O artilheiro gira com rapidez,
engana o zagueiro e desfere um chute perfeito. A bola descreve uma curva, sobe
e desce dentro do gol. O goleiro assiste a tudo. Nem tempo teve para esboçar
alguma reação. Ficou pregado no chão. O treinador balança a cabeça. Se
persistir assim será mais uma derrota. A quinta seguida. E seu emprego está
ameaçado. Importa reagir. O clima fica pesado. A torcida na arquibancada logo logo vai pedir sua
cabeça. Ela quer a vitória. Ele também. Só a vitória interessa, sempre.
O
artilheiro fecha os olhos e corre em direção à sua torcida. Levanta as mãos
para os céus. Humildemente diz que seu gol não foi obra dele. Que não foram sua
habilidade, seu treino, sua perspicácia nem seu talento os responsáveis pela
bela obra. O gol foi da divindade. E corre gritando para as câmeras de tevê:
“não fui eu, não fui eu, não fui eu!”. O grito da torcida abafa sua voz.
Sentado
em frente à tevê, ainda no calor do gol recentemente marcado, considero a
iniciativa do artilheiro como uma prova de grande humildade. Ele admite que
suas pernas são meros instrumentos para a manifestação divina. Porém, segundos
depois, quando a bola está colocada no centro e o outro time, ainda abatido, se
recompõe para reiniciar a partida, não deixo de questionar: que divindade é
essa que se mete a fazer gols?
É
claro que este tema é muito sério. E mexer numa coisas dessas é como cutucar
numa colmeia. Há paixões, há convicções envolvidas nos assuntos relacionados à
fé. Porém, o cronista não pode obrar com medo.
Sabemos
que há milhares de desportistas que competem impulsionados pela fé. E não há nenhum mal nisso. Muito antes pelo
contrário. Porém, como sempre me compadeço com o perdedor, me pergunto: se a divindade está metida nas rusgas futebolísticas
defendendo um dos clubes ou alguns dos jogadores, que são agraciados com o
sucesso, onde andará a divindade em relação aos perdedores? Por quê permitiu
que o goleiro, o zagueiro e o treinador derrotados, talvez tão crentes na sua
força quando o artilheiro, fossem vencidos pela perícia do atacante?
Além
do mais, quais os esportes que são bem vistos pela divindade? Está presente,
por exemplo, em competições individuais como canastra e pôquer ou a preferência
é por esportes coletivos como o futebol, o basquete, o handebol ou até no emocionante curling?
Muito
embora respeite todas as crenças, prefiro acreditar que há coisas muito mais
significativas merecendo a atenção da divindade do que vestir a camisa do
Grêmio ou do Inter ou de qualquer destes times que desfilam suas habilidades ou
falta de habilidade pelos lindos ou improvisados gramados de nosso planeta.
Porém, cada um sabe bem o que lhe move. Mesmo que, às vezes não faça muito
sentido aos nossos olhos, que grite o artilheiro o que bem quiser. Que atribua
seu sucesso a quem bem entenda. Afinal, para o torcedor pouca diferença faz se
o gol foi dele ou se sua perna foi impulsionada por uma atenta divindade.
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