Meu
pai era bom de conta. Dava-se um número vezes 7548. Segundos depois,
pimba! Podia recorrer à máquina de calcular para conferir: não
errava uma. Era iletrado. Chegou ao terceiro ou quarto livro, se
muito. Porém, era dado às rimas. Versos de trova, às vezes saíam
de sua boca. Nos anos 70, eu era pequeno ainda, a repressão ainda
era forte. Certa vez, meu pai inventou de escrever uns versos
ironizando o poder local, o da igreja e o de muitas outras
estruturas. Era um pasquim, segundo disse. Leu em voz alta na sala.
Falava de um pastor que embolsava mensalmente uma polpuda quantia
vinda dos dízimos dos crentes, das tramoias políticas da pequena
comunidade e de outras instâncias. Era tudo rimadinho. Coisa linda
de se ouvir. A crítica era ácida, mas tinha algum humor.
Minha
mãe morria de medo. “Queima isso é perigoso. Se te denunciam,
Deus do Céu!”. Ele ria e dizia que ia numa gráfica para imprimir
tantos exemplares quanto pudesse e distribuiria pela cidade. Nunca
fez isso. Tinha-se muito medo.