27/06/2018

O Nosso Jogo


Aqui na cidade, como em todos os lugares da pátria, qualquer terreno baldio apresentava o potencial para transformar-se em um campo de futebol. Não havia muita coisa para fazer naquele tempo. Uma bola qualquer, de plástico, de couro, murcha, judiada, não importava a condição, desde que fosse mais ou menos parecida como uma bola, já servia para reunir um pequeno grupo de guris de idades diversas que suariam o tempo necessário para matar a fome.
Se bola não houvesse, alguns jornais amassados dentro de um saquinho de leite até resolvia de algum modo a situação. Era um remendo, uma improvisação desesperada. Não era uma solução. O problema é que ficava uma ponta no local onde o saco de plástico era amarrado. Quando subia pouco ganhava um efeito muito doido gerando incerteza para o goleiro. Além disso, a delicada criatura rompia-se facilmente quando o chute era mais forte.

21/06/2018

O Paraíso


A ideia de um salvador é religiosa. Os homens primitivos, incapazes de compreender a grandiosidade do processo existencial, entendiam que eram incapazes de lutar por si só. Haveria de ter alguém mais forte, mais sábio e dotado de algum poder que, quando evocado, pudesse suprimir as dores e os sofrimentos pelos quais todos passavam. Construiu-se assim, a figura do deus salvador. A adoração e a ritualística visavam dar uma inflada no ego do Criador para que, de algum modo, elegesse aqueles que tinham maior mérito espiritual e, desta forma, mereceriam, sem sombra de dúvidas, um lugar ao Seu lado.
Apesar de reconfortante, a ideia de que alguém de fora iria suprimir o indivíduo do seu caminho imprimindo uma realidade menos austera e sofrível num processo de correção de rumo, em alguns momentos parece ilógica. Os espiritualistas e os filósofos conceberam sistemas de crescimento e desenvolvimento individual, sem a ideia salvacionista. Ou seja, cada indivíduo tem um caminho, uma trajetória, uma história para contar ao longo dos tempos. E os dias que virão serão sempre resultantes dos dias que vieram. O suor do rosto de cada um vai sedimentando esta estrada de superação e de insistência.

Jesus na Causa


A argumentação é uma arte. Arte complexa. Isso porque depende da capacidade do indivíduo em defender uma ideia e da capacidade de interpretação do outro. Faltando uma das condições, a coisa não funciona. A comunicação fica truncada. Nem  todo o argumento é válido. Alguns são desprezíveis.
Nos períodos eleitorais, os políticos carreiristas saem por aí vendendo seu peixe. Como de regra, tentam ser o que não são. Misturam-se ao povo, comem coisas como come o povo, mudam as vestimentas para parecer povo, falam como se povo fossem. Vão às feiras atopetadas de gente, abraçam indiscriminadamente, beijam crianças, dão tapinhas nas costas de João, de Zé e de Maria Ninguém. Um assessor ao lado vai dizendo os nomes dos eleitores para causar uma boa impressão. E o pior é que causa!

03/06/2018

Os Candidatos


As campanhas eleitorais não estão nas ruas. Há candidatos que ainda vão desistir da maratona. Analisarão o tempo de exposição na televisão, os números colhidos nas pesquisas de opinião pública, a rejeição entre os eleitores e a viabilidade de ajudarem na constituição de bancadas regionais no Congresso, entre outras coisas. Sem contar nas costuras com partidos que, oportunamente, jogarão no lixo seus programas (se é que os têm) por uma promessa de cargos e de arranjos outros tão comuns na vida política brasileira há algum tempo.

Vinte linhas


Nos tempos de colégio, os professores, vez por outra, pediam uma composição. Era assim que chamavam o que se convencionou chamar depois como redação. Vinte linhas era o mínimo que pediam. Suplício para uns, moleza para outros. Os temas eram abrangentes. As ideias que apareciam nas composições eram restritas. Não havia muitas fontes de informação. Entre a população de baixa renda, um rádio na casa era obrigatório. Uma tevê quase um luxo. Jornais e revistas eram artigos raros.  
Um colega tinha uma letra miúda. Numa linha cabiam dezenas de palavras. A composição dele era formada por pequenas formiguinhas azuis, quase todas do mesmo tamanho naquele vasto fundo branco atravessado por linhas negras. Era a exceção à regra. Para ele, convencionou-se que dez linhas eram suficientes. Dava  para contar sua vida toda, de sua família e, talvez, dos vizinhos mais próximos.