Seu Amadeu é um homem
vivido. Já morou na Alemanha durante décadas. Já viveu no Brasil
durante alguns anos. Fala quatro idiomas. Vive na Europa. Admira o
Brasil. Diz que é o país mais belo do mundo. Seu Amadeu não
entende o Brasil. Não sabe como os brasileiros falam tão mal do seu
próprio país. Como desdenham do seu país. Não entende como os
brasileiros desprezam com tanta facilidade o chão em que vivem. Ele
não é um privilegiado: o brasileiro não entende o Brasil.
Este é um fenômeno que
parece ter nascido com o próprio país. O Brasil já existia quando
foi invadido pelos colonizadores. Aqui já havia gente que
aproveitava a sua maneira as potencialidades. Desfrutava das matas,
dos rios cristalinos, do mar gelado do Sul, das águas quentes do
Norte e do Nordeste. Gente que se perdia na mata infindável correndo
dos sacis e do curupira.
No entanto, nada do que
havia vale. A história começa quando chegaram por aqui os homens do
Velho Mundo. A descoberta. E, tanto quanto o homem para a antiga
religião, nosso país parece ter nascido devendo os tubos por causa
de um pecado original. Pedro Álvares Cabral ao chegar abriu as
galeras e despejou gente que não prestava para Portugal. E aqui os
abandou à própria sorte. O país, virgem, recém descoberto, serviu
de desterro aos condenados por crimes cometidos na civilização.
Depois disso, navios cheios de criminosos sistematicamente chegaram
ao país. Eram ladrões, estupradores, bígamos, visionários,
feiticeiros e blasfemadores, ou seja, gente sem valia, desregrados
de toda a ordem, certo? Este, pelo menos, é o conceito presente aqui
no nosso país e também em Portugal.
Na realidade, hoje
sabemos que o desterro era uma pena imposta pelos tribunais
eclesiásticos da Inquisição (oh, Santa Inquisição da Santa
Igreja que tanto mal causou à humanidade!). Afastemos de Cabral esta
culpa, eis que somente a partir de 1536 é que o desterro aparece
como pena em Portugal. Os que foram enviados para as terra de
além-mar eram aqueles que se rebelavam contra a autoridade papal e
contra o seu representante em Portugal, o Rei. Neste casamento infame
entre religião e política, os tribunais inquisitoriais sentenciavam
que os hereges deveriam, entre outras coisas, perder o direito de
viver na própria pátria. A vida na Colônia durante um período de
três a dez anos era tida pelos inquisidores como uma purgação dos
pecados. A Terra Brasilis era o inferno na Terra.
Em regra os patrícios
não se afeiçoavam ao Brasil. Um deles em especial, Dom Francisco
Manuel de Melo, que vivia na Corte Portuguesa em Lisboa, mandava para
o Velho Mundo seus poemas lamentando sua má sorte no país. Sonhava
com os concertos, com a vida urbana e quente de Lisboa. Os batuques
dos negros baianos, que dançavam lascivamente, perturbavam o
circunspecto intelectual que tentava devorar livros e mais livros.
Melo, galanteador de primeira, meteu-se de pato a ganso. Alguns autores afirmam que desafiou o
próprio Rei para um duelo tendo em vista o interesse em uma rapariga
que também era uma das preferidas do poderoso monarca. Além de
levar uns puaços foi mandado para o Brasil.
A ideia de
que o Brasil serviu para Portugal como uma prisão sem celas é um
exagero. Uma distorção. Geraldo Pieroni, estudioso português, em
seu trabalho Os Excluídos do Reino, de 1997, denuncia o exagero
histórico. Segundo ele, o Brasil como terra dos bandidos e
malfeitores, como pátria da escória portuguesa é resultado da
linguagem mais romanesca do que histórica de autores como Ruy Nash
que afirmou: “quase tudo quanto Portugal fez pelo Brasil foi enviar
duas caravelas por ano a vomitar em seu litoral esses resíduos da
sociedade”.
É óbvio
que diante de tanta informação tida como verdadeira, haveria
repercussão nas análises que hoje fizemos sobre o Brasil. O complexo
de vira-latas, a que se refere Nélson Rodrigues, talvez nasça daí.
“Isto só acontece no Brasil” afirmam com autoridade brasileiros
que jamais saíram dos limites de seus próprios quintais, diante de
qualquer desacerto ou discordância em relação ao modus
vivendi nacional.
Seu
Amadeu, português de boa lábia, não entende como deixaremos de
torcer pela nossa seleção. Desconfia que seja só por questão
política. Quanto à roubalheira, aos desvios de dinheiro, diz que é
assim mesmo que funciona. Suas queixas são as mesmas de nossa gente:
corrupção, desvios de dinheiro público, superfaturamento nas
obras, falta de recursos para a saúde, a educação e a previdência
social. Seu Amadeu mora em Lisboa, mas não fala mal de Portugal. O
Brasil, o país, o chão, a pátria são belíssimos. Os homens...
Ah, os homens são o que são em Brasília e em Lisboa, em Porto
Alegre ou em Coimbra. É o que pensa o Seu Amadeu.
Ele vai
torcer para o Brasil. Isso se sua pátria, Portugal não chegar à
final da Copa. Se, porém, os lusitanos enfrentarem o Brasil, o
resultado será 3 a 2. Dois gols de Neymar e três de Cristiano
Ronaldo.
Dilma, Aécio
e outros tantos não marcarão gols. É o que pensa Seu Amadeu.
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