Vivi
na vila durante muito tempo. Era pequeno. Fazia parte das famílias
dos sem. Sem dinheiro, sem emprego decente, sem futuro. Lá era comum
as vizinhas desafetas abrirem a boca e escancarar ao mundo as suas
diferenças. O mulherio não economizava nos elogios. Vez por outra
e o pau pegava. Entre puxões de cabelos, unhadas, gritos e pontapés
as bocas liberavam os impropérios mais cabeludos que se conhece. Os
casos de traições, de supostos assédios e de possíveis
facilitações eram resolvidos sumariamente. Não chegavam até o
Judiciário. As lides eram compostas da forma mais primitiva que se
conhece, sem direito a recursos e protelações.
O
palavrão existe. Não dá pra dizer que o palavrão não faz parte
do dia a dia. Uma cortada no trânsito será seguido,
invariavelmente, de um fdp. É um instinto natural. Uma coisa comum.
Banal até. No futebol, a ofensa faz parte do espetáculo. Em muitos
casos é deprimente. Mas é fato consumado. É consenso que chamar
juiz de ladrão é lícito num campo de futebol. Isto é aceito até
entre os homens mais sensatos e educados. Ninguém vai exigir provas
concretas e nem dará direito de ampla defesa ao árbitro. Ocorre
que, neste caso, ao chamá-lo de ladrão não está se dizendo que
ele construiu um patrimônio a partir dos seus erros de arbitragem.
Nem mesmo se insinua que ele, ao final da partida receberá um
chumaço de dólares ou euros. Não. É um xingamento, um ato de
descarrego. Certo? Errado? Cada um faz o seu julgamento e tire as
conclusões cabíveis ao seu desenvolvimento intelectual e moral.
Nos
meus tempos de guri se admitia de tudo. De tudo mesmo, menos falar
mal da mãe ou da irmã. Isto era ofensa das mais graves,
autorizando, inclusive, a luta corporal. Era para lavar a honra.
Entendíamos que não se devia colocar mulher no meio de xingamento.
As mulheres eram sagradas para nós.
Minha
mãe, que sempre foi esperta, apesar de ter ido na escola até a
terceira série, alertava que não devíamos xingar os outros. “Não
quero nome feio aqui em casa”. Quando nossas bocas inadvertidamente
deixavam escapar algum impropério, considerado por ela ofensivo
demais, nos olhava com ar de reprimenda e dizia: “vou lavar esta
boca com soda!”. Ela era convincente. O artifício primitivo que
ela usava sempre deu certo. Se não desse, certamente teria outros
“argumentos” mais fortes.
Cresci
sem dizer palavrão. Ficava corado quando ouvia na escola. Ainda hoje
não aceito muito bem. Talvez a única exceção seja na literatura
como caracterização de personagem de baixa estatura moral. E foi o
que senti quando os privilegiados que tomavam conta do Itaquerão na
abertura da Copa do Mundo abriram suas bocas e escancararam a todos
quantos tiveram ouvidos para ouvir as manifestações mais
deselegantes da hora. Enquanto a bola rolava não perderam a
oportunidade e revelaram ao mundo sua total falta de respeito e
consideração pela presidente do Brasil. Que discordassem das duas
políticas, que protestassem contra a corrupção, que vaiassem a
presidente (o que considero grosseiro). Tudo bem. Mas chegar ao ponto
que chegamos é desanimador. E depois muitos comentaram que assim
agiam porque os recursos não foram gastos com educação. Ora, que
falácia. Não há dinheiro no mundo que remende o irremendável. Não
há dinheiro no mundo que compre cultura. Não há como comprar bons
modos.
Era
gente que pagou quase mil reais para sentar seus traseiros no melhor
dos confortos. Não eram meros coadjuvantes. Eram privilegiados. Não
estavam por causa de alguma necessidade básica, coberta pelo bolsa
família ou pelo Prouni. Era gente de primeira classe. Gente da
elite.
Talvez
tenha faltado a eles uma mãe que tenha dito um dia; “vou lavar
esta boca com soda!”.
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