19/07/2010

Amizade real e virtual

Nos anos 70, Roberto Carlos, já chamado de rei, a plenos pulmões cantava insistentemente no rádio uma canção onde projetava um objetivo: ter um milhão de amigos para poder cantar mais forte. A música, chamada Eu quero apenas, lançada em 1974, conclamava a todos pela união em torno da paz, da construção de um mundo melhor para todos nós e para as gerações futuras. 
O anseio do Rei talvez seja o anseio de todos nós. Contar com os amigos sinceros, convivendo em harmonia, sonhando juntos, trabalhando por um futuro diferente. No entanto, nos momentos atuais, parece que o desejo vai ficando cada vez mais na seara do sonho, do irrealizável.
O próprio termo amigo vem ganhando nos últimos tempos uma conotação totalmente diferente daquela que o originou. Segundo alguns estudiosos, o termo amigo nasce da evolução da palavra mãe, cunhada pelo povo real, que habitou o sul de Portugal dois séculos A.C.  Escrevia-se am. Do mesmo ramo nasceu fami, famille, que designam a família, ami, ami´able e ami´tie (amigo, amável e amizade, respectivamente).
Seguindo-se estas fontes, conclui-se que o amigo é parte da família, é alguém que está convivendo próximo, privando das relações mais íntimas. É, talvez, aquela pessoa recebida em nossa casa e que, sem cerimônia, abre a nossa geladeira e se serve, sem cobrança, sem espanto e sem culpa. Quantas pessoas em nossa vida privam de tal situação?
Muito distante encontra-se, então, o significado que hoje atribuímos à amizade. Esta distorção não é de hoje. Nós, nos tempos da  meninice, da adolescência, tínhamos um certo relaxamento no cultivo de amizades. Tínhamos os amigos da escola, os amigos do bairro, os amigos antigos e os amigos novos. Parecia tanta gente.  Quantos destes colegas de aula, parceiros de pelada e de curtição ainda estão na nossa vida?
Da mesma forma ocorre hoje, em escala maior na internet. A rede de relacionamentos Orkut, criada pelo turco Orkut Buyukkokten, que faz tanto sucesso no Brasil, país de origem de  mais de 70% dos usuários, é uma porta aberta para as amizades virtuais. Os amigos virtuais formam comunidades, lógico virtuais, conforme seus interesses. Assim há desde grupos que exaltam o Grêmio ou o Inter, até aqueles que odeiam o Grêmio, o Inter, o Galvão Bueno, o Rubinho Barrichello, entre outros. Preconceito, racismo e pornografia não são incomuns.
Estes novos amigos vasculham nossos álbuns, acompanham boa parte de nossas vidas, conhecem nossos amigos de carne e osso, sabem da data dos aniversários, dos casamentos, das separações. São íntimos, mas são ocultos.
Se pensarmos bem, através deste sistema nos tornamos vulneráveis. De posse de nosso perfil (quando verdadeiro) e das dicas espalhadas na rede, um dia, quem sabe, utilizando-se das ferramentas colocadas à disposição pelo Google, estes nossos amigos virtuais poderão acessar a nossa casa e até assaltar nossa geladeira.

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