27/06/2019

A Realidade Paralela


Um pensador francês do século XIX, Lèon Denis, disse que o pensamento é a própria voz do espírito. A conclusão que se chega, depois de algumas páginas, é a de que a realidade é aquilo que se vivencia. Ou seja, a própria pessoa a partir do que pensa vai criando sua experiência existencial. A psicanálise lida com esta questão, mesmo que de outra perspectiva, a partir de Lacan e sua conceituação de real, do imaginário e do simbólico.
Os avanços tecnológicos têm proporcionado uma mudança significativa na percepção da realidade. O pesquisador e tecnólogo americano Aviv Ovadyam tem se debruçado sobre os efeitos das mentiras virtuais espalhadas com a ajuda da tecnologia. Em recente matéria do site El País, alerta que é possível chegarmos a um ponto onde a mentira vai se agigantando de tal forma que as pessoas vão perdendo a noção do que é verdade e o que é falso. Contribuem para isso as estratégias de uso de robôs para disseminação de ideias dando a impressão de que aquilo realmente tem alguma importância. Assim, criam-se realidades a partir de falsidades.

O problema crescerá, segundo ele, quando todo o conhecimento de manipulação de imagem e de voz se tornar popular. Uma foto de rede social poderá ser manipulada e jogada num outro corpo em um vídeo comprometedor, como em sites de pornografia, por exemplo. E isso não está muito longe de ocorrer.
A apatia à realidade, conforme o pesquisador, já está aí. E o quadro tende a crescer nos próximos tempos. O indivíduo se sentirá completamente incompetente diante de tanta manipulação, pois será muito trabalhoso classificar as mentiras para daí extrair alguma verdade.
Com tudo isso, entende Avivi Ovadyam, até o conceito de democracia corre o risco de ser alterado. “A civilização e a democracia dependem de pessoas tomando decisões boas o suficiente. Essas decisões dependem do nosso conhecimento do mundo e de nossa habilidade de distinguir fato e ficção. À medida que nosso ecossistema se deteriorar, essas decisões também se deterioram, como se o mundo estivesse embriagado”. Assim, neste sistema de realidade alternativa, o indivíduo, totalmente bêbado, não consegue reagir e a democracia e a civilização não conseguem funcionar.
Não desejo cravar nenhum juízo definitivo. Mas, as últimas decisões tomadas aqui no torrão pátrio de algum modo me autorizam a crer que nos encontramos numa bela duma enrascada. Já vivemos uma realidade alternativa. E, pelo que se mostra, nada é tão ruim que não possa piorar.

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