Sonhei que todos os reis estavam
nus. Todos eles. Em todos os reinos. E não se culpe o pobre do rato. Não foi
ele quem roeu a nobre roupa. Os reis estavam nus porque era necessário que os
reis assim estivessem. Era melhor para todos que as altezas não mais se
escondessem atrás de trajes requintados e de perucas bem arrumadas.
A
transparência era total: os reis, mesmo eles, não tinham como esconder seus
rabos.
E, se assim mesmo algum deles tentava, se insistia na vã tentativa de
esconde-esconde, mais dia menos dia viria a ser flagrados. E, o pior: não teria
tempo para cobrir suas partes pudendas. Desacostumados com a nova ordem,
gastariam longo tempo tentando o inevitável.
O
compartilhamento de informações e o cruzamento de dados iam aos poucos
retirando as roupas, as máscaras e revelando lentamente tudo o quanto de podre
cercava os donos do poder. Pena que a máquina não era perfeita e, de algum
modo, agia de maneira seletiva. Era mais firme e determinada contra alguns
reis, mantendo alguma reserva em relação a outros. Não havia como mostrar tudo,
diziam. Não havia tempo no noticiário de tevê para falar todos os nomes. Então,
escolhiam-se alguns. Porque também eram necessários os comerciais, a novela, o
jogo e o programa humorístico.
No
fundo, patrícios, plebeus, clientes, escravos e libertos de todos os reinos bem
sabiam que seus reis estavam nus. E, não havia qualquer dúvida, de que os
palácios, que escondiam ouro em profusão, estavam impregnados pelo bafo fétido
de cada líder que se sentava com seu rei para negociar uma tal de governabilidade.
Os
desgovernos eram ardilosamente tabulados em mesas de negociações. Vota aqui e
ganha lá. E assim seguia o processo. Todo o mundo sabia disso. Assim é o ritual,
dizia alguém na mesa de um bar ou dentro de um lar. Às vezes alguém caia. Às
vezes não dava certo. O jogo funcionava assim. Mas, em regra, o reino seguia
seu rumo como o rio segue em direção ao mar. E as águas não voltam. Ou melhor,
até retornam, mas de outra forma.
Um
sábio chinês (não poderia ser de outro reino), de barbas longas e rabinho de
cavalo trançado caindo nas costas, alertava com sua voz macia, mas
suficientemente firme, de que as águas que caem do mar não provém do mesmo
lugar. Atravessaram leitos rochosos, arenosos ou lodosos. Formaram corredeiras
violentas ou fluíram sem pressa. Superaram todos os obstáculos, subiram aos
céus formando nuvens que se precipitaram e hoje todas as águas se misturam sem
distinção. Não há mais sinal do lodo, da areia, da pedra. Nada restou da força da
correnteza nem da tranquilidade de então.
E
nos reinos dos sonhos, os reis estavam nus. E tomavam banho na água que caía do
telhado do palácio como meninos que são governados por seus sonhos. Saiba mais sobre a nudez do rei:
Contos Atemporais
Revista de História
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