Betinho (direita), Alemoa e Brito |
O Colégio Conceição ainda fazia parte da nossa paisagem. A cidade vivia os anos de chumbo. Era contida em seus costumes e na sua forma. A censura ainda imperava de tal forma que tínhamos a impressão de que até os confessionários das igrejas estavam grampeados. Na escola todo o cuidado era pouco. Sempre havia a possibilidade de que alguém levasse para fora alguma frase que fosse um atentado à Pátria. Estudávamos OSPB – Organização Social e Política do Brasil. Às vezes as aulas empolgavam tanto quanto um sonífero.
Num dado momento surgiu um professor jovem, cabelos longos, escorregadios, barba por fazer, um jeito de índio, carregando uma inseparável bolsa hippie de couro toda colorida atravessada no corpo. Às vezes mandava mensagens cifradas, falava em liberdade e coisas deste estilo. Juntava só os meninos na aula para falar sobre educação sexual. Só dois ou três se atreviam a fazer perguntas. O resto da turma corava e nenhuma palavra saia de suas gargantas. Em seguida virou ídolo, parceiro, conselheiro e guru.
Nos olhos dos pequenos, os grandes são enormes. São muito maiores do que efetivamente são. O professor era o cara para os meninos e meninas do Conceição. Num território sério e de postura calculada, se movimentava pela sala de aula espalhando noções de cidadania, de liberdade, de participação, temas caros naquela época de medo e de repressão.
Nossas aulas eram herméticas. O professor ditava e a turma copiava. Às vezes éramos inquiridos a responder alguma pergunta. Envolvido em uma timidez irremovível, para mim era um verdadeiro sofrimento dizer um simples “presente” na hora da chamada. Parecia que o mundo todo parava, um grande silêncio se estabelecia e minha voz saía fugidia, fraca, querendo não sair.Diante de meus olhos, aquele sujeito, que chamávamos de Betinho, era o supra sumo. No meio de tanta regra, com seu estilo pessoal e intransferível, contava histórias de vidas, de gentes e de valores que para todos nós, no frescor dos anos da adolescência, ainda eram desconhecidos. Além de tudo ainda sentava na classe sem perder a pose de mestre, sem vulgaridade e sem pudor. Desdenhava das músicas do Teixeirinha e de todos os gaúchos metidos a faca na bota, dizendo que aquelas canções divulgavam ao Brasil um estereótipo de gaúcho grosseiro, insensível, inculto.
Já adulto, reencontrei o professor Betinho na FACOS. Ainda era pra mim o mesmo mestre. A fala ainda era mansa. As histórias ainda tinham o mesmo encanto. Mudavam os personagens, porém. A liberdade já se fazia presente em nossas vidas. Os espiões já haviam voltado para a casa. Os olhos do poder não precisavam monitorar os corredores das escolas. Meus olhos também haviam mudado. O mundo era diferente. A cidade mantinha ainda seu ar provinciano. Os ventos moviam telhados, derrubavam estruturas. Eram só temporais. Não havia tornados, nem furacões.
O professor Luís Alberto de Souza Marques foi um desses personagens que marcaram a vida de nossa da cidade. Nos últimos tempos contribuía com seu saber para o desenvolvimento do Sul de Santa Catarina. “Betinho, tio, amigo, passou por aqui com leveza e bom humor, dando lições”, diz alguém na internet, lembrando do mestre. Faço minhas, tuas palavras.
Muito bom!!!!
ResponderExcluirSintéticamente descrevestes o grande "Professor Betinho" que, apesar de Doutor, sempre teve orgulho de ser "o professor"
Belíssima homenagem à alguém que fez história na nossa cidade e faz parte da história de muitas gerações.
Solano, meus parabéns, essa homenagem foi excelente...
ResponderExcluirBetinho,menino grande, sempre perto quando precisavamos, amigo, companheiro..
Tive o privilégio de ser amiga dessa figura maravilhosa, de conviver anos com ela e aprender muito...
Pessoa querida que jamais esquecerei...
Obrigada Solano por essa homenagem..