Recebi
dia desses um e-mail de uma querida amiga. Alertava para o caráter
imoral de alguns dos nossos imortais compositores brasileiros
endeusados pela sua produção musical. Como todos os nomes da
extensa lista são velhos conhecidos, me propus a ler a proposta
apresentada no texto. O engraçado é que todos os indivíduos
citados fazem parte do meu repertório. E, além disso, sem exceção
estão mortos. E o texto era direto. Sua preocupação era ressaltar
o que de ruim cada um apresentava na sua passagem por aqui. Um deles
foi destacado pela promiscuidade de sua vida pessoal. Pela sua
desatinada luta em busca do prazer. O vínculo com o álcool e com
drogas mais pesadas serviu para adjetivar aquele encantador roqueiro,
tão presente nos bares e nas festas, quando alguém inspirado pela
lembrança de sua figura grita: - Toca Raul! O desapego para com a
vida e os vícios que destruíram a mais bela das nossas vozes também
foi lembrado. E assim sucessivamente foi o texto qualificando
negativamente e derrubando os ícones da música tupiniquim. Não
ficou nenhuma peça em pé no tabuleiro.
E
terminava o texto questionando se estes autores seriam alguma espécie
de exemplo para as novas gerações.E mais, exortava a impor um
rotundo silêncio em relação a seus nomes e suas obras.
Confesso
que já havia questionado se a vida do autor contamina a obra. Ou, se
as pretensas más inclinações de algum modo são transferidas
através dos versos para o ouvinte. Enfim, o quanto da vida pessoal
do compositor interessa? Pelo texto apresentado no e-mail, interessa
e muito. Caberia a nós, interessados em manter a moralidade e o bom
exemplo promover uma limpeza. Riscar seus vinis (se ainda existirem),
quebrar ao meio seus CDs de forma a não serem mais recompostos e
deletar seus arquivos dos nossos computadores, para que a praga fosse
firmemente debelada. Claro que o e-mail não propunha medidas tão
drásticas. O exagero é meu.
Mas, no
fundo foi o que eu senti no momento. O sentimento de que alguém
estava exagerando e muito nesta história. E imaginei um exercício
por demais complicado. Quando o indivíduo fosse adquirir um quadro
para a sua sala teria que buscar uma descrição sobre o ajustamento
do pintor às normas morais. Teria ele ingerido alguma substância
enquanto lançava mão de seus pincéis e dava formas às paisagens
inseridas pelas hábeis mãos na tela branca? E aquele consagrado
cineasta estava dirigindo aquela cena com toda a sua lucidez. Ou algo
de loucura, de paixão, de arrebatamento, de promiscuidade crescia em
sua mente imoral?
Assim,
viveríamos procurando nas biografias dos compositores, dos músicos,
dos arranjadores, dos cantores, dos diretores, dos escritores, e de
todos produtores da arte, os valores morais mais adequados à nossa
boa formação. Esta tarefa seria tão difícil, tão complicada que
tudo se transformaria em algo suspeito. E tudo ficaria mais sério do
que é. E não teríamos mais tempo para ouvir uma música, para ver
um filme ou ler um livro sem certa sisudez e cansaço. Estaríamos
todos muito empenhados em perseguir a verdade por trás da obra e os
impulsos que levaram aquele autor a dizer o que diz.
Melhor
ouvir a canção, ver o filme, ler o livro, observar a pintura, sem
tantas preocupações. Melhor impor certa leveza. Melhor suprimir da
vida algumas paranoias.
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