Um pensador francês do século XIX, Lèon Denis, disse que o
pensamento é a própria voz do espírito. A conclusão que se chega,
depois de algumas páginas, é a de que a realidade é aquilo que se
vivencia. Ou seja, a própria pessoa a partir do que pensa vai
criando sua experiência existencial. A psicanálise lida com esta
questão, mesmo que de outra perspectiva, a partir de Lacan e sua
conceituação de real, do imaginário e do simbólico.
Os avanços tecnológicos têm proporcionado uma mudança
significativa na percepção da realidade. O pesquisador e tecnólogo
americano Aviv Ovadyam tem se debruçado sobre os efeitos das
mentiras virtuais espalhadas com a ajuda da tecnologia. Em recente
matéria do site El País, alerta que é possível chegarmos a um
ponto onde a mentira vai se agigantando de tal forma que as pessoas
vão perdendo a noção do que é verdade e o que é falso.
Contribuem para isso as estratégias de uso de robôs para
disseminação de ideias dando a impressão de que aquilo realmente
tem alguma importância. Assim, criam-se realidades a partir de
falsidades.
O problema crescerá, segundo ele, quando todo o conhecimento de
manipulação de imagem e de voz se tornar popular. Uma foto de rede
social poderá ser manipulada e jogada num outro corpo em um vídeo
comprometedor, como em sites de pornografia, por exemplo. E isso não
está muito longe de ocorrer.
A apatia à realidade, conforme o pesquisador, já está aí. E o
quadro tende a crescer nos próximos tempos. O indivíduo se sentirá
completamente incompetente diante de tanta manipulação, pois será
muito trabalhoso classificar as mentiras para daí extrair alguma
verdade.
Com tudo isso, entende Avivi Ovadyam, até o conceito de democracia
corre o risco de ser alterado. “A civilização e a democracia
dependem de pessoas tomando decisões boas o suficiente. Essas
decisões dependem do nosso conhecimento do mundo e de nossa
habilidade de distinguir fato e ficção. À medida que nosso
ecossistema se deteriorar, essas decisões também se deterioram,
como se o mundo estivesse embriagado”. Assim, neste sistema de
realidade alternativa, o indivíduo, totalmente bêbado, não
consegue reagir e a democracia e a civilização não conseguem
funcionar.
Não desejo cravar nenhum juízo definitivo. Mas, as últimas
decisões tomadas aqui no torrão pátrio de algum modo me autorizam
a crer que nos encontramos numa bela duma enrascada. Já vivemos uma
realidade alternativa. E, pelo que se mostra, nada é tão ruim que
não possa piorar.
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