26/12/2012

Ponto final


Tive professores que adoravam ditar a matéria. Havia um que gastava um período inteiro lendo frases enormes. Dava ênfase especial às vírgulas e aos pontos. Cada vez que soltava um “novo parágrafo” semeava na turma um sentimento de desânimo. Saboreava cada frase dos seus textos infindáveis. Não dava espaço para lamentações. Quando o pessoal começava a se dispersar, aumentava o ritmo da leitura até que as meninas da frente, as melhores alunas da turma, solenemente murmurassem quase como um choro, que não estavam conseguindo acompanhar o ritmo.
Após um sorriso maroto, entrava em silêncio até que todos se recompusessem. Quando a turma relaxava, desandava novamente na ladainha. Apesar da determinação do professor, de minha turma não saiu nenhum médico. O máximo que conseguimos foi mestrado em garranchos. Fosse hoje e teríamos sérios motivos para uma ação judicial onde cobraríamos com juros e correção os danos morais causados pelo cansativo método pedagógico.
É verdade que este professor, odiado durante o transe do ditado, desenvolveu uma técnica de reconciliação, devolvendo aos pequenos um pouco de satisfação. Após o cansaço que a transcrição impunha a todos, era a hora do descanso. Quando o texto chegava ao final, com voz forte e inconfundível, decretava após a última frase do fatídico texto:  -Ponto Final! 
O que se via eram caras alegres, satisfeitas. Largávamos os lápis e as canetas, balançávamos o cansado braço. Afastávamos os cadernos para o lado. Era o momento relax do dia. Depois era a hora de dirimir dúvidas, corrigir uma que outra palavra e a aula seguia sem sobressaltos. 
De vez em quando me lembro da alegria que o ponto final nos proporcionava. Quando o programa de tevê é chato, quando a música não agrada, quando a situação é constrangedora, a alegria está nos créditos finais, no acorde derradeiro ou no ponto final.  De algum modo, o final de ano é o fim de um texto. É um marco. Não é definitivo porque novos capítulos serão construídos lá na frente. Porém, agora, neste exato momento é hora de olhar tudo o que foi escrito. Revisar o texto. Encontrar os erros. Descansar um pouco porque daqui a pouco tudo recomeça. 
Porém, se o seu ano foi cheio de lamentações, se não deixou motivos para festa, para celebrações, se o caminho foi espinhoso e cansativo, imponha um ponto final. Vale até imitar o meu professor e, de frente para o espelho, com dedo em riste e certo sorriso no rosto, dizer em alto e bom som: -Ponto final!  
A partir daí, recomece a história de outra forma, invente outros parágrafos, mude de linguagem. Use as experiências acumuladas ao longo do tempo. Mesmo as negativas têm o aspecto pedagógico. E, no mais, um bom novo ano a todos. Ponto final.

22/12/2012

Deu pra ti

Não há gíria mais anos 80 e portoalegrense do que "Deu pra ti". Mas, enfim, de que forma surgiu esta expressão?
Os anos 70 iam ficando para trás. O sentimento era de que o cenário de opressão, de ditadura, de censura iria ser impiedosamente soterrado nos anos que se seguiam. Pelo menos era o desejo recorrente naquela época, suplantar os pesados anos de chumbo.
Eis que um belo dia Porto Alegre acorda com os muros pichados com a bela frase "Deu pra ti anos 70". De onde surgiu aquela deliciosa iniciativa?
Na realidade a pixação era uma chamada para um show do Nei Lisboa. Depois, virou filme Super 8 dos cineastas Nélson Nadotti e Giba Assis Brasil. Kleiton e Kledir, sucesso nacional naqueles anos, aproveitando o clima da capital gaúcha, cravaram nas paradas de todo o Brasil os versos "Deu pra ti, baixo astral, vou pra Porto Alegre, Tchau!".
A expressão voltaria depois na música Horizontes, de Flávio Bicca Rocha, interpretada pela Elaine Geissler, que fez parte da trilha sonora da peça Bailei na Curva, em 1983. "Anos setenta não deu pra ti/ E nos oitenta não vou me perder por ai", dizia a bela letra.

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19/12/2012

Previsões que não falham


O futuro está logo ali. No entanto, a ansiedade, a incerteza ou a insegurança são responsáveis pela tentação de antecipar os acontecimentos. E, cá entre nós, quem nunca pensou em viajar no tempo e descobrir o que vem pela frente? Quem nunca sonhou em visitar o futuro?
Isto não é uma tendência atual. A história começou em tempos imemoriais. Entre os gregos, por exemplo, já havia o costume de lançar perguntas aos deuses para que o futuro fosse revelado. Oráculos, pitonisas, sacerdotes e adivinhos têm presença constante na mitologia grega.  
Porém, a tarefa de prever o futuro é muito mais espinhosa do que se imagina. O presidente americano Franklin Roosevelt que o diga. Tido como o maior estadista dos EUA, Roosevelt pode ter sido tudo isso. Porém, foi um rotundo fracasso como adivinho. Consta que o vulto histórico nomeou uma respeitável comissão para antecipar quais as novidades tecnológicas do seu tempo seriam importantes no progresso da humanidade. Publicado em 1937, o relatório apresentou índice zero de acerto. 
Ao longo dos tempos, alguns seres privilegiados bem que tentam desvendar os caminhos do destino.  São as cartomantes, as ciganas, os feiticeiros e outros tantos adivinhadores de plantão. Munidos de bolas de cristal, de borra de café, das linhas das mãos, das expressões faciais, do jogo de búzios, das entranhas de algum animal ou de algum insuspeitável auxílio do mundo extrafísico, adentram ao mundo do desconhecido. Viajam por um mundo que ainda está sendo construído.
Dizem alguns espertos que não há como errar. O adivinho deve traçar três cenários possíveis. Um otimista, um pessimista e um intermediário. Um deles certamente será o correto. “A manha do ganso” é jogar no próprio curioso a responsabilidade pelo andamento da história. Se tiver fé, se investir, se insistir, se planejar, se suar, se se dedicar, o futuro será um. Se, no entanto, o curioso só esperar, deixar de investir, se tiver muita preguiça, se não planejar o futuro será outro. 
E não é que dá certo! Não há futuro, não há destino que seja construído sem a força do indivíduo. Os deuses gregos que traziam a ventura ou a desgraça ao mundo curtem suas merecidas aposentadorias numa divina festa onde não faltam ambrosia e vinho. Não estão mais de plantão organizando destinos. Seus ouvidos estão fechados para as reclamações dos simples mortais.
Então o que nos resta, se o Olimpo está em recesso? 
Viver os dias de hoje como construtores é uma das respostas possíveis. Fé, investimento, insistência, planejamento e suor. Pensamento positivo, mesmo no meio da tempestade. 
O futuro é um livro que vem sendo escrito aos poucos. Uma página por dia. Algumas delas com muita emoção, muito movimento. Outras mais tranquilas. Drama, sátira, comédia, romance e poesia.  Tudo encordoado. A linguagem é a peculiar de cada autor. Em roteiros tão diferentes, tão variáveis, impossível que os outros definam o nosso futuro. Somos os escritores, os protagonistas. De nossa atuação nasce o futuro. 
Ele tem a nossa cara. A nossa forma. O nosso suor. Nem mais nem menos.



O amanhã
Letra: João Sérgio
Intérprete: Simone

"A cigana leu o meu destino
Eu sonhei!
Bola de cristal
Jogo de búzios, cartomante
E eu sempre perguntei
O que será o amanhã?
Como vai ser o meu destino?"


12/12/2012

Bloco de notas


Perfil - No passado, em regra, o fim de um relacionamento trazia consigo certa dose de dor, de compaixão dos verdadeiros amigos, de recolhimento. Agora parece que se transformou em troféu. A maior das preocupações, nos tempos atuais, parece ser a mudança no perfil na rede social. “Fulano de Tal atualizou o perfil de relacionamento sério para disponível”. 
É possível imaginar até o espocar de fogos de artifício. Os tempos são outros.

Pode crer” – A expressão “pode crer” ou “podes crer” é uma daquelas que foi enterrada com a passagem do tempo. Era usada com regularidade pela juventude urbana na distante década de 70 do século passado. A expressão era daquelas que valia para tudo. 
-Vamos dar uma volta? –Podes crer!
-É verdade que a Maria trocou o Manoel da padaria pelo João do Armazém? – Podes crer!
Em certo ponto “pode crer” representava o papel do curtir das redes socais. Alguém hoje posta: “Um grande drama se abateu nesta quinta-feira: saí de casa cedo, no caminho do trabalho fui assaltado, na chegada o chefe me demitiu, pelo celular me informaram que o Oficial de Justiça estava lá em casa com uma Ação de Despejo, voltando para casa sofri um acidente. Estou hospitalizado!”. 
Fulano, Cicrano e Beltrano curtiram. 
-Curtiram o quê, caras pálidas?

Amizade Virtual – Quantos dos amigos virtuais convidaríamos para cinco minutos de prosa? Quantos são os que passam por nós neste mundo material que nos cabe e nos cumprimentam? É normal ficar perguntando quando passamos por um algum amigo virtual, “eu conheço esse cara de onde mesmo?”.

Zoação – Há dose cavalar de irresponsabilidade nestas pegadinhas que algumas rádios FMs fazem. Lá na Austrália a estratégia da zoação levou enfermeira a Jacintha Saldanha ao suicídio. Com a desculpa de arrancar alguns risos na dileta audiência, comunicadores desconhecem totalmente a ética e a moral. Rir nem sempre é o melhor negócio.
Aqui na província, a turma do Casseta, do Pânico e outros menos votados vez por outra escorregam pela zoação barata. Não curto! Não compartilho. Só comento!

Dia desses – Dia desses a gurizada postou na rede uma imagem de enforcamento. Na foto a indicação de que aquilo ocorria em determinado país. Os mortos eram políticos corruptos. Foram infelizes, pois escolheram um país com regime ditatorial. Sabe-se lá que vítimas eram aquelas cujos corpos pendiam em guindastes. No impulso publiquei comentário dizendo que talvez fossem vítimas da opressão de um governo bárbaro, corrupto. Talvez fossem opositores, resistentes. Pessoas normais que queriam a liberdade. Talvez o crime fosse somente pensar diferente.
Um que outro não gostou. Outra publicou uma série de letrinhas iguais. Não sei se era xingamento, se era reprovação ou aprovação.
Sei lá, na rede se vê cada coisa!

06/12/2012

Os sabores da infância


Numa daquela conversas triviais, disse que não tenho fixação por algum tipo de alimento em especial. Erro meu. “Só por doce de abóbora”, emendei com certa pressa, notando que havia feito uma afirmação inverídica.  “Ambrosia é muito bom”, disseram do lado de lá. “Só se for feito pela mãe, pela avó ou por uma tia idosa”, completei com certo ar professoral. 
Chegamos à conclusão de que os sabores, as texturas e as cores dos doces feitos em casa a partir daquela receita especial de alguém da família são diferentes e não podem ser reproduzidos por ninguém. Nem aquele famoso cozinheiro que exibe sua arte na tevê, com maestria e graça, é capaz de fazer o doce da mamãe, da titia ou daquela vovó. Não é incompetência do diligente cozinheiro não! A culpa é nossa.  Isto porque a grande diferença está na nossa afetividade, no prazer de quem se serve e no prazer de quem faz.

27/11/2012

Os abutres


Não me cansava de sentir repulsa sempre que a cena se repetia. Minha visão não havia ainda sido treinada para conceber como natural aquele ataque grosseiro, destrutivo e doloroso. Olhos de criança, virgens de maldade e de experiência, ainda sofriam certa angústia quando os corpinhos destroçados de animais serviam de banquete para as aves de rapina. E isso era comum para quem vivia na beira da RS 030, a Estrada Osório-Tramandaí, especialmente na temporada de veraneio.
Sincas, gordinis, opalas, mavericks e fuscas, as máquinas da época, passavam apressadamente levando famílias numerosas em direção às praias. Nas antenas ostentavam pequenos adornos, bolinhas de isopor coloridas ou, ainda, fitinhas multicores que balançavam graciosamente com a ação do vento. Muitos dos animais, cãezinhos ou gatinhos caseiros, tartarugas, cágados, bezerros ou potros, que inadvertidamente tentavam ultrapassar a rodovia, ficavam no meio do caminho. Atingidos pelos carros, tentavam ainda sobreviver se arrastando até a beira da estrada. 
Nem bem fechavam os olhos e uma nuvem de aves escuras, os abutres, que conhecíamos como urubus, começavam a realizar vôos rasantes pelas proximidades. No início um mensageiro, um desbravador, pacientemente acompanhava a morte do bichinho. Vez por outra desferia uma bicada como que conferindo se a vida já havia se esvaído do corpo inerte. O espetáculo, para mim triste e incompreensível, se iniciava em poucos minutos. O bando de grandes aves se apossava do corpinho já sem vida. Em minutos, com bicadas certeiras, separavam a carne dos ossos. Terminado o rápido banquete, restavam alguns sinais do que um dia foi um ser vivo.

23/11/2012

Causas e consequências


O professor David Fleck dizia que mais do que os marcos históricos, mais do que os personagens envolvidos, o que realmente interessava eram as causas e as consequências. Isto não fazia muito sentido para um menino de 11 ou 12 anos de idade, ainda envolvido com questões outras mais prementes e com os salutares sonhos juvenis. 
Com o tempo, no entanto, as informações recebidas vão se juntando em forma de mosaico. O que parecia uma imagem abstrata se revela algo claro, límpido. As convicções infantis, por sua vez, se tornam garatujas, eis que não chegam à arte final.
Levou tempo para entender esta questão dos ciclos. Hoje com mais clareza sinto que onde estivermos fazemos parte de histórias paralelas. Estamos dentro de conjuntos, rodeados de semelhantes. Estes conjuntos se tocam e ocorre a intersecção. O que parecia tão abstrato, tão complicado nas aulas de matemática hoje se revela tão real.
Somos personagens. Vivemos e atuamos. Interferimos nas histórias dos outros que, por sua vez, entram na nossa vivência. E assim seguimos inadvertidamente numa troca de experiências permanente. 
Cheguei a este tema diante da manifestação de uma querida colega. Pela manhã me disse: “hoje é meu último dia aqui!”. Lembrei que a vida é composta de ciclos. Avançamos no tempo e vamos juntando as experiências possíveis. Às vezes temos a nítida impressão de que já vivemos aqueles fatos em algum momento. Os dias passam e a cada dia se abre um pequeno ciclo que se fecha logo ali. As semanas são ciclos, os meses, os anos, as décadas. A vida é um grande ciclo. Pequeno, porém, se se considerar a vida do Universo.
O fechamento de ciclos pode representar dor, perda, satisfação, esperança. A certeza que se tem é de que após um ciclo outro começa. Este, porém, um dia também se fechará. E assim seguimos todos nós protagonistas aqui ou meros coadjuvantes acolá.
Certo é que somos os donos de nosso destino. Podemos iniciar ciclos e também abortá-los. Ações, palavras, pensamentos, sentimentos, emoções de hoje vão formando o dia de amanhã. O futuro vem sendo construído lentamente. Tudo isso sem que se pense, sem qualquer sinal de alerta. O Universo inteiro se move permanentemente e em silêncio. Assim é a Lei da Natureza. Não há como contrariá-la.
O mesmo ocorre com a partida daqueles com quem convivemos. Quando se afastam deixam em seu lugar um silêncio. É da Natureza. Não há como contrariá-la.

13/11/2012

O abandono


Imagens antigas do que um dia
foio nosso presente
O tempo passa no ritmo da nossa pressa. Segunda-feira: hora de levantar, nova semana que chega. Levar os filhos na escola, café magro, trabalho, buscar filhos na escola, almoço, gols da rodada, debates esportivos, trabalho, mercado, cafezinho da tarde, passeio de bicicleta, jornal na tevê, uma música no computador, atualizar e-mails, conferir o blog, o face, filmezinho, sono, sonhos. E já é terça e já chega quarta. A quinta passa que nem um raio. Sexta-feira se anuncia puxando consigo o final de semana. Finaleira do brasileirão, Faustão, Fantástico, alguma bomba eleitoral no final da noite no noticiário regional. E assim vai. Passa o dia, a semana e o mês que vem já bate na porta.
O tempo passa e vai enterrando as coisas que fizemos. As comezinhas esquecemos.  Muitos dos sonhos também ficam para trás. E os dias passam, os meses também. E sai estação e entra estação. Faltam poucos meses para as férias e daqui a pouco as férias já se foram. A voracidade do tempo, porém, não consegue vencer o encanto dos velhos álbuns de fotografias. Aquelas abandonadas fotos, que foram um dia o presente, guardam sorrisos e poses de pessoas que vagamente lembram nós mesmos. 
As imagens se sobrepõem. Não só as impressas. Também aquelas imagens mentais que estão arquivadas em algum lugar do esquecimento e que inadvertidamente se lançam das profundezas. São também capazes de suplantar a passagem do tempo. Sensações, impressões antigas, paisagens, gostos e sentimentos. O tempo também não é capaz de impedir que aflore o sentimento desencadeado por uma bela e velha canção. Por uma voz que um dia foi presente. Por uma melodia que serviu de trilha sonora para um instante significativo ou para uma cena despretensiosa.
Remexer nos velhos baús trás à vida aquilo que muitas vezes abandonamos. Onde andará aquela pessoa que sorri ao meu lado? Parecia tão amiga e sumiu como um agente secreto, levando sabe se lá que tipo de informação a nosso respeito. Quem era mesmo aquela colega de aula, quase que totalmente encoberta pelo gordinho simpático da turma, que esticava o olho sobre minha prova de Português? Onde andará aquela professora que ficou duas semanas somente com a turma não dando tempo de decorarmos seu nome?
E eis que a tevê, por vezes tão alheia às coisas que verdadeiramente nos interessam, também resolveu mexer nos seus estimados baús. Numa dessas tantas novelas, se vale de uma velha canção da Beth Carvalho, de autoria de Eduardo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, Andança, como trilha sonora de algum romance. Lembro dela e de uma colega que, tocando seu violão com esmero, lançava sua voz suave valorizando a aula de alguma disciplina no Curso de Letras da FACOS.  “Meu olhar em festa...(me leva amor)/Se fez feliz/Lembrando a seresta/Que um dia eu fiz(por onde for quero ser seu par)”.
O tempo passa e para trás fica tudo o que foi possível fazer. Pensando bem, o que é o futuro senão o reflexo daquilo que um dia se fez. Que graça teria tudo isso se não tivéssemos mantido em algum lugar um baú cheio de imagens, sons, sensações, sentimentos, planos e sonhos?

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09/11/2012

Os Mutantes


Tudo corre, tudo flui, tudo passa. Tudo o que existe agora se transforma logo ali. A realidade de agora não será a mesma realidade daqui a poucos segundos. Nada se repete no Universo. A transformação se dá de maneira imperceptível, ininterrupta e irrevogável. Não há como legislar sobre isso. O poder humano é pequeno diante da magnitude das inflexíveis e inafastáveis leis naturais. 
Os princípios filosóficos expostos até aqui não são obra do colunista. São interpretações livres do que disse um dia Heráclito de Éfeso, que viveu no período compreendido entre 535 e 475 a.C. O filósofo concebia a vida com algo em movimento constante. A passagem do tempo vai transformando a tudo e a todos. 
A impressão de Heráclito vale inclusive para os homens. Muito embora a aparente irredutibilidade de alguns, homens e mulheres são seres mutantes. As experiências vão se juntando de tal forma que o indivíduo hoje é muito diferente do que foi um dia. “Tudo que se vê não é/ Igual ao que a gente/Viu há um segundo/Tudo muda o tempo todo” como diria aquela velha canção do Lulu Santos.

30/10/2012

O gol de mão


Poucas vezes o futebol sai das quatro linhas e avança no mundo da filosofia, da ética e da moral.  Isto porque há certo preconceito em relação ao jogo. Talvez por ser popular demais, por envolver paixões desenfreadas de milhares de seres, os cronistas, os pensadores e os debatedores de plantão não invistam parte do seu tempo em discutir de maneira mais amiúde os meandros do esporte bretão. 
Hoje, no entanto, a discussão sobre o que é certo e o que é errado no campo futebolístico têm crescido mundo afora. Na Europa, os atacantes coram as faces quando levam alguma vantagem indevida sobre os defensores. Depois do jogo, invariavelmente, vêm às câmeras de tevê e pedem desculpas aos colegas de profissão, aos jornalistas, aos dirigentes, aos familiares porque não foram corretos em determinado momento. Enquanto isso, por aqui, no “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, a discussão é bem outra.

24/10/2012

Passo em falso


Você acorda cedinho. A primeira ideia que vem à cabeça é de que o dia será um daqueles. Nada dará certo. Tudo o que tiver de ocorrer de errado, acontecerá. “Impressão minha!”, pensará, tentando afastar da mente a mensagem negativa. Um bom banho ajudará a banir aquele pensamento indesejado. Porém, logo ao ligar o chuveiro constata que jorra uma água fria. Mexe daqui, mexe dali e nada. Conclusão: a resistência o deixou na mão, sem nenhum aviso. Duas alternativas restam. Encarar o jato frio ou abortar a chuveirada.
Você acorda cedinho. Os pássaros, alegres como só eles sabem ser, anunciam um novo dia. Abre a janela. O ar puro enche o quarto. Os raios de sol batem nas árvores, ressaltando o verde vibrante da natureza. Mais um dia que chega. Mais uma boa oportunidade pela frente. A melhor roupa já havia sido escolhida. Um banho o espera. Do chuveiro escapa um jato de água fria. “É bom para a saúde!”, pensa, lembrando do seu pai que narrava as dificuldades encontradas quando era um recruta no Exército Nacional. Enfileirados e sem alarido passavam todos por um chuveiro improvisado no meio do pátio. Verão ou inverno, a água fria acordava os corpos que ainda guardavam o cansaço das atividades do dia anterior.
As cenas dos parágrafos anteriores podem ter ocorrido algum dia. Talvez o leitor as tenha vivido em momentos distintos. O que muda, na realidade, é a percepção, o sentimento de cada um. O homem é um mutante. O que hoje parece bom, amanhã bem pode não ser. Além do mais,  para quem vê a vida com a lente do pessimismo, os sinais recebidos serão percebidos sempre pelos aspectos negativos. Já aqueles que riem e acham graça, que percebem um lado bom em tudo, é a do otimismo a lente usada.
Os dias de infância, quando mais nos ocupávamos dos sonhos do que da vida, pareciam reservar a todos os melhores dias. Os dias, porém, avançam decisivamente em direção à maturidade. O tempo passa, mesmo que de maneira imperceptível. Tempos normais, sem atos heróicos.  Passos e passos rumo a um futuro incerto. Às vezes destemidos. Outras vezes nervosos e contidos. O futuro sendo construído aos poucos. De leve, sem alarde.
As crises, o aparente caos, os passos em falso vez por outra constituem aquele tempero necessário para sacudir o cotidiano, para alterar as rotas em direção a outros caminhos antes não percebidos. Alguém lembrará a tão falada “zona de conforto”. A letargia, o costume, a falta de indignação, o comodismo. Coisas do mundo adulto. Nos nossos sonhos infantis, os dias sempre prometiam algo de bom. Um campo aberto para a experimentação sem medo.
E assim é. O futuro está sendo construído. Será o resultado dos pensamentos e ações, dos planos e do trabalho, dos sonhos e de um que outro pesadelo. Os dias nascem independentemente do nosso esforço. Ao final terão sido bons ou ruins, positivos ou negativos, promissores ou não. Tudo isso conforme a percepção de cada um de nós. 
“É bem essa!”, diria um antigo conhecido. 

17/10/2012

O horário de verão


Eis que o horário de verão retorna. E já não era sem tempo. O sol tem se mostrado muito cedo. Às 05h45min começam os primeiros clarões. Poucos minutos depois já é dia. Os pássaros, que se orientam pelos sinais da natureza, desatam sua cantoria alguns minutos antes das 06h da manhã.
Com a mudança no horário, os pássaros levam um drible. Vão cantar um pouco mais tarde. Nós, que não cantamos cedo (no meu caso nem tarde), recebemos alguns minutos a mais de descanso.
Outro aspecto positivo é quanto à duração do dia. Mais tempo para caminhar, para cuidar da horta, para fazer muitas coisas ou mesmo para o ócio. Os dias se alongam. As noites ficam menores por algum tempo.
Claro sempre há os que detestam o horário de verão. Muitos, como os agricultores, por exemplo, não o levam a sério. Tal qual os pássaros, guiam-se pelos sinais da natureza. Trabalham no “horário antigo”. Começam cedo na labuta, interrompem o trabalho quando os raios solares incidem com maior força e depois, no abrandamento da temperatura, retomam suas desgastantes atividades.

Preferência popular
Encontrava-me no interior do interior de um pequeno município agrícola do Litoral Norte do RS. A estrada era poeirenta. O local era belo. Muitas árvores, um riacho. Muitas casas simples. Umas que outras mais elaboradas. Bandeiras amarradas na ponta de taquaras enormes. Cada casa com uma preferência.
A eleição seria alguns dias depois. O clima era de disputa acirrada. Indaguei um dos moradores sobre a movimentação do pleito que se avizinhava. Questionado sobre quem ganharia, respondeu que o certame era complicado. “Aqui temos que escolher entre o velhaco e o ladrão!” disse sem vacilo. Questionado sobre sua preferência completou: “Vamos votar no ladrão, pelo menos é de nossa comunidade!”.
Não creio que tenha sido assim em muitos outros municípios. No entanto, pelo simples fato de em algumas comunidades o sentimento popular em relação ao processo eleitoral tenha sido esse, já é de se lamentar. Pena não terem a oportunidade de escolher o prefeito e os vereadores pelo trabalho prestado junto à comunidade. Uma verdadeira lástima.

11/10/2012

Vencedores e vencidos

Em todo o país, grupos se uniram para a manutenção ou a busca pelo poder. Arregimentaram forças, recursos financeiros, argumentos e planos. Os boatos se misturaram aos fatos. Atacaram e rebateram. Forças antagônicas na mesma mesa. Acertos naturais ou estapafúrdios. Vasculharam papéis na busca das provas, buscaram aqui e ali algum indício incriminador. Os corvos buscaram socializar o podre. Em todos os cantos, a história ousa se repetir.
Uma providencial pesquisa, que beneficia o candidato patrocinador, faz parte do contexto. Inevitavelmente o estudo mostra a todos o pagante em primeiro, secundado pelo adversário. Uma diferença abissal entre eles. A única certeza é de que alguém está errado. 
No pleito de domingo, no entanto, os pesquisadores – pelo menos neste pedaço de chão -, enganaram a todos. A larga vantagem de votos para o candidato A ou para o B, como apontavam os levantamentos por eles pagos, não apareceu. Os números, fartamente divulgados nas redes sociais, foram muito diversos daqueles apresentados nas urnas.

03/10/2012

As horas derradeiras


Imagino o sentimento dos candidatos nestas horas que antecedem as eleições. Cansados da exaustiva movimentação do período eleitoral quando cruzaram o Município inúmeras vezes visando o convencimento dos eleitores, empregam agora seus últimos e derradeiros esforços. Entusiasmo, apreensão, pessimismo, certeza e incerteza revezando-se ininterruptamente.
Talvez seja difícil aos candidatos deitar a cabeça no travesseiro e conquistar alguns momentos de tranquilidade, nestes dias que antecedem o pleito. Acredito que muitos candidatos enquanto buscam o sono reparador, maquinalmente continuam distribuindo seus santinhos e apresentando seus planos. O espírito acossado pela pressão continua vigilante, trabalhando pela causa que o preocupa. Não se permite o ócio e o prazer do relaxamento.

27/09/2012

Rede de boatos


Dizem que uma pesquisa realizada na cidade coloca um dos candidatos com larga vantagem na luta pela Prefeitura nas eleições de 07 de outubro. Dizem ainda que, diante da informação, está difícil para o outro candidato, o preterido, continuar incentivando seus cabos eleitorais e candidatos à vereança. Desânimo total. Quem me falou foi uma pessoa que me pediu segredo. Ele é muito bem informado e nada ganharia com a divulgação do fato, pois seu candidato está atrás.
A informação acima é falsa. Porém, quem leu somente o primeiro parágrafo ficou com a nítida impressão de que se trata de algo verídico. Assim nascem os boatos tão largamente utilizados no dia a dia. Nos tempos de campanha então, nem se fala! De boca em boca uma história qualquer vai tomando novos contornos. Cada um vai colocando um tempero a mais. No final da linha aparece uma história com todos os ingredientes, com todos os mínimos detalhes.

19/09/2012

Conexões perigosas


Houve um tempo em que não havia computador. Ele não fazia a menor falta. Cálculos enormes eram feitos em calculadoras. Pesquisas escolares eram feitas nas enciclopédias, uma coleção de livros ilustrados onde se encontrava registrado o conhecimento humano. Houve um tempo em que não havia internet. Ela não fazia falta. Os contatos eram lentos, o mundo andava com vagar. Não havia a sede do instantâneo.
Eis que surge o computador. Os homens vão se ligando de todas as partes numa rede chamada internet. As conexões são precárias tanto quanto o sistema telefônico vigente. No entanto, com investimentos pesados em tecnologia o que era lento foi ganhando velocidade. Em pouco tempo o que não fazia falta virou indispensável. Surgem as conexões rápidas, ultra-rápidas. As enciclopédias, que viviam desde o Século XVI, foram sepultadas. O conhecimento humano foi pulverizado. Fontes fidedignas pra quê?

12/09/2012

Votos garantidos

Grande incerteza deve acompanhar os candidatos neste período. Apoio de lá e de cá, garantias e mais garantias. Porém, tudo é incerto. Somente quando os votos forem efetivamente lançados é que saberão, enfim, como foi o desempenho. Alguns sentirão o amargo gosto da reprovação e outros colherão os louros do acolhimento popular.
O otimismo parece ser a grande sacada. Pergunte a um candidato como está a campanha. A resposta, quase sempre, é de que ela está cada vez melhor. Se a campanha está tão boa para tanta gente, há, com certeza, muitos candidatos a uma vaga na Câmara Municipal fazendo a leitura errada do jogo eleitoral. Ou é uma estratégia discursiva visando afastar o desânimo.

04/09/2012

O arrebol

Meu pai resistiu o que pode em usar barbeador descartável. O ato de fazer a barba era quase que um ritual. Nos dias mais quentes, costumava levar seu minúsculo espelho, colocá-lo numa frondosa sombra de uma árvore, acomodá-lo na distância desejada, passar uma espuma de sabonete no rosto e montar o aparelhinho de barbear com lâminas azuis com a cara do seu Gillette impressa no envelopinho.
Os aparelhos antigos eram em aço. Duravam a vida toda. Alguns eram simples. Uma haste arredondada com uma chapa fixa em cima. Colocava-se a lamina de barbear e com a mão fechava-se a chapa com outra que encaixava perfeitamente. Outros já apresentavam certa complexidade.  Dispunham de um mecanismo na parte inferior que acionado fechava o compartimento superior já com a lâmina dentro.

29/08/2012

As aparências enganam

Elis Regina
As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam. Diz a bela canção imortalizada pela extraordinária Elis Regina, de autoria de Sérgio Natureza e Tunai. Nada mais correto. As notícias divulgadas nos telejornais insistentemente confirmam a tese. Na política: “Fulano de Tal, influente deputado, recebia recursos de empreiteiro”. O político e o empreiteiro até então figuravam nas colunas sociais. Exemplos de homens probos, prósperos, corretos e todos os demais adjetivos que se possa usar para definir um indivíduo do bem, descobertos passam para o lado dos corruptos, dos delinquentes, juntando-se aos desonestos da escória nacional.
Porém, durante muito tempo ostentaram uma aparência de confiáveis. Caminharam ladeados por outros tantos que se beneficiaram dos contatos, dos contratos e das mamatas concebidos com o intuito de sacar dos cofres públicos recursos que farão falta na saúde, na segurança e na educação de milhões de pessoas. Como as aparências enganam.

Os imprestáveis

A cena deve se repetir por todo o Brasil. A dona de casa, caprichosa como ela só, comprou um sofá novo. O outro, que perdeu o lugar na sala, puído pelo uso não serve mais. Como a madeira que o sustentava foi vítima da ação predatória dos cupins nem o mais pobre dos pobres da vizinhança o aceita como presente. Sem pestanejar a diligente dona encarrega dois meninotes para sumir com o móvel. Como a paga é pequena, dois picolés de suco, carregam o pesado sofá até um terreno baldio e ali o abandonam. 
Claro que a historinha acima foi gerada pela minha criativa mente. Porém, mesmo que com uma ou outra variante, não encontro outra explicação para o número exagerado de sofás, cadeiras sem um dos pés, geladeiras sem portas, mesas claudicantes e armários sem serventia que são abandonados em terrenos baldios em nossa cidade. As pessoas resolvem os problemas de falta de espaço nas suas casas e largando as quinquilharias que um dia serviram por aí.

16/08/2012

Sorriso londrino

Renato Sorriso mostrando
sua arte na avenida
Alguns jornalistas ingleses dizem que os londrinos foram contagiados pela vivência com os latinos durante os Jogos Olímpicos. Foi um período pequeno é bem verdade. Impossível, portanto, que os frios e circunspectos súditos da Rainha se transformem em italianos ou brasileiros. Suas mãos continuarão sendo pesadas demais para viajar em gestos continuados na tentativa de esclarecer ainda mais a mensagem. São comedidos e assim continuarão quando os espíritos que regem os jogos descansarem.
As festas de abertura e encerramento foram grandiosas. Velhos roqueiros, alguns ilustres desconhecidos nossos, saíram da inatividade e ganharam novamente os holofotes. Não incluo aqui o sempre presente e jovial Paul McCartney tocando e cantado Hey Jude (aqui sim um espetáculo magnífico que valeu pela abertura e também pelo encerramento). No mais juntaram Bee Gees, The Who, Pet Shop Boys com Mister Ben e a Orquestra Filarmônica. Luzes, som e a indispensável participação do público presente. Tudo tecnicamente perfeitinho, no horário certinho, sem nenhum errinho. Com algumas emoçõezinhas.

08/08/2012

Medalhas

A impressão que todos temos ao olhar o quadro de medalhas, que ostensivamente vem sendo apresentado na mídia, é a de que o Brasil poderia e deveria subir uns muitos degraus. É francamente desanimadora a presença do país que, apesar do crescimento econômico, da estabilidade política, não consegue desenvolver uma política desportiva que privilegie os esportes olímpicos.
Há países muito menores que o Brasil e que, apesar disso, dão um verdadeiro passeio em nossos atletas. Não falo da China que investe milhões de dólares para formar vencedores profissionais. São jovens recrutados nas escolas, preparados cientificamente para vencer provas. São papas-medalhas, submetidos a uma rotina desumana desde a tenra idade. São outdoors do sistema chinês tanto quanto russos e cubanos durante o período da guerra fria.
Falo de países como a Jamaica que investe pesado no desenvolvimento de esportes de alto rendimento como os 100 e 200 metros rasos. Mas há os quenianos que contrariam a regra. Os investimentos são minúsculos, mas os resultados estupendos. Superam o abandono correndo pelo país. Depois conquistam medalhas em todos os cantos do mundo. Para completar o espetáculo passeiam nos Jogos Olímpicos com seus corpos magérrimos, suas pernas longas, passadas rápidas. São incansáveis. São inalcançáveis.

03/08/2012

As boas notícias

As maiores notícias não estão relacionadas a acontecimentos positivos. As mais lidas, as mais acessadas, as preferidas do grande público são as grandes tragédias. Mortes violentas e acidentes dramáticos causam emoção, compaixão e envolvem os leitores, ouvintes e espectadores. Puxam os ávidos olhos que se fixam automaticamente na televisão, no jornal ou no site de notícias.
Os jornais publicam com destaque. A tevê dá ênfase. O rádio transmite ao vivo. Os sites atualizam a notícia com novos dados segundo a segundo. O objetivo é saciar a sede de informação. Quanto mais chocante a informação mais valiosa é.
Mesmo nós que militamos na imprensa por décadas vez por outra nos perguntamos: onde estão as boas notícias? Será que temos necessidade de ouvir, de ler, de acompanhar tantas tragédias? As pessoas não cansam do verdadeiro bombardeio diário que sofrem?

26/07/2012

O mate solitário

Nem mesmo o saudável hábito de compartilhar o chimarrão tem escapado do temor da Gripe A que assola a Região Sul do Brasil. O medo do contágio talvez venha contribuindo para o desenvolvimento do hábito do mate solitário.

O pânico da Gripe


Verdadeiro pânico tem causado estas insistentes notícias sobre a incidência da Gripe A no Estado. Famílias vivem em prontidão na busca da vacina. O locutor do rádio diz que as clínicas não mais anunciam a chegada de novas doses. Evitam com isso o tumulto, a correria e o desespero das pessoas, dispostas a buscar a imunidade contra a enfermidade que tem ceifado vidas no Estado, em Santa Catarina e no Paraná.
É a repetição do quadro que se estabeleceu há alguns anos com maior ou menor intensidade.  As autoridades da saúde também estão de prontidão. Na tevê, alguns apresentadores, useiros em encontrar os culpados e denunciá-los à opinião pública como se justiceiros fossem, utilizam seus espaços denunciando os desmandos, o despreparo, a imprevidência deste ou daquele órgão. A assistência mais se apavora.

18/07/2012

Candidatos na rede

 A rede social é um instrumento de manifestação. Portanto, não há uniformidade. Imprescindível bom-senso e tolerância. Como todo mundo ganhou voz e vez, somos fadados a conviver num ambiente que reúne  algumas boas coisas e muitas insanidades. Não é incomum que grupos, que são formados a partir de boas intenções, implodam. As regras de boa convivência, de respeito e de bom-senso nem sempre são observadas. 
Agora nota-se uma ferocidade ímpar em relação à campanha eleitoral. Ora, somente os ingênuos imaginavam que as redes sociais seriam zonas livres e que os candidatos, ávidos por espaços, não colocariam seus santinhos no seus murais. Somente os mais ingênuos ainda imaginam que eles, os candidatos, terão a grandeza de respeitar os espaços privados (como se alguma privacidade fosse possível na internet). Não estranhe se eles começarem a encher nossos murais com suas carinhas. Se isso ocorrer será apenas uma demonstração de mau uso, de falta de respeito.

10/07/2012

Rede democrática

O fácil acesso às redes sociais democratizou sobremaneira a opinião. No passado somente estavam autorizados a publicar seus pontos de vista alguns poucos escolhidos pela mídia. Agora, com um computador e com uma conexão o sujeito solta o verbo. Assuntos em profusão, opiniões para todos os gostos.  Não são necessários conhecimento, prudência e nem perícia. A liberdade é total. Com isso, a negligência com a língua é marcante. Não satisfeitos em curtir e compartilhar, os espertos ainda se deixam levar pela delícia de comentar. Aí, sai da frente!
Alguns conseguem o exagero de engatar quatro a cinco erros em uma linha. Não é incomum cansaço virar “cançaso”, princesa virar “princeza”, exceção virar “excessão”, a gente (nós) se transformar em “agente” (secreto? funerário? de viagens?). A desculpa mais corriqueira é a “preça” (perdão!),  a pressa. Digitar rápido potencializa o erro. É correto. Quanto mais rápida a resposta, o comentário, mais próximo do erro se encontra o indivíduo. Porém, que tanta pressa é essa que não dá tempo para uma mísera revisão? Que imposição é essa de que tudo tem que respondido num flash? E a qualidade? Foi suplantada de uma vez em detrimento da destreza, da rapidez?

04/07/2012

A breguice

Odair José (arte pop)
Existe verdadeiro movimento, iniciado por uma dessas indefectíveis novelas da Globo, com o intuito de promover o brega como movimento cultural. Porém, a iniciativa carece de legitimidade. Aquilo que se diz brega é, na realidade, uma mera representação. Nada daquilo é original, portanto o tal movimento contraria uma das regras mais claras da cultura brega nacional: o brega é brega não porque quer, mas sim porque a coisa não alcançou o nível desejado. A obra brega é algo que deveria ser de bom gosto, mas por carências da fonte criadora não atingiu o alvo desejado.
A intenção do verdadeiro brega não é ser brega. As músicas bregas são feitas para serem servidas com honestidade. As frases são compostas com o objetivo de agradar a todos. É tudo legítimo, verdadeiro. Os arranjos simples e corriqueiros são produzidos dentro de um conhecimento limitado, mas são para serem levados a sério. Não é uma bobagem qualquer.
Ou alguém duvida que Amado Batista quando cantou a plenos pulmões uma música em que narra a infelicidade da perda de um amor numa fria sala de cirurgia queria fazer gracinha, queria agradar a um público brega? Não, ali há seriedade não deboche. A dor é verdadeira. É um drama.

22/06/2012

O frasista

Quem com frequência escreve ou tem como ofício a fala não escapa à tentação da busca da frase perfeita. O frasista é o sujeito que investe algum do seu tempo na composição de frases estilosas.  Nos tempos atuais onde todos, de intelectuais a idiotas, divulgam suas ideias no meio virtual, parece restar muito pouco a ser dito. Sócrates, Platão, Cristo, Charles Chaplin, Lao-Tsé, Confúcio, Jean Jacques Rousseau, Chico Buarque e tantos outros não conseguiram esgotar o repertório. Sempre sobarará algo a ser dito com estilo, sutilezas ou mesmo grosserias criativas.
Dentre os frasistas pátrios dois se destacam. O humorista Millôr Fernandes, que nos deixou neste ano, e o gaúcho Aparício Torelly, o Barão de Itararé, são os representantes máximos das provocantes sacadas, muitas das quais já se incorporaram à nossa linguagem como se fossem adágios populares. São dois sábios brincalhões que não fogem de nenhum assunto. Acham graça da vida, das dificuldades cotidianas, da pobreza, da riqueza, da intelectualidade e da boçalidade.

19/06/2012

O trololó imoral

O termo moral é derivado do latim mos (costume). Indica algo que não nasce com o homem, mas sim é construído ao longo do tempo. A moral, então, é, numa definição rasteira, sucinta, o conjunto de valores admitidos como corretos por uma parcela de homens a partir da convivência. O contato diário vai definindo uma série de princípios, normas e costumes que vão evoluindo ao longo dos tempos. 
O que hoje é tido como imoral amanhã poderá ser considerado como algo normal, corriqueiro e socialmente aceito. Mesmo entre os imorais encontram-se princípios e normas com fundo moral.  É o caso de grupos criminosos que, muito embora executem alguma ação ofensiva contra o patrimônio das pessoas, se insurgem contra aqueles que molestam crianças e mulheres. Chegam mesmo a eliminar aqueles que atentam contra este princípio. Instintivamente seguem, às avessas é claro, o britânico Lewis Caroll, autor de Alice no País das Maravilhas, que sentenciou: “tudo tem uma moral se você conseguir simplesmente notar”.
A questão moral dá ensejo a uma série infindável outras frases, disponíveis nestes sites de citações. Nesta coletânea destacam-se, por exemplo, a assertiva do ex-presidente americano George Washington, "felicidade e responsabilidade moral são inseparavelmente ligados". Neste tema há alguns mais divertidos, como o dramaturgo alemão Bertolt Brecht para quem se deve “primeiro comer, a moral, depois”.

14/06/2012

Encontros e despedidas

Solaninho  (foto-Solano Reis)

Ele chegou bem de mansinho. Sem fazer muito alarde foi conquistando um espaço entre nós. Discreto, certamente se assustou quando foi recepcionado por um sem número de máquinas e celulares que tomaram conta da maternidade. Todo mundo ali, como uma torcida em dia de clássico.  Olhos vidrados acompanhando cada cena, captando imagens, vibrando, delirando com um chorinho, com um aperto dos olhos, com uma careta. Levou sua pequena mão à boca. Ficou longo tempo com a mão no queixo, parecia um pensador buscando uma solução a um problema intrincado. Problema, que nada, o rapaz ainda desconhece o que seja isso. Seu mundo é o do descanso, é o da introspecção. Dorme o sono dos justos, inatacável, irremovível. 
O Solaninho, assim chamado por todos os familiares, chegou há pouco mais de uma semana. Filho do Marcelo e da Camila. É meu primeiro neto. Recebeu meu nome de presente, causando certo constrangimento. Não para mim é claro. A Camila, no entanto, já tem até discurso pronto. Suas conhecidas e amigas não conseguem disfarçar a surpresa quando perguntam o nome da criazinha.  Depois de explicar que o nome é uma homenagem ao avô ouve, invariavelmente, um “é um nome diferente, né!?”.

09/06/2012

O mistério das bergamotas

As bergamotas mais doces e mais belas são aquelas que nossos braços não alcançam. Estão lá no alto, na ponta de galhos finos que não suportam qualquer apoio. É necessária uma obra de engenharia para fazê-las descer das alturas e transformá-las na sobremesa desejada. Para atingir o objetivo vale de tudo. Sacudir a árvore, estratégia das mais usadas e que pouco resultado apresenta. Vêm ao chão as bergas doentes, as feinhas, aquelas que não são desejadas. As belas permanecem lá onde estão. Parecem rir de nosso inútil esforço. Cutucá-las com uma taquara também é válido. Porém, da mesma forma se mostram resistentes e risonhas, especialmente diante de nossa falta de mira.
As bergamotas, que nestes tempos de Outono são encontradas em profusão nos mercados, são frutas ácidas que empreenderam uma longa viagem até chegarem até estas terras. Conhecidas também como vergamota, mimosa, mexerica, tangerina, laranja-mimosa, poncã saíram da Ásia e aqui chegaram em tempos remotos. Segundo consta o nome original é Tangerina ou Laranja de Tânger que curiosamente fica no Marrocos, na África.

08/06/2012

Ademir Brum: O último Dia

Ademir Brum (Foto- Vadinho)

Recebemos hoje pela manhã, dia 08 de junho, a triste informação da partida de Ademir Brum. Era um cronista da cidade, um amigo de todos, um sujeito de respeito. Gostava de coisas simples como o futebol, do cafezinho com os amigos, de um bom papo. Era agradável. Tinha um texto limpo, simples, leve. Era capaz de abordar os assuntos mais difíceis, mais complexos com graça, com um humor leve, nunca ofensivo. Fomos colegas no Jornal Novo Tempo, lá nos anos 80. Ultimamente escrevia no Jornal Bons Ventos e colaborava no site Osório News. 
Em sua homenagem posto uma de suas tantas crônicas.  


O último dia

O que você faria se só lhe restasse apenas um dia de vida? Se por um motivo qualquer você descobrisse que está prestes a morrer e que às 24 horas seguintes são as últimas de sua vida? Nessa hora a mente entra em parafuso e é povoada de lembranças, dos sonhos que não realizou e de todas as oportunidades que não aproveitou. Você começa a desenterrar aqueles desejos mais íntimos que passaram anos escondidos no fundo da alma. Lembra-se das pessoas que passaram na sua vida e que significaram algo para serem lembradas durante estas últimas 24 horas, Alguns responderiam prontamente que no último dia fariam aquela viagem tão sonhada, no entanto não daria tempo. Outros poderiam responder que gostariam de rever aquela pessoa especial, no entanto...não daria tempo.
Ainda assim, as pessoas insistiriam em querer realizar sonhos e desejos que certamente não são compatíveis com o tempo disponível. Você lembrará do gesto de delicadeza que muitas vezes não foi lembrado, o bom dia que não foi dito, o sorriso que não foi ofertado. Você se questionaria de todas as desculpas que inventou pra si mesmo, para evitar aquela fantasia que lhe consumiu uma vida inteira. Não haverá tempo para aquele projeto, aquele desejo.
Todos nós temos os mais diversos anseios, sonhos que fervilharam nossas noites de insônia e a frustração diante da impotência de realizá-los. Sofremos com a aparente dificuldade em sermos felizes, pois acreditamos que a felicidade está no desejo mais distante, menos palpável, mais arriscado. Por isso, no último dia de nossas vidas, a vontade imediatista, corriqueira, torna-se simples. Relaxe e respire fundo, pois a situação é hipotética. Mas esse dia, fatalmente chegará, portanto, não deixe para depois o perdão a ser pedido, não deixe para depois o beijo ensaiado. Faça um grande favor a si mesmo, não deixe para depois, pois um dia você vai se dar conta que não há mais tempo.

04/06/2012

Coisas da vida

Um tal de corredor polonês foi implantado no banheiro masculino no Colégio Conceição. Perfilados em duas colunas os agressores se colocavam dentro do banheiro. Na hora em que a pobre vítima passava era puxada para o seu interior e levava alguns safanões. Nada que não pudesse ser suportado. Não restavam marcas nem ferimentos. Era uma brincadeira. Uma violência controlada pelos meninos bem nascidos da cidade, impulsionados pelo desejo de emoção naquelas tardes frias.
Engana-se quem acha que as manifestações violentas (de leve moderação) só se davam no recreio. Imperava ainda o costume patético do castigo. Na escola pública, onde também estudei, alguns professores seguravam o ímpeto dos pestinhas e indisciplinados com verdadeiras sessões de tortura. Isso mesmo, tortura! Uma régua de madeira, quadrada e longa era manejada com rara precisão por uma professora. Éramos obrigados a mostrar as unhas diariamente. Se estivessem sujas a providencial régua zunia contra os dedos temerosos dos pequenos. Alguns tentavam ludibriá-la, retraindo a mão rapidamente. Esforço inútil. Sempre perdiam.
Ela caminhava ostentando um sorrisinho sarcástico. Talvez sentisse alguma satisfação ao olhar aqueles olhinhos temerosos, escondendo as mãozinhas e suas unhas mal feitas. A professora, por certeza uma real descendente de Tomas de Torquemada, ainda tinha no seu repertório uma série de apetrechos para assegurar a disciplina e a ordem. Uma tábua com tampinhas de garrafa pregadas com a parte cortante para cima e o providencial milho. Um deslize, uma só manifestação de indisciplina e o aluno era apresentado ao tapete de tampinhas ou ao cereal. Ali ficavam como faquires de sete ou oito anos meditando algum tempo.
Passei ao largo de tudo isso. Era comportado. Talvez fosse pequeno demais e por isso tenha ativado algum profundo sentimento humano na professora. Afinal, um pouco de ternura sempre pode residir lá no fundo dos seres malvados. Mas, ao puxão de orelhas, prática pedagógica por demais corriqueira, não passei incólume. Em outra escola, é bem verdade, a professora havia colocado no quadro uma série de contas de multiplicação. Chamava um por um para resolvê-las. Minhas pernas pesavam centenas de quilos só de pensar. Nem que quisesse teria a capacidade de levantar da cadeira e me dirigir até a frente da turma, empunhar um giz e resolver qualquer questão nem que fosse dois vezes dois. Os números se embaralhariam, o mundo começaria a rodar e seria um rotundo fracasso. Para me tirar da letargia a professora se dirigiu decididamente até minha classe, apanhou-me pela orelha e me conduziu até o quadro verde. Entregou-me o giz e disse "agora resolve!". Minha previsão estava correta. O fracasso se fez presente. A minha incompetência resultou na condução de volta para meu lugar pela orelha.
Não preciso dizer para ninguém que sempre convivi muito mal com os números. Hoje a calculadora, presente no computador, no celular, me salva. Não havia bullying nem as ações de dano moral. Prosperassem ações deste tipo e talvez fossemos milionários hoje em dia.
Percalços e interpretações equivocadas fazem parte do processo. A verdade é que, ainda assim, sou grato ao período em que estive dentro de uma sala de aula. Dali nasce um mundo melhor. Os professores estão na base da construção de um país. Por isso devem ser bem remunerados. Sem pagamento justo não há como implantar uma educação transformadora. Os salários pagos são aviltantes. As desculpas são esfarrapadas, inconsistentes. Carência de recursos, excesso de professores e blá-blá-blá-blá. O discurso de hoje não é o mesmo da campanha. Coisas da vida!

24/05/2012

O valor do silêncio

Nosso tempo é do barulho. Se ainda não notou vá até a frente da sua casa ou na sacada de seu apartamento, feche os olhos por dois ou três minutos e contem a infinidade de sons advindos das mais diversas fontes. Os automóveis contribuem para boa parte dos ruídos, a betoneira na construção próxima também. A algazarra das crianças no recreio da escola é hors concours. É um verdadeiro mistério da criação. Como seres tão pequenos conseguem emitir sons tão elevados?
O silêncio é coisa rara. Nestes tempos de frenesi, de correria, de incansável busca pela instantaneidade, a falta de barulho é mesmo vista como negação da vida. O silêncio é o fim. A vida é barulhenta. Esta premissa, no entanto, carece de verdade. É falso crer que no silêncio há inatividade. Pelo contrário, há no silêncio infinitas possibilidades de crescimento para os seres que pensam.
O silêncio é importante componente cultural. Nas sociedades iniciáticas o silêncio é considerado indispensável para que o conhecimento permaneça entre aqueles que foram admitidos nas suas fileiras. É uma herança do costume empregado pelos grandes magos e sacerdotes egípcios que exigiam o silêncio absoluto para que os aprendizes descobrissem a meditação. Buda também valorizava o silêncio como forma de contemplação.

17/05/2012

O homem de bem

Não é nenhuma novidade que os tempos são outros. Nas duas décadas que se passaram a Terra cresceu em informação. O mundo todo em só clique. Liberdade de informação a todos, indistintamente. “Dê-me um mouse e eu desbravarei o mundo”, diria hoje com razão o matemático Arquimedes. Imaginava-se que, diante desta tal liberdade, os costumes mais arraigados e menos construtivos sofreriam um grande baque.
Que nada! Não obstante o acesso e o amplo domínio da linguagem das mídias pós-modernas pela meninada resiste ainda entre estes mesmos jovens o ranço do preconceito. Não há coisa mais antiquada do que discriminar o outro. Cenas execráveis as protagonizadas pelos meninos e meninas que de celulares em punho acompanham a selvageria cometida por grupos contra colegas. Vez por outra os lamentáveis espetáculos produzidos nos corredores de escolas ou na saída das aulas tornam-se virais nas redes sociais. O que se vê? Jovens de tenra idade saciando sua sede. A violência estudantil, que não é coisa de hoje, é a reprodução do mundo intolerante que vivemos.

09/05/2012

Paciência de mãe

Minha mãe tinha muita paciência. O dia já havia se despedido a horas. No céu a lua mostrava-se brilhante. A bola, murcha, disforme, velha, ainda assim era perseguida pelo que restou da turma. Quatro ou cinco já haviam abandonado a peleia. Obedientes, sucumbiram aos primeiros chamados de suas mães.
Eu não. Era teimoso. Fome de bola. Não que fosse um filho desobediente. Era, isso sim, um moleque acometido de raro caso de surdez que durava enquanto a bola rolava pelo campinho ralo, cheio de tocos, irregular. Ali era o Maracanã. Na verdade, era uma tira de terra, espremida entre as casas e uma malha de eucaliptos. A goleira era de um passo, com as velhas havainas fazendo papel de poste.
As contendas diárias após a aula seguiam até a luz do dia esmaecer. Tentávamos acertar o que parecia ser uma bola de futebol. Minha mãe, vez que outra, apontava na janela gritando meu nome. Às vezes, entre um chamado e outro, uma verdadeira batalha se estabelecia. Tinha pressa de fazer mais um gol, mais pressa ainda tinha de deter os ferozes atacantes que se lançavam como um bando de guerreiros contra o meu território. Queriam a vitória a todo custo. Sentia-me ungido quando evitava o desastre. Acabado quando não reunia forças para impedi-los. Neste contexto, sempre parecia que um segundo a mais seria decisivo para definir aquela guerra. Era caso de vida e morte. Minha mãe entendia e tinha paciência, muita paciência.
Em casa, após as lutas homéricas no Maracanã, reunia o que sobrava de forças para um rápido banho e para um café com bolo frito. O corpo, ainda cansado, adormecia sem piedade. Acordar somente após três, quatro chamados. Muitas vezes somente após ser providencialmente sacudido pela minha mãe. Ocorre que as batalhas do campo do dia seguinte tinham sequência na noite. Nos sonhos defendia e atacava os territórios inimigos. Fazia gols e salvava milagrosamente o time. Vivia com fome. Com fome de bola. Minha mãe entendia. Ela tinha muita paciência.

08/05/2012

Uma boa conversa

O ano é de eleições. Prefeituras e Câmaras tendem a ganhar novas caras. O momento é de lançar as figurinhas. Até as convenções não há candidaturas postas. Somente postulantes. Agora, neste período que antecede a campanha propriamente dita, é a hora dos arranjos, dos acertos, da formulação de propostas para fechar os acordos partidários.
O bolo ainda não está pronto. Nem no forno está. Sobre a mesa ainda estão os ingredientes: farinha, fermento, ovo, açúcar, uma pitada de sal, leite ou suco. Alguns utensílios já estão postos, aguardando o início do processo. O bolo está ainda por ser feito. Mas o seu projeto já está sendo servido. Suas fatias virtuais, com certeza, já estão sendo milimetricamente cortadas nos encontros das cúpulas partidárias. Cada grupelho leva tantas fatias conforme sua pretensa densidade eleitoral ou conforme sua fome de poder. Máquina de calcular é indispensável sobre a mesa das negociações. Ah, e levantamentos eleitorais dos pleitos que se passaram.

25/04/2012

Tudo passa

As meninas se abraçam, cantam, riem e pulam. A alegre canção de forma mágica as une e as afasta do mundo real. A hora do recreio é a hora da fantasia. Habitam um mundo próprio, onde o riso franco cria uma carapaça que impede a entrada das preocupações cotidianas. Assim seguirão um tempo. Os meninos, de outra banda, medem força daqui e dali. Juntam-se em clubinhos particulares. Correm pra lá e pra cá. Gastam suas energias enquanto não são despertados pelo soar do indefectível sinal emitido pela campainha.
  Chega uma hora, porém, em que os recreios tornam-se menos mágicos. O tempo passa. Para trás vão ficando as ingênuas brincadeiras. As preocupações já são outras. As meninas deixam de cantar. Os meninos param de correr. São outros os seres que andam pelos corredores e pelo pátio da escola.
Tudo passa. Muda o tempo, muda o espaço, mudam os seres. As meninas e os meninos colhidos pela passagem do tempo não se verão mais brincando infantilmente. Alguns deles, anos mais tarde, até esquecerão que viveram dias de infantil alegria. Os que conseguem manter em suas mentes as memórias dos tempos da ingenuidade, no entanto, saboreiam um gostinho de magia.

21/04/2012

O contador de histórias

Arte sobre foto

Faz uns três anos que posto minhas crônicas neste blog, após  a publicação no Jornal Bons Ventos. Já escrevi sobre quase tudo. Já abordei a felicidade, a dor e o sofrimento, o abandono, as paixões futebolísticas, a velhice, a morte e a vida, a beleza, o tempo, o frio. Puxei do fundo da minha fraca memória os anseios que tive enquanto criança, as dúvidas e as descobertas de um adolescente tranquilo que passeava sem pressa e sem medo pelas ruas duma cidade provinciana. Aqui discorri sobre as tramas familiares, as incertezas do mercado, as jogadas da mídia, os meandros da política. Nem sei ao certo se ficou alguma panela que não tenha metido minha colher.  Até o Papai Noel foi malhado por aqui. Aliás, uma das crônicas mais lidas no meu blog é justamente uma que fala sobre a origem deste personagem e a sua ligação com a gigante Coca-Cola. 
Uma das experiências mais intrigantes ocorreu há algum tempo. Enquanto percorria os corredores do supermercado, fui abordado por um perspicaz repositor que perguntou à queima roupa: por que você escreve no jornal? Confesso que fiquei surpreso como quem leva uma rasteira, embasbacado com a apressada indagação que nem lembro a resposta dada. Talvez tenha dito “sei lá, sou amigo do dono!” ou “talvez acreditem que escrevo coisas interessantes” ou, ainda, “quem sabe tenha sido convidado por falta de outra opção melhor!”.

05/04/2012

O medo da morte

O ex-presidente Lula, que passou recentemente por problemas de saúde, tem medo da morte. Disse há alguns dias que se ela estiver em algum lugar na China, ele estará anonimamente em algum lugar da Bolívia. Buscará esconderijos insuspeitos para privar seu corpo da finitude indesejável. Ou seja, deseja guardar bom distanciamento do evento inevitável que colocará fim à sua existência.
Ele não está só. A morte sempre representou para os homens o fim de tudo, o ocaso dos sonhos e das alegrias. A imagem mais difundida que se tem dela é a de uma senhora de cabelos desgrenhados, vestida de longa e larga roupa negra, com capuz cobrindo seu rosto descarnado, carregando em uma das mãos uma ceifa, aguardando pacientemente o exato momento de executar sua colheita.

27/03/2012

Um muro no meio do caminho

Todas as pessoas têm dificuldades. É praticamente impossível passar por aqui sem algum desencanto, alguma dor, algum sofrimento. E isto não é uma constatação pessimista. É fato. Em menor ou maior grau, com maior ou menor intensidade, todos os humanos passam por problemas ao longo do tempo. A perda de alguém, uma decepção aqui ou acolá, frustrações das mais diversas ordens sempre marcam nossas existências. Ainda bem que, mesmo diante de tudo isso, ainda sobra tempo para termos nossas satisfações e prazeres.    
Há, diante das dificuldades, uma infinidade de caminhos. Há os que não solucionam o caso. Sucumbem. Vivem os seus dias acossados pelos problemas insolúveis que os seguem ininterruptamente. Outros se dedicam a eliminar os entraves. E lutam dias e dias criando estratégias para vencê-los. Quando cansam, e o cansaço faz parte da luta renhida, dão um tempo e depois voltam à peleja.  Há, ainda, aqueles que transformam os obstáculos em catapultas que os impulsionam a locais nunca explorados. Transformam a dor,  socializam o sofrimento não como um pesado lamento, mas sim como um peça de arte.

23/03/2012

O fim do mundo

Nostradamus
Não é só em São Francisco de Paula que há temor pelo fim do mundo. Em todo o planeta pipocam os partidários de que a Terra chegou a 2012 e daí não passará. Aliás, esta crença é muito antiga. Conta-se que os europeus sentiam-se na ponta da espada. A espada descia mais sobre suas cabeças quanto mais se aproximava do ano 1000. A paranoia era tanta que nenhuma obra era iniciada, os governantes relaxaram, as pessoas passaram a aguardar o fim dos tempos.
E o tempo chegou. E, "milagre, supremo milagre!" o sol continuou a brilhar cada vez mais forte. A neve continuava a cair onde devia. E a vidinha continuou a de sempre. Os miseráveis, que se consideravam livres das dores e dos sofrimentos, continuaram carregando seus fardos. E os poderosos e exploradores continuaram em dia com a sua fúria.
Porém, os arautos do desastre que não houve foram convocados a darem suas explicações. A mais óbvia delas, alguém, desavisadamente, havia errado nos cálculos. Como naqueles tempos não havia estagiários para levar a culpa, então debitaram na conta de Júlio César e de Augusto César, imperadores romanos que reformaram o calendário incluindo dois meses (julho e agosto), a imprecisão na data do fim dos tempos.