Não sei ao certo quem foi. No entanto, a inovação apresentada pelo professor naquela prova mudou drasticamente a forma como deveríamos estudar. Até então, a cobrança se baseava somente na decoreba. Ou seja, tínhamos que decorar frases inteiras para responder corretamente às questões que se apresentavam naqueles momentos fatídicos que se transformavam o dia da sabatina.
O sistema da múltipla escolha, onde o professor, após o enunciado, enumerava cinco possibilidades de resposta, era um achado e tanto. Era uma ajuda para aqueles moleques extremamente atarefados com suas atividades futebolísticas e que não dispunham de muito tempo para os estudos.
As primeiras provas eram uma barbada só. Alguns minutos antes da entrada do professor na sala bastava passar os olhos sobre o conteúdo e tudo se resolvia. Com a memória ainda fresquinha, era só desandar a marcar apressadas cruzinhas e pronto: “feito o carreto”, como dizia minha mãe ao final de uma atividade.
No entanto, alguém, muito espertamente, vendo que o sistema era muito prático para a correção, mas ineficaz para verificar o real conhecimento do aluno, inventou o pega-ratão. A estratégia consistia em propor respostas muito parecidas, forçando o aluno a responder com mais cuidado. A afobação levava à resposta errada.
Estratégias mais elaboradas foram sendo engendradas ao longo dos tempos. A definição de respostas múltiplas foi uma das mais inteligentes. Assim, não somente uma resposta poderia ser a correta, mas duas, três ou todas elas ou, ainda, nenhuma, o que gerava uma confusão naquelas mentes menos preparadas.
O simplório verdadeiro ou falso, às vezes, se transformava também em tortura. Era como a cobrança de um pênalti: fácil de acertar e fácil de errar, também. Ao menos se concedia 50% de chance para que o despreparado aluno acertasse a questão. Porém, era certo que quem muito chutasse, muito errava. Alguns colegas decidiam a resposta aleatoriamente, num joguinho de palavras que diz “mamãe mandou eu escolher esta daqui, mas como eu sou teimoso eu vou escolher esta daqui”. Havia uma variante: “uni duni tê salamê mínguê um sorvete colorê um pra mim outro pra você”. Isso acontecia nas horas de desespero, quando a inteligência e a memória parece que saíam a passear e os corpinhos ficavam ali, prostrados diante de um teste inalcançável. No íntimo, sabíamos todos nós que, não dá para contar somente com a sorte, quando se fala em medir conhecimento.
Hoje, longe das cruzinhas, do pega-ratão, do verdadeiro e falso, noto que aquelas provas, que nos assustavam tanto, na realidade eram oportunidades que nos concediam os mestres para que sentíssemos em que águas estávamos navegando. É certo que chutamos certo em alguns momentos, em outros erramos feio, como as conclusões imperfeitas dos atacantes que desfilam na nossa televisão.
Não há como negar que, em alguns momentos, especialmente naqueles instantes anteriores à entrega das provas, que exalavam forte cheiro do álcool dispensado pelo mimeógrafo, os meninos que não estudavam se transformavam em ávidos cristãos. Talvez fosse o único momento da semana que lembravam o valor de uma prece.
Confesso que, nem uma nem duas vezes, fui surpreendido por uma vozinha calma que indicava serenamente “marca a C, marca a C”.
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