atendimento a uma necessidade trivial, corriqueira, que é o hábito de barbear, porém, foi crescendo de tal maneira que atinge seu ápice nos dias de hoje. Os produtos industrializados, que antes tinham vida longa, hoje são feitos para durar por um lapso temporal reduzido. Como os barbeadores, que são usados uma ou no máximo duas vezes e depois jogados fora, outros bens também estão tendo o mesmo destino. Telefones celulares, computadores, aparelhos de som e uma infinidade de itens viraram peças descartáveis. Isto ocorre porque o custo de reparo é muito alto, inviabilizando o investimento na sua recomposição. Assim, estragando é mais barato jogar no lixo e comprar outro do que pagar um valor que vai significar algo em torno de 25% do custo de um novo.
A indústria do entretenimento também se vale deste modelo. Especialmente as músicas e os filmes vêm sendo produzidos para o consumo momentâneo. Num flash aparece algo que some na mesma rapidez com que apareceu. Ídolos são forjados do nada. Somem sem deixar sinal.
Pensando nisso hoje pela manhã, lembrei-me de alguns versos de Ary Barroso. Na música “Jogada pelo Mundo”, o compositor carioca, diz que “a felicidade não manda avisar, quando vai chegar, a ninguém”. Ela pode “vir de noite, ou de dia, é sempre um motivo de alegria”. Mesmo aqueles mais desatentos ainda assim têm “o sol, o mar e o arrebol”. Ah, o arrebol! Este não é descartável. É lindo. Não sabe o que é o arrebol? Como não cabe mais nada neste espaço, entre no site de pesquisas e veja o que é.
Só mesmo um velho mestre para usar a expressão arrebol em uma canção. O arrebol não é descartável.
O tempo passou e poucos escutam Ary barroso. E isto faz falta. Ele merece ser ouvido. Nós merecemos ouvi-lo, sem descarte.
Saiba mais sobre:
Arrebol - significado
Ary Barroso
Jogada pelo Mundo - Letra
Gillette
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