Não
gosto de pepinos. Não importa a forma como eles sejam apresentados:
cortados com capricho numa salada com azeite de oliva e uma pitada de
sal, em forma de conserva se acotovelando dentro de um vidro ou de
alguma maneira extremamente criativa. Não gosto e ponto final. Isto
que, em termos de alimentação, não costumo apresentar assim tanta
frescura: não afasto quase nada. Qualquer pão com margarina ou
singelo arroz com ovo, muitas vezes me satisfazem.
Como
tudo na vida apresenta no mínimo uma explicação, creio que a
implicância iniciou quando, ainda na infância, fui apresentado ao
vegetal. Foi desamor à primeira vista. Ele foi servido em forma de
salada. Apesar de cortado em rodelas milimetricamente calculadas pela
minha mãe e parecer apetitoso aos olhos, confesso que não
simpatizei muito com o tal do pepino. Ele, por sua vez, pareceu-me um
tanto arrogante. Tanto que não tentou ser simpático.
O
problema é que a fome falou mais alto e abandonei a primeira
impressão. Arquivei a antipatia sentida e fui à luta. Sem reservas
e cuidados, comi aquelas rodelas de pepinos como se fosse o manjar
dos deuses. E acredito que tenha exagerado na dose. A minha gula
infantil custou caro.
A tarde
foi consumida num extenso jogo de futebol. Destes que iniciavam logo
após o almoço, com pequenas interrupções para que um ou outro
fosse ao armazém comprar pão, açúcar ou fumo de rolo para o pai
ou para a mãe ou, ainda, para que algum dos jogadores cortasse
lenha, buscasse água no poço comunitário, fosse pedir uma xícara
de farinha na vizinha ou atendesse a uma destas úteis demandas
domésticas que achávamos tão sem graça. As ordens que
interrompiam o jogo (uma inovação que viria a ser introduzida nos
jogos oficiais apelidado de tempo técnico, sob outro viés é
claro), eram gritadas sem piedade por mães e pais dotados de certo
grau de histeria impondo algum respeito.
Ocorre
que naquela tarde fatídica, além de cuidar das entradas maldosas do
Luís, um atacante forte que era desajeitado quando tentava roubar a
bola do adversário, dos carrinhos desproporcionais dos zagueiros
enfurecidos e das caneladas de centromédios medíocres, ainda tive
que lidar com meu companheiro pepino. De vez em quando ele dava o ar
da graça. Parecia que estava mesmo um tanto quanto desconfortável.Em
alguns momentos imaginei que o danado fazia menção de largar fora.
Respirava fundo, acalmava um pouco. E bola pra frente que o jogo não
pode parar.
Corri o
tempo todo. Joguei o que pude. Aliás, jogar futebol era o que se
fazia naquele tempo. Se sobrassem dois no campo inventávamos um
joguinho com goleira de um passo. Se fossem três, um era sacrificado
no gol e os dois restantes jogavam na linha. O que perdesse ia para o
gol. Era comum a bronca com o goleiro que contribuía deixando a bola
entrar para fugir da inglória missão de defender. Afinal, atacar é
bom; defender nem sempre.
O tempo
passou e aqui estou: mais velho, menos ágil. O futebol é diversão
rara. Vez por outra me pego correndo atrás da pelota. Correndo é
força de expressão. Na verdade, os mais experientes bem sabem que
há atalhos a serem seguidos. Mas, em regra, a vontade é muito maior
que o talento.
Por
estas coisas da vida, em dia de jogo evito comer pepino. E como não
há porque contrariar nossas impressões, em dia em que não há
jogo, também.
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