Aqui na cidade, como em todos os
lugares da pátria, qualquer terreno baldio apresentava o potencial para
transformar-se em um campo de futebol. Não havia muita coisa para fazer naquele
tempo. Uma bola qualquer, de plástico, de couro, murcha, judiada, não importava
a condição, desde que fosse mais ou menos parecida como uma bola, já servia
para reunir um pequeno grupo de guris de idades diversas que suariam o tempo
necessário para matar a fome.
Se
bola não houvesse, alguns jornais amassados dentro de um saquinho de leite até
resolvia de algum modo a situação. Era um remendo, uma improvisação
desesperada. Não era uma solução. O problema é que ficava uma ponta no local
onde o saco de plástico era amarrado. Quando subia pouco ganhava um efeito
muito doido gerando incerteza para o goleiro. Além disso, a delicada criatura
rompia-se facilmente quando o chute era mais forte.
Chamávamos
aquilo de futebol. O nosso jogo. As regras iam sendo adaptadas conforme o
número de jogadores, as condições do campo e a disposição da turma. Às vezes,
não valia chutes fortes para evitar que a bola viajasse demais e acabasse
caindo em algum local distante, especialmente o morador próximo não fosse
amistoso o suficiente para devolvê-la aos meninos. Se alguém se esquecia disso,
logo outro gritava: “não vale bomba!”. Também não valiam chutes fortes quando o
goleiro era muito pequeno. Guris mais novos corriam do gol quando os atacantes
valorizavam mais a força do que o jeito.
O
futebol existia somente ao vivo. A televisão pouco se ocupava dele. Eram os
meninos quem mandavam no esporte. Goleiras de chinelos havaianas, de latas de
azeite, de camisetas, de gravetos; jogadores de pés descalços, um time de
camisa e outro sem camisa. Juiz prá quê: quem grita mais leva! Caneladas e empurrões, joelhadas sem querer,
espinho de maricá no pé, campo gelado no inverno, cara vermelha de tanto sol,
suor correndo pescoço abaixo. Corpo cansado. Cada vitória era um marco, cada
derrota um desastre, uma tragédia.
Eram
os meninos que mandavam no futebol. Inventavam suas regras, improvisavam o que
dava. Matavam a fome correndo. É gol. É felicidade. Felicidade que dura até
daqui a pouco. Sorriso fácil, rápido. Rápido como tudo o que há. Ligeiro como é
a vida que passa como um desses jogadores da Copa que supera o adversário e
foge em direção ao gol.
A
Copa está na tevê. A bola corre na Rússia, na Inglaterra, na Alemanha e no
Peru. Corre também no Irã, na Arábia Saudita, na Costa Rica. Na Nigéria corre a
bola. Não seria aqui no Brasil que não correria. Ah, sim, aqui há um desarranjo
total e uma desesperança sem tamanho,
político ladrão e ladrão fazendo política no governo, roubalheiras a mil e
artimanhas. Precisamos aprender a votar senão não vai dar.
Cada
coisa a seu tempo. Não vamos misturar as estações. A Copa acontece a cada
quatro anos. O povo não sofre só nestes dias. Não quer torcer? Não torce. Quer
torcer pela Dinamarca porque o Brasil tá uma m...? Torce! Só não perca seu
tempo tentando dizer aos meninos que muitas unhas quebraram e muitas caneladas
levaram jogando com arremedos de bola no calçamento o que devem fazer.
É
certo que não há grandes motivos para ufanismos patrióticos neste momento.
Estão cobertos de razão os detratores. Mas, por outro lado, não há porque
gastar energia condenando quem gosta de ver uma bola rolando. Liberdade é isso.
Sem frescura e sem condenações, afinal o barco é um só e, no final, ninguém vai
se entender mesmo.
Futebol - projeto social
Brincando na rua
Futebol - projeto social
Brincando na rua
Nenhum comentário:
Postar um comentário