17/03/2015

Os pepinos

Não gosto de pepinos. Não importa a forma como eles sejam apresentados: cortados com capricho numa salada com azeite de oliva e uma pitada de sal, em forma de conserva se acotovelando dentro de um vidro ou de alguma maneira extremamente criativa. Não gosto e ponto final. Isto que, em termos de alimentação, não costumo apresentar assim tanta frescura: não afasto quase nada. Qualquer pão com margarina ou singelo arroz com ovo, muitas vezes me satisfazem.
Como tudo na vida apresenta no mínimo uma explicação, creio que a implicância iniciou quando, ainda na infância, fui apresentado ao vegetal. Foi desamor à primeira vista. Ele foi servido em forma de salada. Apesar de cortado em rodelas milimetricamente calculadas pela minha mãe e parecer apetitoso aos olhos, confesso que não simpatizei muito com o tal do pepino. Ele, por sua vez, pareceu-me um tanto arrogante. Tanto que não tentou ser simpático.
O problema é que a fome falou mais alto e abandonei a primeira impressão. Arquivei a antipatia sentida e fui à luta. Sem reservas e cuidados, comi aquelas rodelas de pepinos como se fosse o manjar dos deuses. E acredito que tenha exagerado na dose. A minha gula infantil custou caro.
A tarde foi consumida num extenso jogo de futebol. Destes que iniciavam logo após o almoço, com pequenas interrupções para que um ou outro fosse ao armazém comprar pão, açúcar ou fumo de rolo para o pai ou para a mãe ou, ainda, para que algum dos jogadores cortasse lenha, buscasse água no poço comunitário, fosse pedir uma xícara de farinha na vizinha ou atendesse a uma destas úteis demandas domésticas que achávamos tão sem graça. As ordens que interrompiam o jogo (uma inovação que viria a ser introduzida nos jogos oficiais apelidado de tempo técnico, sob outro viés é claro), eram gritadas sem piedade por mães e pais dotados de certo grau de histeria impondo algum respeito.
Ocorre que naquela tarde fatídica, além de cuidar das entradas maldosas do Luís, um atacante forte que era desajeitado quando tentava roubar a bola do adversário, dos carrinhos desproporcionais dos zagueiros enfurecidos e das caneladas de centromédios medíocres, ainda tive que lidar com meu companheiro pepino. De vez em quando ele dava o ar da graça. Parecia que estava mesmo um tanto quanto desconfortável.Em alguns momentos imaginei que o danado fazia menção de largar fora. Respirava fundo, acalmava um pouco. E bola pra frente que o jogo não pode parar.
Corri o tempo todo. Joguei o que pude. Aliás, jogar futebol era o que se fazia naquele tempo. Se sobrassem dois no campo inventávamos um joguinho com goleira de um passo. Se fossem três, um era sacrificado no gol e os dois restantes jogavam na linha. O que perdesse ia para o gol. Era comum a bronca com o goleiro que contribuía deixando a bola entrar para fugir da inglória missão de defender. Afinal, atacar é bom; defender nem sempre.
O tempo passou e aqui estou: mais velho, menos ágil. O futebol é diversão rara. Vez por outra me pego correndo atrás da pelota. Correndo é força de expressão. Na verdade, os mais experientes bem sabem que há atalhos a serem seguidos. Mas, em regra, a vontade é muito maior que o talento.


 Por estas coisas da vida, em dia de jogo evito comer pepino. E como não há porque contrariar nossas impressões, em dia em que não há jogo, também.

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