A ideia é
instigante, mesmo que possa servir para zombarias. Uma análise mais
apurada, no entanto, permitirá que se admita como possível algo
impensável num primeiro momento. Falo de uma das tantas teorias que
existem por aí e que procuram explicar o funcionamento do mundo e o
andamento das coisas por aqui. Talvez tenha lido em algum lugar
quando procurava algo sobre a existência. Na minha cabeça ficou
sendo a teoria da inexistência. Confesso que, apesar de consultar os
meios existentes, não mais a encontrei. Apesar disso, a considero
uma ideia interessante. Vale a pena perder alguns minutos para pensar
sobre ela.
Afirmam
alguns pensadores que nada do que vimos, que cremos como real existe
objetivamente. Ou seja, tudo o que nossos olhos percebem, tudo o que
nos cerca não passa de uma ilusão. Sendo assim, podemos considerar
que vivemos num mundo virtual. Num mundo de faz-de-conta. Há
inúmeras teorias que se debruçam sobre alguns dos aspectos
possíveis, mas quero me fixar somente sobre um deles.
Mesmo
que nossa percepção encontre dificuldade para deixar o mundo físico
e se deslocar para os distantes mundos imateriais (nem tão distantes
assim, como veremos), proponho um exercício simples, para fins de
raciocínio. O ideal é fixar os olhos numa parede azul, branca ou de
uma cor qualquer, sem janelas. A parede está colocada à nossa
frente. Ela é a contenção. Encarando-a de frente, afasta nossa
percepção de um mundo que sabemos existe lá fora. Nossos olhos,
porém, não são capazes de ultrapassá-la. Para os nossos olhos não
há mundo lá fora. O que existe de concreto (desculpem o trocadilho)
é uma parede azul ou branca. Nada mais. É material puro que se
esgota ali.
Ora, é
bem razoável que neste exato momento, do outro lado da parede, um
pequeno cão, faminto, sarnento, carente, silencioso em sua dor,
esteja passando com seu andar lento e cansado. Ou, então, faz o
mesmo percurso um vistoso cão, bem tratado, com uma bela coleira,
pelo brilhante e escovado. Ele saiu de casa num descuido de seu dono.
Está perdido, mas confiante. Seu dono pode estar preocupado. Colocou
suas crianças no carro e saiu pelas ruas da cidade a chamá-lo. E
enxergaram tantos cães parecidos. E se frustraram porque nenhum dos
que foram vistos é verdadeiramente o cão que procuram. É possível,
ainda, que nada disso esteja ocorrendo. E que somente o vento esteja
batendo lentamente nos galhos das árvores, os pássaros estejam
voando de um a outro galho e alguns pingos de chuva comecem a cair
sem alarde. Tudo longe do nosso olhar. Tudo sonegado do nossos olhos.
Ou
seja, a realidade objetiva, aquela apreendida pelo nosso olhar, pelo
nosso toque, não é a única existente. O plano físico é apenas
uma das possibilidades. Há outras tantas possíveis. Muitas delas
nem mesmo ocorreram, mas podem ser vivenciadas através da
articulação do pensamento, da mera ilusão ou do sonho. Algo como
as realidades paralelas, um mundo conhecido apenas na ficção
científica, mas possível.
Desconfio
que a riqueza não está onde nossos olhos alcançam. As verdades
mais profundas, as transcendentais, fogem à nossa percepção quando
há necessidade de se ver para crer. Arrisco afirmar que o
verdadeiro mundo nem é esse que vivemos. Nem é esse que os nossos
olhos percebem. É o das sensações, dos sentimentos, das vibrações,
do pensamento, das ideias e dos sonhos. É para onde o homem, vez por
outra, no seu desligamento da vida física, viaja. É onde busca
inspiração. É onde estão as fontes onde as almas dos poetas, dos
escritores, dos músicos, dos artistas de toda ordem, dos criativos,
dos cientistas, dos inventores bebem e matam suas sedes. É onde toda
esta gente, que não se prende olhando para uma inflexível parede
azul ou branca, vislumbra o futuro.
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