21/12/2016

Os Gnomos, as Fadas e os Elfos

Houve um tempo, quando ainda era uma criança impertinente, que não acreditava em gnomos, elfos, fadas. O mundo real me parecia tão fascinante. Crianças brincando entretidas com bolas meio murchas, adultos dedicando-se a construir suas vidas. Hoje noto que  o meio em que vivia não era nada fantástico. A realidade era um tanto quanto dura, formada por uma fórmula onde os ingredientes mais comuns eram os salários minguados, o desemprego, encrencas por pouca coisa, danos causados pelos vícios do jogo e da cachaça e estas situações tão corriqueiras na vida das pessoas sem muitas posses, sem muito estudo e, aparentemente, sem futuro brilhante.

O Envenenamento

Sócrates, filósofo grego, foi condenado à morte. Em sua cela, após refutar a possibilidade de negar suas ideias e pedir clemência, ingeriu, conforme a pena prevista, um dose de cicuta, uma planta contendo veneno mortal. Poderia ter evitado isso. Mas, preferiu manter-se firme e forte na convicção da imortalidade da alma do que viver mais alguns anos como um velho desonrado. 
Historicamente, o veneno sempre foi meio eficaz para a morte silenciosa. Nos tempos mais antigos, antes das garantias e certezas dos exames laboratoriais, o envenenamento era morte certa e autoria quase sempre indefinida. Nos manuais de medicina legal, ainda consta que foi, por muito tempo, a forma de vingança mais feminina. O tal veneno da mulher literalmente passava por algum frasco contendo alguma substância que corroía o desafeto a partir de suas entranhas.

12/12/2016

O Figurante

Thomas Alva Edison
Era um aluno que não vibrava. As atividades propostas pelos mestres encontravam algum engajamento nos demais. Nele não. Era um estudante desligado. Tornou-se um problema para alguns professores. Avaliá-lo era difícil. Parceia que não tinha talento para nada. Não demonstrava interesse. Enfim, era um desastre. Um professor, do alto de sua sabedoria, de seu objetivismo, decretou que ele não era desprovido de talento. Ao longo da vida seria um mero coadjuvante. Isso se todos os astros conspirassem a seu favor. O esperado, porém, é de que os astros dessem as costas e o  aluno não passasse de um figurante, destes que aparecem alguns segundos na tela com o rosto desfocado caminhando enquanto as câmeras flagram as mínimas expressões dos  rostos dos protagonistas.
Rejeitado na escola, passou a ser educado pela própria mãe que lhe apresenta as lições mais de acordo com o seu gosto. Assim, o aluno rebelde e imprestável para o sistema de educação, começa a se jogar de corpo e alma nos livros de ciências. Apoiado pela zelosa mãe, monta um laboratório onde começa a fazer pesquisas. Vez por outra algum estrondo balança a casa, resultante da mistura inapropriada de elementos químicos.

29/11/2016

Vida e Morte

As palavras estão aí e precisam ser encontradas. Não cabe ao cronista escrever algo no estilo “não tenho palavras para explicar” ou “não encontrei as palavras”. A coluna do jornal precisa ser preenchida. Não há como deixar um espaço em branco. Tem que haver algo publicado ali. De preferência com letras, com palavras e com ideias que, de algum modo, façam sentido aos leitores. Então, é necessário, é indispensável, é um imperativo que se escarafunche  e que algo seja dito.
Explico: é terça-feira. Uma terça-feira diferente. O sol sai de vez em quando. Mas, nuvens insistentes cobrem boa parte do dia. Os sites, os jornais, a tevê, as rádios, as redes sociais. Todos. Todos estão conectados com a queda do avião da delegação da Chapecoense. Vidas se foram. Familiares são entrevistados insistentemente. As pessoas querem explicações. O que houve com o avião? Houve falha humana? O desastre poderia ser evitado? O clube poderia ter gasto mais algum recurso e conseguido uma aeronave melhor?

24/11/2016

Copiar e Colar

Recebo cada link, cada postagem, vejo cada publicação nas redes que vou te dizer. Absurdos homéricos são divulgados como se fossem informações corretas. “Vamos acabar com o auxílio-reclusão. Cada preso ganha 1.200,00 por mês enquanto o salário mínimo que a população recebe é só R$ 880,00”. Tenho recebi coisas deste tipo de virtuais amigos que cursaram ensino superior, de empresários razoavelmente bem estabelecidos e de gente deste quilate.

22/11/2016

A Pressa

A pressa é uma marca dos tempos atuais. Tudo é na hora. Não há espaço para depois. Parece que todo o mundo está com a mãe na forca, como diriam os mais antigos. A comunicação instantânea talvez tenha contribuído para isso. As respostas têm que, obrigatoriamente, serem dadas logo após o sinalzinho duplo e azulado aparecer na tela. Minutos são horas. E horas é a própria eternidade.
Com a democratização da opinião, através das redes virtuais, criou-se outro mal, tão prejudicial quanto a pressa: a necessidade de reagir. Parece que é uma obrigação que todos tenham uma opinião formada sobre tudo, “sobre o que é o amor, sobre o que eu nem sei quem sou”. Quem não opina tá por fora. E quem opina, quem toma partido, quem se apaixona pela tese é bem capaz de servir de cristão aos leões. E os felinos têm uma carência invejável. A fome é grande. Polêmica, polêmica, polêmica. Por pouco, pisa-se no pescoço e quebram-se os ossos. Um pouco de exagero, é claro.

10/11/2016

Sem Reclamações

O célebre reclamão Garfield,
 de Jim Davis
Um dia sem reclamação. Só um. Nada de lamentar o tempo quente e abafado, a falta de vento, o preço assustador do litro de gasolina, o excesso de trabalho ou a falta dele, a grana curta no bolso ou o saldo negativo no banco. O negócio que era para fechar e não fechou. A pouca valorização que o vendedor deu pelo carro usado e a supervalorização atribuída por outro um pouquinho só mais novo.
Um dia sem reclamação. Só um. A falta de vitória do time do coração. O desempenho trôpego de quem representou para ti uma grande esperança. A gordurinha que  sobra do lado, o cabelo que não se ajeita p ou que abandona a cabeça e não volta mais. Uma ruga, disfarçada de  sinal de expressão, que denota que o tempo vai marcando sua marcha pelos rostos dos viventes.  O livro que dorme infinitamente do lado da cama. A grama que cresce neste tempo e exige algum suor ou algum dinheiro para pagar o rapaz que corta, apara, recolhe e pede, de vez em quando, uma água gelada, “porque sem água gelada não dá para enfrentar este calorão”.

O Perdão

O ato de perdoar é coisa de religioso. É fora de moda. É coisa de outros tempos. É, talvez, até meio babaca. Coisa de gente fraca que abaixa a cabeça para tudo e para todos e que não se valoriza. Os tempos são outros. É hora de fazer valer o poder individual. Exercitar sua vontade. Cada um no seu quadrado. Pisão no pé se paga com pisão no pé. Dedo no olho com dedo no olho. Simples assim. Direto e reto, sem escalas.
O escritor Moacir Costa de Araújo Lima, físico, professor e conferencista, que lançou no ano passado a obra Perdão e crônicas para uma vida plena, acredita que perdoar é uma necessidade urgente para que os homens garantam uma boa saúde e uma vida mais promissora do que se leva aqui na Terra. Ele, que abriu a Semana Espírita da Sociedade Espírita Amor e Caridade, chega a dizer que as leis da Física mostram uma realidade imodificável que não é condizente com o conhecimento necessário para que a espécie humana evolua. 
Assim, em algum momento, é necessário que o próprio indivíduo assuma seu processo existencial e desprograme sua mente dos pensamentos que limitam a criatividade e a possibilidade de crescimento. Citou os conceitos da religião antiga que apresentava o Criador como um deus vingativo, mal humorado e muito pouco compreensivo. Além do pecado original e da culpa, dois outros pensamentos muito valorizados na cultura judaico-cristã e que acompanham as gerações há muito tempo.

21/10/2016

As Tribos

"Consta que cada dia é um novo dia.
O automático não existe mais."
Boa parte das pessoas acorda pela manhã e se prepara para um monótono dia. Todas as coisas são feitas de maneira repetitiva. Dia após dia, as mesmas ações. Despertou o relógio e começa a correria. A rotina começa aí e vai até a última ação. Correm pela consolidação da carreira profissional, pelo sucesso financeiro, pelo bem da família e por ene razões não tão claras assim.
Não é incomum que o indivíduo siga pela vida toda fazendo as mesmas coisas, da mesma forma na mesma ordem. Ligado o automático, vão seguindo por ruas, avenidas, repartições públicas, mercados sempre no mesmo ritmo. E o tempo vai passando e a vida vai seguindo. Os anos, os meses, os dias, as horas e os minutos vão passando porque passam sem pedir licença para ninguém.

A Maledicência

As cadeiras eram colocadas embaixo das árvores. Na frente das casas. Os tempos eram outros. Não havia esta insegurança que aprisiona todos dentro de casas que mais parecem prisões. A sombra era necessária. Se alguma brisa movimentasse as folhas, melhor. Era sinal de frescor. Se o vento estivesse muito forte, corria sério risco de que a erva mate fosse retirada da cuia. Na roda de mate das comadres, entre um gole e outro, as preocupações mais comuns estavam relacionadas à vida. Não a vida de cada uma delas. Mas, a vida dos outros.
As comadres eram conhecidas na cidade e faziam parte do grupo “As Maledicentes”.  Iam à igreja aos domingos e, sempre que possível, confessavam seus parcos pecados. De quebra algumas delas confessavam, vez por outra, os pecados dos outros. Tinham medo do inferno. Mas, sabiam que na lista de pecados não havia qualquer menção à maledicência. Apesar de crentes, quando apertava a situação, iam na cidade vizinha e batiam o tambor num centro espiritualista em busca de sorte nas finanças e no amor. Às vezes, no meio dos pedidos incluíam um pouco de azar para esta ou aquela.

A Voz das Urnas

O indivíduo quando coloca a cara no mundo entra numa escola. Ninguém nasce sabendo, diziam nossos antepassados, com a nítida intenção de empurrar alguma missão que temíamos fosse maior do que nossa capacidade e, principalmente, nossa disposição. O trocadilho valia como uma senha. Se ninguém nasce sabendo vai lá e faz do jeito que der. De preferência com algum esforço e esmero. Se o erro vier no final ele mesmo servirá como modelo para que a prática seja modificada e tudo se ajustará mais dia menos dia.
Em praticamente tudo na vida esta regrinha básica serve. Na política, no esporte, na vida social. Ninguém nasce sabendo. Então, é importante vencer o medo. Fazer as coisas que devem ser feitas. E o resultado aparecerá. Aquele que couber.

27/09/2016

O Sol

Era pequeno ainda. Talvez não tivesse completado  a primeira dezena de anos de vida. Nas horas vagas, nos dias em que não havia aula, nas férias, feriados religiosos e no turno inverso, desde que o sol brilhasse e as nuvens não fossem carregadas, vivia fazendo pequenas incursões pela mata. Não transitava por estas florestas de mundo mágico, cheias de duendes e outras criaturas que só fui conhecer nos livros de histórias. Eram matinhos próximos de casa.
Eu e meus amigos formávamos pequenos exércitos de exploradores. Na verdade o exército se resumia a dois ou três corajosos soldados que avançavam decididamente com o intuito de reconhecer o território e conquistar tudo o quanto fosse possível. Apesar da audácia, mantínhamos algum cuidado. Não era medo. Era precaução. Cuidávamos para que nossos pés com o indispensável atrito com o terreno não gerassem ruídos exagerados e espantassem os animais selvagens, que porventura estivessem por ali ao alcance de nossas flechas e lanças.  Como estes bichos são ladinos e precavidos jamais ousaram se colocar na nossa mira.

15/09/2016

Os Mundos

Quando estávamos nas cavernas, o mundo era pequeno. A bem da verdade, era o mundo grande lá fora, mas, os animais que tomavam conta do planeta eram maiores e  mais ferozes. Convinha manter-se perto do esconderijo. E o que os olhos não enxergavam era como se não existisse. E os olhos pouco viam.  
A segurança vinha em primeiro lugar. Era questão de vida ou de morte. Os descuidados eram punidos. E ficar por aí explorando os arredores era coisa para poucos. Assim, o grande mundo se apequenava. Os donos eram outros. Os limites eram impostos pelo tamanho dos dentes, das garras e pela intensidade da fome.
Com o aparecimento do fogo, da lança e de alguns instrumentos rudimentares, mas, eficazes, o nosso mundo foi crescendo. Num dado momento, quando as cavernas já eram coisas do passado, os limites era outros. O frio excessivo em alguns lugares, a falta de alimentos em outros, a seca e outros inimigos contra os quais as armas eram bem pouco eficientes.
Não se sabe ao certo, mas em determinada era, os homens deixaram de se preocupar com as feras e com as variações de climáticas. Começaram, então, a lançar olhos pelas coisas que os outros homens, agrupados em pequenas tribos, faziam. E o olhar de cobiça foi crescendo. E as tribos, então, entraram em lutas para conquistar aquilo que não tinham. Valia tudo: terras, plantações, animais, mulheres, meninos e meninas para servirem de escravos.  Valia a pena sair por aí, por esse mundo enorme e sem fim, conquistando tudo o que se pudesse. 
Algumas dessas tribos criaram seus deuses e os homenageavam com tudo o que tinham pilhado no campo do inimigo. E deram a isso o nome de vitória. Acreditavam mesmo que seus deuses vibravam quando o corpo do inimigo caia sangrando na terra.  Sentiam mesmo que seus deuses os abençoavam. E a benção crescia na medida em que as vitórias se acumulavam. Assim, chegou um tempo em que não havia como não guerrear. Os deuses assim queriam. Era uma questão de fé.
Porém, toda a brincadeira por melhor que seja um dia cansa. Guerra, vitória, fé. Tudo isso misturado começou a não fazer mais sentido. E alguns aqui e acolá começaram a falar que os inimigos não estão lá, na outra tribo. Que os deuses nem no céu estão. Que os troféus de guerra são inúteis. E de loucos foram chamados. E disseram mais: que os inimigos do homem estão dentro dele mesmo e que cada ser carrega também dentro de si algo de divino.  E isso soou engraçado porque todo o mundo sabe que imperfeito é. Criou-se um problema, que alguém chamou de paradoxo. Se o indivíduo é imperfeito e o Criador não é, como pode o imperfeito carregar o perfeito dentro si?
Mas um sábio, que nem chinês era, levantou e disse que o homem deve buscar o autoconhecimento mergulhando nas suas entranhas, encarando seus ácidos e seus açúcares.  A partir daí, criando um novo ser. Como diz a gurizada: “tipo nascendo de novo”. Aí estaria o sujeito agindo como um deus, criando um ser melhor do que aquele que vinha claudicante pelo mundo afora. E este novo ser enxergaria o mundo com outros olho, pois a visão que tinha ficou lá atrás.

12/09/2016

Fatos e opiniões

Cada ação, cada acontecimento é um fato. A vitória da seleção na Olimpíada é um fato. A derrota do time no Brasileirão, outro fato. Um assassinato em Porto Alegre: triste, lamentável e quase corriqueiro fato. São fatos. São coisas objetivas. Boas ou não. São comprováveis por documentos, números, gráficos, imagens e registros.
O que se ouve sobre tudo o que cerca cada fato são opiniões. É a percepção das pessoas sobre as razões, as circunstâncias, as motivações e uma série de outros institutos subjetivos sobre o fato, levando em conta o juízo de valor que cada um imprime. Então, opinião não é fato. É a versão concebida por alguém de um fato. O fato é imutável, a opinião pode ser modificada ao longo do tempo.

01/09/2016

A Promessa

Fazer uma promessa, nos tempos mais antigos, era assumir uma dívida. Uma criança nascia com algum problema de saúde, às vezes somente muito mirrada e fraca, e a mãe se grudava no santo do dia: fosse João, José, Roberto, Vicente, Jerônimo, Wenceslau, Nicolau, Rosária, Regina, Aurélia ou Das Dores, não importava. Importava isso sim, que alguém, santo ou arcanjo, se sentisse homenageado o suficiente para garantir a vida daquele que nascia.
De outras artimanhas se lançavam mão naqueles dias. Uma junção de pequenos com menos de sete anos de idade ao redor de uma farta mesa (quando possível). Era a mesa dos inocentes, uma forma de honrar uma graça recebida. Comida para encher os olhos e as barriguinhas da gurizada.
Outros criavam compromissos como não cortar o cabelo da criança por um determinado período ou vesti-la invariavelmente de branco nas missas ou coisas neste estilo.  E ai de quem quebrasse o pacto. A promessa era uma dívida e deveria ser paga, sem lamentações nem arrependimentos. Pagar a dívida é o mínimo que se esperava.

24/08/2016

A Mentira

A mentira tem pernas curtas, diz o surrado e certeiro ditado popular. Por mais que ela consiga viver algum tempo ostentando a sublime aparência de verdade, não adianta:  mais dia, menos dia ela desaba. E aí, azar de quem a pariu.
Por aqui, onde há palmeiras em profusão onde os sabiás cantam, somos levados a crer que a mentira é uma instituição nacional. Até certo ponto pode-se dizer que é correto. A mentira anda para cima e para baixo. Vai de Norte a Sul, de Sul a Norte neste reino verde e amarelo, fazendo estágios prolongados pelo Planalto Central, tornando aquele ponto quase como sua morada preferida.
Mas, a bem da verdade, não podemos desconhecer que a danada da mentira é, isso sim, uma instituição internacional. Ela está no meio dos mais pobres, mas também anda de mãos dadas pelos mais altos escalões. E não é capaz de distinguir o público e o privado.

19/08/2016

O Componente Místico

Do lado de tudo fica tão fácil. O brasileiro vinha bem. Faltava pouco. A medalha já se insinuava no quadro. Mas, faltou um pouco de concentração. E ele foi perdendo fôlego. E os de trás foram passando. E nosso representante caiu. Era uma vitória certa. Tivesse um pouco mais de capricho, de garra, de determinação, de esforço. Ou de treinamento, mesmo. 
Do lado de tudo fica tão fácil. O jogo está pegado. Os atacantes perdem chances incríveis.  O treinador também não colabora. Escala o time muito mal. O esquema não funciona. A arbitragem também não está muito atenta. Não marca falta. Deixa o jogo andar. No fim, a culpa é de todo o mundo.  A culpa é da diretoria que contratou errado, que escolheu o treinador inexperiente, que não renovou o contrato de alguém, que não contratou outro. O time despenca na tabela. E o campeonato nem é tão difícil assim. Parece que falta um pouco de raça, de gana, de determinação.
Do lado de cá tudo fica tão fácil. Bastava investir um pouco mais no esporte. Dinheiro tem. Aí estaríamos lá em cima no quadro de medalhas. Daria até para protagonizar uma disputa com os EUA e a China. O governo não ajuda, também. Só recolhe impostos e não dá nada em troca. As soluções estão aí. Basta querer.

15/08/2016

Sócrates e Galvão

A impressão é de que todos nós estamos
sobre um solo rico em pedras preciosas.
 Porém, não há como saber onde elas estão.
Filósofos, místicos, religiosos e curiosos de todas as tribos vêm dedicando algum tempo na análise da existência humana. São alguns milhares de anos de perguntas, respostas e conclusões parciais. Para cada resposta dada, novas questões vão surgindo. Ciclos e mais ciclos vão sendo criados sem que seja antevisto algum fim possível. Há conclusões definitivas, é claro! Mas, o tempo vai passando e o definitivo vai ficando para trás. 
Quais as finalidades da existência? Onde isso tudo leva? Qual a contribuição de cada um neste processo?  Qual a importância do indivíduo? E do grupo? As questões são infindáveis tanto quanto são as teorias existentes.

27/07/2016

O Macarrão

Julius Moser - 1808
Um dos grandes dilemas da humanidade é o da origem do macarrão. A versão mais popular é a de que Marco Polo, o viajante veneziano, em suas andanças pelo reino mongol-chinês, protegido pelo grande Kublai Kahn, frequentador dos grandes banquetes servidos por seu senhor, teria tomado gosto pela coisa. A iguaria, feita a partir do milheto, se tornou uma espécie de preferência do italiano. Quanto retornou à sua terra natal, 17 anos depois de conviver com os mandos e desmandos de Kahn, Polo ditou suas aventuras para um amigo escritor (que como ele se encontrava preso). Consta que o amigo era criativo ao extremo e recheava as aventuras de Marco com algumas pitadas a mais de emoção. No calor da narrativa teria supervalorizado encontro de Polo com a massa chinesa, como se fosse algo inédito mundo culinário. A história foi repetida inúmeras vezes e oito foi criado.   
Porém, segundo muitos pesquisadores apaixonados pelas massas italianas, a história de Marco Polo ter trazido a receita da massa da china é pura invencionice. Para alguns foram os árabes que trouxeram a receita para a Sicília, sul da Itália, por eles conquistada, o século 9. Há quem afirme peremptoriamente que desde o Império Romano, a Itália já conhecia a fórmula de misturar água, farinha de trigo e vinho branco.  A massa depois era esticada em longos e finos fios e colocada a secar ao sol e ao vento pra melhor se conservar.
O molho mais simples e não menos apreciado que acompanha o macarrão também tem uma origem bem curiosa. Segundo consta, os tomates foram levados do Peru para a Europa. Porém, como a fruta foi cozida junto com as folhas, as primeiras experiências ocasionaram intoxicações coletivas, sendo proibida sua produção. Anos mais tarde, um cozinheiro napolitano separou somente as frutas e produziu respeitável molho que superou a desconfiança de todos e se tornou uma referência apreciada em todo o planeta.
Presente em cardápios de restaurantes em todo o mundo, o macarrão com molho à bolonhesa reúne o molho de tomate e carne bovina moída. No entanto, em Bolonha, na Itália, não se encontra o tal prato. Eles acham o molho processado, de caixinha ou lata, um atentado à culinária e uma difamação à sua terra. E, talvez, tenham razão. O molho deles leva cenoura, bacon, vinho, leite e outros ingredientes. A massa deles também não é a fininha, mas sim achatada. Eles levam esta história tão a sério que até congresso foi realizado para discutir o assunto e hoje a Câmara do Comércio de Bolonha é detentora da patente do legítimo ragu alla bolognese. 
Independente de quem descobriu o macarrão, se foram árabes, chineses ou italianos,  a massa hoje faz parte do dia a dia do brasileiro e de todos os povos da Terra. Como por aqui a criatividade toma conta, que diriam os italianos mais tradicionalistas da ousadia de alguns dos nossos em consumir suas sagradas massas lado a lado com o feijão nosso de cada dia? 


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22/07/2016

Das Eleições

É nas pequenas cidades que o fenômeno sazonal das eleições é vivenciado com maior intensidade. A correria sempre é grande. Muito grande. Naquelas que contam com colégios eleitorais reduzidos, uma família que pender para um dos lados pode definir um pleito. Há casos mais radicais, onde um eleitor fiel ficou impedido de votar, por morte, por doença ou por algum caso de última hora, e acabou definindo o resultado. Seu voto seria decisivo. Sua ausência decidiu a corrida eleitoral.
Aqui na Colônia de São Pedro, num destes recantos mais remotos, havia um político dos mais espertos e sorrateiros. Não perdia eleição. Se o seu nome estivesse entre os candidatos, a certeza era uma só: ele venceria. Ao assumir o governo apresentava sempre estratégias peculiares. A primeira delas era chamuscar os companheiros. Segurava o que podia a nomeação dos cargos de confiança. Era uma verdadeira procissão à prefeitura. Militantes iam e voltavam ao palácio municipal ávidos por uma notícia vinda do novo prefeito. Alguns ficavam pelos corredores, encostados na parede com caras de pedintes. 
O eleito silenciava. Parecia mesmo sentir algum prazer em ver aquele povo peticionando um cargo na nova administração. Entre eles, havia alguns que se achavam mais cotados e esperavam uma secretaria. Os dias passavam e com o avanço do calendário já se contentariam com um departamento. Era gente que dias antes carregava bandeiras e enfrentava de peito aberto as críticas e até os atos violentos do outro lado. Gente que delirava a cada palavra dita pelo então candidato nos comícios realizados nos salões paroquiais no interior. Chegavam a puxar o coro com o nome do homem. 
Agora, sentados na escadaria da prefeitura viam o tempo passando e a chance de ocupar um dos cargos de confiança se reduzindo cada vez mais. 
Suprema ironia. Verdadeira agressão aos verdadeiros militantes era assistir ao chefe de uma grande família da oposição chegar para uma reunião a portas fechadas com o chefe. Pior foi notar sua satisfação ao sair de lá com uma portaria de nomeação. “Logo ele que foi do contra”, pensavam alguns. “Foi a única localidade que perdemos e o prefeito me faz uma dessas”. “Na próxima eleição ele vai ver”.
Governar com alguns inimigos era uma das estratégias. A preferência recaia sobre as famílias mais numerosas. Inimigos ontem, parceiros hoje. A próxima eleição? Bem, a próxima sempre será a próxima. Até lá as coisas se ajeitam. Haverá tempo para separar as abóboras dos pepinos, adoçar uns bicos de uns companheiros que se sentiram prejudicados por falta de cargo e garantir alguns apoios dos oposicionistas. Quando chegar a próxima eleição, os dias de hoje serão meras lembranças que irão se apagando lentamente.  

15/07/2016

Guerra e Paz

Os exércitos antigos, formados por mercenários, viviam da guerra. Nos raros momentos de paz, o tédio tomava conta. Confinar-se numa pequena porção de terra , criar uma que outra vaca, semear algum grão para enfrentar o inverno, era sinônimo de falta de animação. Seus comandantes, homens fortes e valentes, pouco conheciam a expressão piedade. Por tudo isso, o vencedor de cada batalha encontrava-se autorizado a escravizar os vencidos, adonando-se das terras, dos rebanhos e das mulheres.
Era a lei de então. Dura lei. A lei de quem tinha mais homens, mais munição, mais coragem, mais estratégia, mais sorte. Os deuses estavam com os vencedores. Os perdedores foram abandonados por seus deuses.
Paz era coisa rara. Sempre havia um inimigo a atacar, um castelo a invadir, uma cidade a conquistar. A vida era, para aqueles homens, a própria guerra. E o sangue que banhava a terra representava heroísmo de quem morreu lutando para defender e coragem para quem impôs a espada. A conquista de território era o prêmio para o comandante. A expansão dos impérios, impondo suas crenças e valores, dava-se sempre pela espada. O produto do saque era o pagamento aos bravos soldados. Tudo muito simples. Sem grandes apelações.
A Europa cresceu manchada de sangue. Mas, nem só a Europa. O mundo se fez muito mais pela guera do que pela paz. Que o digam os indígenas americanos. Os daqui e os do hemisfério norte tiveram o mesmo fim. Dizimados por conquistadores. Ouro, prata e terras.
Os saques nos dias atuais são bem mais sutis. Mas, os males causados não são menos devastadores. Executivos, deputados e senadores de todas as laias, com o apoio de cupinchas de toda a ordem, tomam os cofres públicos de assalto. Antes, passaram por guerras pesadas onde acertam nos gabinetes estratégias  de conquistas de territórios: ministérios, secretarias, departamentos, empresas mistas. 
O sangue não rega o chão. Mas o cheiro de podre, mesmo assim, se espalha pelos céus. Alguns juram por Deus que são limpinhos. Mostram as mãos e não há marcas visíveis. Porém, um observador atento, que olhe hospitais sem vagas para internação de pacientes, filas e mais filas de gente que espera uma cirurgia capaz de retirá-la da fila da morte, o escárnio que se comete contra os aposentados, ressaltando diuturnamente de que seus justos e rasos benefícios são os responsáveis pela quebradeira do país, de que as migalhas distribuídas em forma de programa sociais vão inviabilizar as finanças da grande nação.
Chegou a hora de apertar o cinto. Sem qualquer correção nos salários dos funcionários públicos. Se quiserem coisa melhor que achem outra coisa para fazer. Aumento de impostos porque os cofres públicos precisam de um reforço. Aumento da   jornada de trabalho porque a vida do homem comum é trabalho. Só o trabalho é capaz de dignificar o trabalhador.
Fosse noutros tempos ou em outros territórios, como na França, por exemplo, isso seria uma declaração de guerra. Nossos mercenários, no entanto, não empunham espadas. Usam terno e gravata. Seus rostos são de bons moços. Têm modos e trejeitos refinados. E das tribunas tratam-se por Vossa Excelência!      

08/07/2016

A Sedução da Rede

Uma das faces mais sedutoras dos dias de hoje é proporcionar espaço para todos. Todo o mundo encontra algum lugar para expressar sua voz. Num passado não muito distante, os espaços eram limitados. Lançar um livro era coisa do outro mundo. Ver impressa a opinião em um jornal era mais que um parto. Coisa para poucos. Para gente importante.

29/06/2016

O Sonho

Sonhei que todos os reis estavam nus. Todos eles. Em todos os reinos. E não se culpe o pobre do rato. Não foi ele quem roeu a nobre roupa. Os reis estavam nus porque era necessário que os reis assim estivessem. Era melhor para todos que as altezas não mais se escondessem atrás de trajes requintados e de perucas bem arrumadas.
A transparência era total: os reis, mesmo eles, não tinham como esconder seus rabos.
E, se assim mesmo algum deles tentava, se insistia na vã tentativa de esconde-esconde, mais dia menos dia viria a ser flagrados. E, o pior: não teria tempo para cobrir suas partes pudendas. Desacostumados com a nova ordem, gastariam longo tempo tentando o inevitável.

27/06/2016

O Vereador

Eis que, dentro de alguns meses, poucos meses, teremos eleições novamente. Prefeitos, vice-prefeitos e vereadores serão escolhidos em todo o país. O barulho será o mesmo de sempre: a oposição mostrando que os governantes não acertam o passo e que o plano de governo mais condizente com o futuro almejado pelo povo é aquele que estão apresentando. O novo, o certo, aquilo que as pessoas precisam para uma vida feliz.

07/06/2016

Novos Tempos

O inverno não é tão rigoroso aqui quanto parece. Muito embora o vento geladinho tenha adquirido a mania de vir cantando enquanto atravessa a Costa Gama em direção ao Porto Lacustre, podemos concluir que a temporada mais rude daqui até que se comporta bem. Dá uma bagunçada quando mistura vento e chuva, mas, no mais, é francamente suportável. Ao menos para aqueles que têm umas roupas mais apropriadas, um carrinho para se deslocar pela cidade e região e uma casa bem abrigada. Se tiver uma lareira na sala melhor ainda. Se contar com pinhão e pipoca, um sofá  e uma conta no Netflix, a situação fica graúda. 
Pior é no Alasca. 40 graus negativos quando tá favorável. Nevasca de vez em quando. Se o freezer não estiver cheio de carne e o depósito com lenha até o teto, a situação será no mínimo preocupante. Tem alguns documentários na tevê que mostram o quanto a vida é dura para os que se arriscam por aquelas bandas. A natureza lá não manda recados sutis. Os homens que lá vivem, acostumados com a rudeza, uns dias antes da chegada da neve, vão à luta embrenhando-se na mata atrás de veados. Quando a neve chega, seguem por trilhas distribuindo armadilhas para surpreender pequenos roedores que darão menos carne e mais pele. É a sobrevivência. O homem no seu ambiente mais primitivo.

Filme de Terror

O mundo é nossa aldeia ampliada. Os choros e as lamentações, as alegrias e os prazeres, os medos, os temores e as seguranças, que se sentem por aqui são os mesmos que se sentem ali adiante. De algum modo o que se faz por aqui é o que se faz lá e acolá.
Os trambiques, as maracutaias, as tramoias do andar de baixo se reproduzem nos andares de cima. Porém, aqui vai um detalhe importante, quanto mais alto o andar maior o enrosco. Se seu João do Armazém coloca no caderninho alguns centavos a mais na conta de cada um dos seus clientes, preventivamente criando um fundo para resgatar os valores perdidos quando um dos caloteiros esquece-se de pagar a conta no final do mês, nos andares de cima esta conta cresce sobremaneira.

29/05/2016

A Certeza

Timidamente sentado, o aluno da primeira série assiste com alguma angústia a inquirição da tabuada pela professora de matemática. Fulano: quanto é três vezes três; Cicrano, quanto é quatro vezes dois? A cada resposta errada a turma divertia-se. O nervosismo crescia enquanto os colegas da fila iam respondendo. No íntimo, torcia para que o sinal soasse e fosse poupado de responder a uma questão. Sabia tudo de tabuada, mas preferia não ser colocado à prova. Até que não teve jeito. Chegou a sua vez. Quanto é duas vezes dois? perguntou a professora. Quatro, respondeu na mosca. Tu tens certeza? Silêncio. Longo silêncio. Tu tens certeza? perguntou de novo a mestra. Cinco, professora! É cinco! Gargalhada geral.

19/05/2016

Comunicação não violenta


As guerras vivenciadas pela humanidade não nasceram da ação firme dos braços dos guerreiros. Mesmo que o resultado visível sempre tenha sido seja a imposição de sofrimento ao outro, antes disso acontecer houve uma série de atos preparatórios até que fossem empunhadas espadas, lanças e canhões houve e outras armas letais.  
Os sangrentos combates foram gerados a partir do pensamento de alguém. Um líder, um guru, um general ou um louco. Um pesadelo, uma noite mal dormida, um sentimento de insegurança, de medo ou até mesmo de superioridade talvez fossem motivos para impulsionar os jogos de guerra. Na linha de frente, alguns dos guerreiros antigos bem se achavam dignos representantes de seus deuses e tinham a obrigação de eliminar os deuses que protegiam os outros.  Antes de ferir e aniquilar o inimigo ou entregar-se à morte com dignidade, alguém interpretou os sinais e foi levado a concluir que a guerra era o melhor remédio para mal que se apresentava.

06/05/2016

O Pensamento

O pensamento é a manifestação genuína do espírito.   Ele revela o tamanho espiritual do indivíduo. Constitui na maior liberdade que experimenta o homem. “É pelo pensamento que o homem goza de uma liberdade sem limites, porque o pensamento não conhece entraves. Pode-se impedir a sua manifestação, mas não aniquilá-lo”, diz Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, na questão 833.
Não obstante esta liberdade, não está imune o pensamento de interferências e influências. Os próprios espíritos, com quem convivemos diariamente, podem influenciar nos pensamentos. Conforme Kardec, essa influência pode ser muito maior do que o indivíduo imagina. Na questão 461, de O Livro dos Espíritos, esclarece que “Quando um pensamento vos é sugerido, tendes a impressão que alguém vos fala. Geralmente, os pensamentos  próprios  são os que acodem em primeiro lugar”.

04/05/2016

O Multiverso

Pretensão é uma característica das mais marcantes do homem.  Um bovino pasta sem muita cerimônia. Abaixa a cabeça e vai ruminando lentamente. Fica horas envolvido naquela ação. Não gasta seu tempo alinhando filósofos e nem mantendo um diálogo interno sobre a vida após a morte ou se um dia o Grande Espírito reunirá todos os seres e vai prolatar sentenças dando a alguns a glória dos gramados eternos e iluminados ou os fétidos campos de lama e esgoto. Antes que os defensores dos animais joguem pedras e maldições, explico: o exemplo nem é meu. Acho que li isto em Sêneca ou em Erasmo, no seu Elogio da Loucura. Não sei precisar ao certo, mas que li ago assim juro que li.

26/04/2016

Uma Música

Nos combates dos tempos antigos, quando os guerreiros se postavam frente à frente, a rapidez na resposta significava a diferença entre a vida e a morte. Reflexos rápidos, sem hesitação. Esta era a norma vigente. Um embate desses, não obstante o sangue escorrendo, era uma verdadeira dança. O ritmo era frenético. Reagir na hora, antecipando o próximo golpe do oponente, constituía-se uma grande vantagem. Um segundo de incerteza, de imobilidade, de insegurança, uma resposta lenta e não haveria tempo para o pensamento seguinte. Os olhos, de uma cabeça decepada, bem que poderiam assistir ao corpo caindo em câmera lenta, antes que o pretume tomasse conta de tudo.

19/04/2016

A Impotência

Às vezes, reclamo e resmungo quando acesso as redes sociais. Aparece cada coisa que enche o indivíduo de vergonha. Cidadão de bem, que aparentemente cumpre com honestidade todos os compromissos do dia a dia, zeloso com a família, posta de vez em quando fotinhos carinhosas com a esposa e com as filhas. Aparentemente defende os valores mais sublimes e sagrados da existência humana. Mostra que quer um mundo feliz, que ama de paixão tudo o que o cerca. Subitamente, porém, assume a porção da desarmonia e aparece fazendo apologia de lideranças políticas francamente defensoras do trato violento, da intolerância e da tortura.

14/04/2016

A Queda

Faltava fôlego. As costas doíam, a respiração estava difícil. Os olhos avistaram por alguns instantes um negrume que lentamente foi sendo substituído por uma luz distante. Não conseguia mexer os braços e nem as pernas. Tentava chamar por socorro, mas não conseguia.  Pela garganta saia um leve gemido. Achei até que estava condenado a morrer ali. Naquela tarde, tinha sido vítima do Valão da Malária, perto do Clube José do Patrocínio. Havia caído de costas em cima de uma pedra pontiaguda. 
Era costume da molecada. Na ida para a escola, gastar um tempo passando pelas pontezinhas de concreto do Valão da Malária.  Era tranquilo. Eu mesmo era craque nisso.  Fazia todos os dias a mesma coisa. Saía de casa pelo menos uns 30 minutos antes de tocar a sirene da entrada na aula. Fazia o percurso em menos de 15 minutos. Então sempre sobrava um tempo para brincar sobre o valão. Na volta a situação era a mesma.

07/04/2016

O Silêncio

Um pouco de silêncio sempre é bom. Os dias estão ruidosos na atualidade. Há muito movimento. Muitos gritos. Muito apelo. Às vezes motivados por questões justas. Mas, a insistência, a luta, a vontade em preponderar, em impor uma tese torna o dia muito cansativo. Não bastasse a correria do dia a dia, na estrada virtual a barulheira é enorme. Meus amigos jogam farpas de um lado para outro. Lançam torpedos sem qualquer cerimônia. 
Assim, fica difícil o negócio. Não morro de amores por um nem pelo outro lado. E isso, de algum modo, é tido por muitos dos amigos virtuais como uma agressão. Como assim? Tá do lado dos ladrões, dos corruptos? Tá do lado dos golpistas?

01/04/2016

A Faxina

Dona Ester é uma senhora distinta. Não fala sobre sua idade. Os familiares mais próximos bem sabem que ela já passou faz muito dos 80. Mas não falam isso alto. Ela ainda é muito forte. Vaidosa. Não se entrega. Minto: ela se entrega quando o Bonner e sua mecha branca no cabelo aparecem na tela da tevê. Ela o trata como se seu neto fosse.  Não perde nada. Toda a noite, antes da novela, ela vidra os olhos e acompanha quase sem respirar o catatau de notícias que ele desfila durante o Jornal Nacional.
Apesar do seu jeitinho doce, Dona Ester bem sabe que nem tudo o que este moço diz é a mais pura verdade. Dona Ester não é boba. Ela sempre guarda um pouquinho de desconfiança, coisa que aprendeu ao longo das décadas que viveu. Seu pai dizia que mulher não deveria estudar, que tinha que cuidar da casa, dos filhos e do marido. Hoje, Dona Ester bem vê que seu pai estava redondamente enganado. E assim ela vai tirando suas conclusões. Com o tempo foi vendo teses serem derrubadas, outras se confirmando.
Mas, se tem coisa que sempre deixou Dona Ester estimulada era uma boa faxina. Quando era jovem e cheia de energia, vibrava quando o sábado chegava e tinha a oportunidade de comandar a maior operação de limpeza já vista na sua casa. Toda a semana era uma nova operação. Os preguiçosos e dissimulados da família, não muito apegados às lides domésticas, bem que arrumavam atividades que começavam lá pelas oito da manhã e se estendiam até a hora do café da tarde.      
Dona Ester caprichava o que podia. Os tapetes iam para a rua. Os móveis dançavam para lá e para cá. Nada ficava no lugar. E jogava baldes de água e produtos de limpeza. Em dado momento, de joelhos no chão e com a escova na mão,  começava a fazer movimentos circulares e ritmados enchendo a casa de uma música alegre anunciando que dentro em breve tudo estaria limpo e cheiroso.  Ela, coitada, não tinha tempo para ajeitar o cabelo, para manter intacta sua beleza. No final do dia, quando a casa estava recomposta, com os móveis nos seus devidos lugares, restava um arremedo de Ester. Era só cansaço. 
Agora, vendo um deputado dizendo na tevê que o Brasil precisa de uma faxina, Dona Ester até se encheu de emoção. Os baldes de água jogados freneticamente, a escova na mão, a força para afastar os móveis. A cabeça bem que girou. Mas, a emoção durou pouco.  Lembrou que aqui nesta terra as promessas nunca são cumpridas na sua integralidade. As coisas se perdem. As limpezas são abortadas no meio do trabalho. As faxinas não se completam. 
Dona Ester acha mesmo que apenas alguns móveis serão trocados de lugar. Simplesmente serão substituídos por outros que já estavam na casa. E tudo continuará como antes: a casa suja esperando por um poderoso jato de água que mexa com toda a sujeira e não com apenas parte dela.

22/03/2016

A Luz

O clima está pesado. Mesmo que seja outono e que o dia esteja ensolarado. O céu azul e com algumas nuvenzinhas. Não faz diferença. O humor não é bom. É como se nuvens pesadas estivessem tomando conta de tudo. Alguns amigos estão nervosos. Com muita raiva mesmo. Vivenciam esta raiva nas redes sociais. O tom é acusatório, mesmo na defesa de bons valores. Sofrem com tudo isso. E querem justiça.
Outros amigos também estão nervosos. Os motivos são os mesmos. Mas, o viés é outro. Desejam justiça. E acusam nas redes sociais uma enorme dor porque tudo é perseguição, tudo é falsidade, tudo é armação. Nada soa verdadeiro. 
Gritam em letras maiúsculas. Postam vídeos acusatórios. Descobrem coisas que podem ou não terem ocorrido.  Mas, não faz diferença se forem verdadeiras ou não. Importa a manchete. Importa o impacto. Importa atingir o outro.
E criam-se heróis, um por semana, um por dia, um por hora, mesmo sem saber se o herói criado deseja mesmo o bem da nação ou se é mais um fanfarrão que vai ser denunciado ali na frente como um salafrário qualquer como tantos outros que algum dia desses recebeu o nobre título de  “este me representa”. 
Jamais poderíamos imaginar, nem aqueles mais criativos, que um recurso no STF viraria assunto de boteco. Que a análise feita por um membro da alta corte sobre a atuação de seus pares viralizasse na rede. Que alguns vizinhos, amigos e familiares, que conviveram por anos, por décadas, em respeitosa desarmonia definitivamente quebrassem pratos por causa de um pronunciamento de algum magistrado nos autos de um processo que poucos têm acesso, mas que todos sabem quase tudo porque seletivamente “tudo” vaza.
E na noite, enquanto uma chuva fina caía sobre a capital, um grupo defendendo a moral, os bons costumes, grita palavras de ordem dentro de um clube de jazz acabando com a paz e com a harmonia. E, não atendendo aos pedidos do garçom, partem e quebram-lhe a cara. E agridem outro que tentava separar a contenda. Quando fica perigoso ouvir um bom jazz é porque a coisa realmente fugiu ao controle. O Brasil está doente. A doença não é a direita nem a esquerda. A doença é a paixão. O sentimento obsessivo, arraigado, a luta radical e a vontade de eliminar o outro.  É o ódio que cega e contagia. E a cegueira é falta de luz. Está faltando luz no país.  
A história, esta senhorinha que vive do passado e conta coisas sobre gente que já foi um dia, vai se deliciar num futuro muito próximo quando as análises serão mais serenas e as paixões não estiverem tão afloradas. E os erros e acertos serão estudados por alunos nem muito interessados. 

O sonho e o Pesadelo

“O sonho acabou”, disse John Lennon, sepultando a esperança de milhares de jovens que viviam momentos de afirmação da cultura do “faça amor não faça guerra”.  Os Beatles, a maior banda do planeta, deu adeus aos holofotes. Os jovens, no entanto, continuaram nas trincheiras com metralhadoras imaginárias lançando rosas, sorrisos, paz e amor. As guerras não cessaram.  As diferenças entre as pessoas não acabaram, mas a mensagem de que o mundo deveria ser mais humano e menos armamentista espalhou-se lentamente. E, sem dúvidas, chegou até os dias de hoje.
Por aqui, basta uma escutada num destes noticiários do rádio ou uma lida nestes sites de notícias para notar que o clima sobre os céus da pátria amada andam mais para pesadelo do que para os doces sonhos do passado. As bandeiras foram recolhidas faz tempo. Os ideais ficaram esquecidos entre as intermináveis discussões das reformas política e fiscal (que nunca saíram do papel), dos acordos de governabilidade, dos controles orçamentários, das metas de crescimento e outros artigos tão subjetivos e tão distantes do homem comum, mais acostumados com os esquemas táticos dos times de futebol, com os roteiros novelísticos e com as facilidades dos crediários das lojas populares.
E não há muito que reclamar. O tempo dos sonhos vai ficando para trás. Algumas boas ideias foram colocadas em prática e se mostraram altamente funcionais. Outras em tanto. A realidade mudou. E mudará muito mais ainda. Certo é que a esquerda brasileira teve tudo nas mãos: aceitação popular, alguma tolerância da mídia (certamente regada pelos milhões aplicados em forma de publicidade oficial), competência na manutenção de fórmulas que mantinham o mercado aquecido, controle inflacionário e acesso ao ensino superior facilitado. Além de outras iniciativas contidas nos programas de incentivo ao desenvolvimento do indivíduo (que causam desconforto na nobre direita brasileira e na classe média, que almeja ser rica e não quer ver o  pobrerio por perto).
Certo é que tudo ficou muito parecido no submundo político. Esquerda, direita e centro finalmente entraram em acordo. Não para governar, mas para enriquecer.  Imagino que alguns dos envolvidos nestes fortes esquemas de lavagem de dinheiro, de exploração de prestígio e achaque aos cofres públicos ainda se reúnam com suas famílias para um churrasco de domingo. E as mães, zelosas, preocupadas com a reputação de seus rebentos, ainda façam fortes cobranças em relação às manchetes que alardeiam que este ou aquele sujou as mãos na lama da corrupção. “Mas, é assim que funciona no Brasil. Se eu não faço, outro faz. Todo o mundo age assim!”. Do alto de sua autoridade materna não precisa grande esforço para ouvir a sentença que toda a mãe dá nestas horas.  Robusta, certa, inafastável e imodificável: “Mas, você meu filho, não é todo o mundo!”.
Quem vende sonhos não pode apresentar as mãos sujas. Simples assim.  

08/03/2016

DNA

Contam que carregamos no DNA a série de experiências vividas num passado muito distante. Contam mais: que estivemos nas cavernas onde nos abrigamos do vento cortante e do frio implacável. E nas noites mais longas, aquelas em que a negritude tomava conta de tudo colocando uma venda nos nossos olhos, um de nós tomava nas calejadas mãos uma flauta e assoprando com jeito ia desfazendo o pretume, afastando as feras que por porventura estivessem por perto de tocaia. No centro, uma fogueira ardia e espalhava luz e calor.
Quando o sol aparecia e impunha a luz sobre a escuridão, todos saíam da caverna e seguiam na busca de alimentos. Era preciso manter os corpos vivos e fortes. A água era cristalina. E o ar era puro. E a luta era grande. Carente de defesa, restavam músculos, pedras e paus para lutar contra os predadores. E a luta era árdua. A vitória era incerta. A morte era uma constante. Dia morria a fera, dia morria um de nós.
O dia passava como tudo passa. O sol se punha e a tribo se escondia novamente. Era a hora em que os homens ficavam menores e as feras cresciam. Sobrevinha mais uma noite. E no abrigo da caverna, enquanto o fogo ardia, um tambor concebido a partir do couro de um animal abatido, que contrariado doara sua carne para manter o grupo em pé, fazia companhia à flauta. A chama da fogueira parecia uma bailarina. Graciosamente, mas com decisão, seguia o ritmo da primitiva canção. E os corações somavam-se ao tambor e a flauta, doce e profunda, parecia querer levar os espíritos para cima. E os levava.  E adormeciam nas alturas, longe do cansaço e das dores das lutas.
E assim, contam que começamos uma grande caminhada. E as cavernas ficaram no passado. E o medo das feras tampouco resistiu até aqui. E as chamas das fogueiras nem dançam mais ao som do tambor e da flauta. E os espíritos nem sobem tanto. Ficam por aqui grudados na terra.
E as feras? Contam que elas não sumiram assim num passe de mágica. Consta que um dia entraram na caverna. E sem serem percebidas, se hospedaram dentro do homem. E ganharam nome de medo, de arrogância e de prepotência. E, pelo que dizem, vão sorrateiramente agindo. Vez por outra aparecem na forma de dores no corpo, de cansaço da mente, de falta de energia, de falta de coragem, de confiança e de fé.
Mas, podem, segundo indicam alguns especialistas, se manifestarem na forma de uma linguagem violenta, em grunhidos e rugidos bem definidos. Ou, ainda, nos comentários raivosos em público ou dissimulados numa rede social qualquer.

26/01/2016

O Safadão

Arte sobre foto
Poderia ocupar estas linhas neste blog com mais uma crônica ligada à espiritualidade, como já tentei fazer tantas vezes. Ou, ainda, à minha maneira, buscar explicações sobre o relacionamento humano. Como outras vezes, convocar o leitor a viajar para o passado e resgatar histórias vividas, sentidas ou imaginadas num tempo distante que magicamente se apressa em se distanciar cada vez mais.  
Mas, não. Talvez porque seja verão e, como dizem os analistas de plantão, os psicólogos, psiquiatras, terapeutas e alguns metidos sem formação, mas sempre ávidos por dar um pitaco em coisas que nem conhecem: é tempo de leveza, de picolé, de sorvete, de banhos no mar, na lagoa, no riacho, de protetor solar no corpo, boné na cabeça e muita água. Corpos à mostra, caminhadas, corridas, um choppe para quem gosta e ate-papo leve e despretensioso. Por isso, deixo as filosofias de lado, evitando discussões mais aguerridas cheias de certezas; as histórias de outros tempos, que em regra envolvem dois ou três moleques (que hoje são senhores de cabelos brancos) e todas as tentativas de busca de respostas para outro momento. E vamos concentrar no novo. Na novidade. Vamos falar de Wesley Safadão. Sim, ele mesmo. O cara. 
Para começo de conversa, uma confissão: não conheço Wesley Safadão. Não o identificaria se tivesse que fazer o reconhecimento ainda mais se misturado com outros sujeitos; nem se fosse me mostrado um álbum com inúmeros rostos. A bem da verdade, nem ao menos pretendo conhecê-lo. Não sei se canta alguma coisa que preste ou se, como tantos que há por aí no mercado, é mais um destes produtos descartáveis que surgem a cada verão, cada outono, cada inverno e cada primavera por estes recantos que Deus criou.
Só sei que ele existe. Nestes tempos de informação instantânea é praticamente impossível não saber da existência de alguma coisa positiva ou negativa, significativa ou insignificante. Como diz uma amiga minha: “é impressionante como as coisas me chegam”. Sei, por exemplo, através da mídia, que ele ganha algo em torno de quinhentas mil patacas por show. Então, não estamos falando de pouca coisa. Neste mundo, onde o virtual é real, as cercas foram derrubadas. Não há contenções. Não há limites. Muito bom para quem necessita de alguma atenção. Para um chamado de socorro. Para um alerta sobre alguma injustiça cometida em algum lugar do planeta.  Muito bom também para os safadões da vida que explodem com ou sem talento, espalhando pelo mundo tudo o que sabe fazer. 
Minha ignorância é mero detalhe. Insignificante neste novo mundo. De algum modo tenho que me penitenciar: o distinto sujeito deve ter algum talento, caso contrário não seriam tantos a pagar-lhe tanto.  Convenhamos, quinhentos no bolso é muita coisa. E por um só showzinho.
Resolvi que vou parar de escrever um pouco. Um mês de retiro. Tempo necessário para uma reciclagem. Quem sabe durante esta parada não me dedique a estudar de maneira mais aprofundada a obra do Wesley. O Safadão.


PS: Nada tenho contra o referido artista. Nunca o ouvi cantando. Vai que...

Mais sobre Wesley Safadão:


Verbete na Wikipedia
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Vagalume

19/01/2016

A Cigana Leu o Meu Destino

Seu pai tinha muitas crenças. Não ia à igreja. Nem praticava uma religião específica. Mas, não era um homem sem fé. Acreditava na sorte, no azar e em outras sutilezas que, dizia ele, de vez em quando se manifestavam. Achava que a vida seguia mais ou menos as regras dos jogos. Se os dados favoreciam naquele dia, dobrava a aposta. Ganhava muito. Pedia mais ainda. Acreditava, porém, que o dia seguinte seria o da redenção. Um dia é da caça, outro do caçador. 
Quando perdia muito se lembrava de antiga expressão: “o dinheiro do jogo é amaldiçoado. Ele nunca fica no bolso do vencedor. Ele volta para a mesa de apostas”, falava para si mesmo como tentando se convencer de que o jogo não levava a nada. No dia seguinte esquecia tudo e lá estava novamente apostando para recuperar o dinheiro perdido.

15/01/2016

A Lenda

Reza a lenda que os meninos
nascem para a felicidade
Reza a lenda que os meninos nascem para a felicidade. E nascem muitos. São dezenas na região. Milhares no país e milhões no mundo todo. Meninos e meninas recebidos com alegria e satisfação pelos pais, pelos avós e tios. Ou rebentos que encaram o mundo com a desconfiança e a frieza daqueles que os fizeram e que, em tese, seriam seus mentores, incentivadores e responsáveis pelos primeiros caminhos que seguirão por aqui.
Na caminhada destes novos seres, nada é certo. Nada ainda é totalmente definido.  Salvo um ou outro reconhecido na tenra idade como um Buda, um iluminado, e providencialmente afastado dos demais para atingir um grau de purificação impossível de ser atingido na vida cotidiana, todos seguirão seus incertos caminhos apoiando-se naquilo que estará ao seu redor.

Múltipla escolha

A existência humana seria muito mais simples se em tudo imperasse o objetivismo.  Céu ou inferno, Deus ou o diabo, Direita ou esquerda, certo ou errado, dia ou noite, claro ou escuro, bicicleta ou carro, Norte ou Sul, espiritualismo ou materialismo, quente ou frio. As opções seriam sempre duas, valendo a referida regra para todas as situações da vida.Tudo seria muito mais claro e tranquilo como uma moeda que se joga para cima e se aguarda por uma decisão. Bem simples, sem muitas possibilidades de escolhas. Dois polos, 50% de chance de acertar e outras 50% de possibilidades de errar.
O que complica o jogo, pelo menos para quem adere, por alienação, por falta de esforço, de compreensão ou por mero comodismo, a este tipo de pensamento, é que entre a direita e esquerda há o caminho do meio; entre o dia e a noite há a manhã e a tarde; entre a bicicleta e o carro há o caminhar a pé, o correr; entre o claro e o escuro há uma infinidade de tons e meios-tons. Ou seja, invariavelmente há inúmeras possibilidades notadamente quando a vida começa a ser vista sob um olhar um pouco mais atento, com os olhos bem abertos e sem a pressa de um urgente julgamento.