Ilustração: Bruno Reis |
O
fanatismo é um problema humano, potencializado pelo poder das
narrativas, sejam elas de caráter religioso, ideológico ou
político. Para o sociólogo francês Edgar
Morin,
há uma boa dose de loucura no homem. A loucura não conduziu a
espécie humana à extinção. Contudo, quanta destruição de
culturas, de sabedoria, de obras de arte! Em 2015, um vídeo
produzido pelos militantes do Estado Islâmico chocou o mundo.
Utilizando tratores e explosivos, destruíram na cidade de Palmira,
Síria, o templo de Baal-Shamin, um patrimônio histórico da
humanidade construído por volta do século II a. C, dedicado à
divindade Baal, também chamado Beelshamên. Palmira, a cidade que
foi parte do Império Romano até o ano de 273, era parada
obrigatória para os comerciantes que faziam a famosa Rota da Seda
que interligava o comércio entre Europa, Ásia e China.
O
termo “fanático” foi cunhado, no entanto, no século XVIII para
designar – no período da Revolução Francesa – os partidários
extremistas, exaltados, possíveis defensores da guilhotina. O
fanatismo enquanto fenômeno histórico, presente em todas as
sociedades, é – de forma ampla – decorrente da própria
insensatez humana ao alimentar pensamentos inflexíveis, dominados
por paixões que fecham – indivíduos e grupos – para o diálogo,
para o múltiplo e, ainda, para a possibilidade de autoengano.
O
fanático é alguém que “acordou o seu profeta interno” e está
convencido, emocionalmente, de ter encontrado a verdade, por isso não
aceita contra-argumentos. Mesmo quando outras verdades – diferentes
da sua – se revelam por meio de evidências claras e perceptíveis,
ele se mantém irredutível. Existe uma identidade a ser preservada e
defendida. Uma identidade que vincula o sujeito a um time de futebol,
a um partido político, a uma religião ou a uma ideologia
específica. O acirramento dessas identidades produz comportamentos
intolerantes e, não raras vezes, agressivos.
Nos
dias atuais, apaixonados por líderes, deste ou daquele partido,
desta ou daquela ideologia ou religião, os fiéis – partidários
ou crentes – da política contemporânea, recrudescem ao contexto
anterior ao iluminismo, abdicam da racionalidade, aderem ao
fanatismo, defendendo seus ícones sagrados com esmero e, se
necessário, com insensatez. Tudo em nome daquilo que parece ser a
“única verdade”. As redes sociais deram voz, despertaram o
“profeta interno” dos indivíduos normais. Assim, as comunidades
virtuais passaram a constituir palcos de debates acalorados sobre
qualquer assunto. O sujeito, sujeitado pela suposta comodidade de
expressão, atrás de um computador, sente-se mais livre para exaltar
suas verdades, nem sempre verdadeiras.
Mas,
fanáticos não têm senso de humor. O escritor israelense Amós
Oz
– romancista e ativista político, recentemente falecido –
considerava que o humor e a literatura são capazes de corroer o
fanatismo.1
Para ele, o incentivo à literatura desenvolve a imaginação. Assim,
obras de Shakespeare e Kafka, por exemplo, poderiam estimular uma boa
dose de imaginação no sujeito, promovendo o seu encontro não
somente com os complexos e dramas humanos mas, principalmente, com o
senso de humor.
O
humor é a habilidade de tornarmos joviais, situações que poderiam
ser tensas, atenuando o clima emocional. Desse modo, a arte cumpre a
função de redimir o papel da verdade, suavizando discursos e
narrativas. Acalmar o “profeta interno” não é tarefa simplista,
ainda mais em tempos de redes sociais. Entretanto, no contexto atual,
necessitamos de lucidez para guiar o discernimento e uma boa dose de
jovialidade para amenizar os discursos.
Nos
dias de perplexidade, de posturas que conspiram contra o bom senso e
a racionalidade, a exaltação das identidades políticas e
ideológicas se fortalece, dividindo a sociedade brasileira,
especialmente, numa neurótica bipolaridade que beira ao fanatismo.
Na verdade, a democratização da expressão, reprimida ou
dificultada ao longo da história brasileira, parece encontrar agora,
no anseio humano pelo exercício de sua liberdade, os meios
disponíveis para exercê-la. O que está faltando, no momento, é
lucidez e bom senso para que cada um consiga dominar o seu “profeta
interno”. Dialogar e argumentar em nível elevado de ideias, a
favor desta ou daquela suposta verdade, mas também de silenciar
quando o diálogo se tornar impossível. A melhor saída? O bom
humor, ou, ler um livro de Shakespeare.
1
OZ, Amós. Como curar
um fanático Israel e
Palestina: Entre o certo e o errado. 1ª ed. São Paulo: Cia das
Letras, 2016. p. 13.
* Publicado originalmente no Suplemento Mundo das Ideias, edição 3, de 30.05.2019. O caderno circula encartado no Jornal Bons Ventos.
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