29/12/2018

Ser feliz é o que se quer


O foco da existência humana deveria ser a construção da felicidade. Não é. A educação formal, por exemplo, tende a se expandir na busca da construção de uma carreira rentável que proporcione uma boa renda para a aquisição de bens. Dinheiro, imóveis, conforto, viagens, boas roupas, uma boa imagem são os ideais de vida, na atualidade. O ideal de vida meio que se confunde com o status de felicidade ostentado nas redes sociais. Ao mesmo tempo que se expande para um lado, o processo educacional se restringe por outro: bem-estar, satisfação, construção de um caminho mais livre e, até certo ponto, despreocupado com os bens materiais e o culto à imagem perdem espaço cada vez mais.
A educação tende a correr cada vez mais em direção ao mercado. Formar profissionais que possam construir carreiras de sucesso é a norma. A competição começa cedo. A busca pelos melhores não poupa ninguém. Algumas décadas depois da implantação deste tipo de filosofia, que prega a luta desenfreada pela vitória profissional, pela carreira que dá visibilidade, status e grana, ocorre uma tímida retração. Ocorre que o mercado está saturado de profissionais competentes e infelizes. Gente que faz o que pensou que era o correto e abandonou seus talentos e seus sonhos porque estavam ligados a coisas que não davam dinheiro.

20/12/2018

A força das palavras

"Diante do resultado atingido no experimento, além de tudo o que se conhece sobre os efeitos da força impulsionadora da linguagem no contexto humano, pode-se afirmar que as palavras repetidas como mantras carregam energia capaz de contribuir para a construção de realidades".


As palavras carregam algum peso. Algumas expressões mais do que outras são marcantes pela carga que expressam. O que num momento primeiro pode parecer um ajuntamento de letras, na verdade, é um veículo condutor de energia. Não é blá-blá-blá, não! Há estudos empíricos ou nem tão empíricos assim que demonstram a força emanada pelas palavras. De algum modo, pode-se afirmar que a expressão linguística se não é por si só determinante, ao menos pode influenciar no resultado conquistado.

15/12/2018

A Magia

 "O ilusionista é o artista que encobre a realidade visível entregando uma outra realidade a quem se permite ver. Artistas criam. Iludem quando podem. O indivíduo que descubra, que desvende. O mistério desfeito perde a graça. O encanto se afasta".

O universo é mágico. Ou, pelo menos, deve ser. Restam incertezas a seu respeito, eis que é um gigante desconhecido. Conhecidas são algumas das leis que o regem. Outras, no entanto, ainda carecem de descoberta. Porém, uma coisa é certa: ele se expande sem parar. Ao menos é o que dizem os cientistas. Assim, se cresce ininterruptamente, pode-se crer que essa imensidão, que se convencionou chamar de universo, é um ser vivo que está se criando aos poucos. Dedução lógica. Mas, a lógica nem sempre prevalece. Não há palavra definitiva sobre isso. Então, especular é possível.

05/12/2018

As certezas. As dúvidas. A relatividade

 "Neste novo contexto, os certos e os errados vão sendo amenizados. Nas boas conversas não mais são admitidas teses onde a certeza reside na bipolaridade."


Tinha mais certezas do que idade. Era adolescente, mas carregava uma carga imensurável de certos e de errados. Dúvidas eram poucas. Pelo menos era o que acreditava. O tempo, no entanto, vai passando e com ele as coisas vão se modificando aos poucos. A vida avança, as experiências vão chegando, as opções sendo feitas, os caminhos construídos e as certezas vão sendo desfeitas. Um engano aqui outro erro lá, uns acertos neste setor e outros no lado de lá. Com o andar da carroça misturam-se os certos e os errados de tal forma que pode chegar uma hora em que o embaralhamento transfigure tudo.
Bem se sabe hoje que a Teoria da Relatividade, descoberta pelo físico alemão Albert Einstein, considerada a grande mente do século XX, incide não só na Física. Deixando a complexidade de lado, resumidamente pode se dizer que a Teoria da Relatividade afirma que o tempo não é igual para todos, podendo variar de acordo com a velocidade, a gravidade e o espaço. A relatividade saiu das garras da Física e se influenciou outros ramos de conhecimento. Não há, por exemplo, como se conceber hoje um pensamento que não preveja certo grau de variação, de concessão e de alternatividade justamente pela “relatividade das coisas”.

24/11/2018

Tombos e tropeços

"Uma das maiores características dos dias de hoje, apesar do excesso de fontes de informação, é justamente a falta de informação de qualidade."

Nunca se produziu tantas notícias quanto nos dias hoje. O planeta ficou pequeno demais para atender à demanda da comunicação em massa. A Terra, às vezes, parece uma pequena aldeia. Num passado não muito distante a notícia chegava a cavalo. Sim, era desta forma que o jornal se deslocava de sua sede até as mãos do leitor que morava no recanto mais distante. O rádio veio a agilizar a chegada da informação. As ondas não necessitam do lombo do cavalo para chegar até o ouvinte. Bastava um receptor, uma antena e o locutor levava ao respeitável público o que de novo acontecia na cidade, no estado, no país e no mundo. A tevê veio bem mais tarde. Demorou para se tornar popular.

14/11/2018

Conhecimento, consciência e opinião

Conhecimento e consciência são dois termos que caminham juntos há muito tempo. Sócrates, filósofo grego, alertava sobre a necessidade de o homem buscar as respostas para seus anseios a partir do autoconhecimento. Ou seja, sem conhecer a si mesmo não pode o indivíduo responder aquelas dúvidas tão comuns sobre a sua identidade, sobre o seu papel histórico, sobre o seu caminho, sobre suas angústias e aspirações.
Nos dias atuais é comum a confusão que se estabelece entre conhecimento e opinião. Opinião são as considerações que fazemos sobre algo a partir de algumas impressões pessoais: - como será o dia de hoje? “-acho que vai chover”. Poderia dizer que teremos muito sol. E poderia errar ou acertar. Opinião é a manifestação feita sem embasamento teórico ou mesmo prático. Assim, não é necessário que o indivíduo seja especialista para opinar sobre meteorologia, sobre esportes, sobre economia, sobre a política nacional e internacional, sobre o comportamento dos mercados ou mesmo sobre medicina. Basta um computador ou smartphone e uma conexão com a internet. Afinal, todos nas redes sociais têm opinião.

12/11/2018

A Liberdade

Liberdade, igualdade e fraternidade era o lema dos revolucionários franceses que derrubaram a monarquia e o clero instituindo uma nova ordem social, política e econômica na França, influenciando toda a Europa, no final do século XVIII. Dentre as conquistas mais significativas deste período, destaca-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, garantindo, assim, que um ser humano não deve ser tratado pelo Estado de forma autoritária.
Apesar de consolidado em todo o mundo, o lema vem sofrendo um desgaste significativo nestes anos de Nova Era. A pátria que o concebeu, a França, está batendo cabeça. Respeitar tão largos e abrangentes princípios tem sido um tanto quanto desafiador. E o que vem causando este tumulto é justamente a busca por uma vida melhor, mais humana, mais compreensiva e por maiores oportunidades de futuro por milhares de pessoas que fogem de zonas de conflito. Em tese, a França é o melhor local no mundo para isso. Os franceses, no entanto, não vêm pensando dessa forma. Cada imigrante significa o acirramento na disputa por vagas no concorrido mercado de trabalho e no atendimento nos serviços públicos. Como o dinheiro é finito, sobram problemas e carecem soluções.

29/10/2018

Bom dia grupo!!!

Nesses dias de luta aguerrida, de tentativa desesperada de construção e desconstrução de verdades, de vitórias e derrotas, de sonhos, de sobressaltos, de aparente caos e de paraísos prometidos, acorda-se como se um porre gigantesco tenha acometido mesmo os abstêmios. Gente que se manteve por anos de boca fechada saiu por aí gritando suas palavras de ordem, repetindo mantras recém-descobertos prometendo salvação a quem nem desejava ser salvo. O barulho foi grande. Os resultados das urnas são conhecidos. Os efeitos não.
Para muitos restou uma dor na alma, uns familiares que se tornaram distantes, uns amigos que nem amigos eram e que menos amigos ainda se tornaram. As percepções são individuais, é claro. Mas, não se duvide do tamanho do trauma que pode se operar nos relacionamentos. Para alguém, o bolo saboroso da tia amada, que traiu a confiança e se bandeou para o outro lado, perdeu o gosto. Tanto quanto o bolo, a tia perdeu a graça. A confiança se afastou. Talvez volte, talvez não.

24/10/2018

Pernas Longas

Mitomania: s.f, psicopatologia, tendência a narrar extraordinárias aventuras imaginárias como sendo verdadeiras; hábito de mentir ou fantasiar desenfreadamente.

 Minha mãe, Dona Araci, que já saiu deste plano faz algum tempo, dizia que mentira tem pernas curtas. Eu acreditava nisso. Vez por outra, uma ou outra traquinagem feita por mim ou pelos meus irmãos, era resolvida diante da maternal inquisição seguida da ameaça: “tu juras que isso é verdade? Olha que mentira tem pernas curtas!”. Eram pequenas bobagens que se faziam. Coisas poucos significativas como quem deixou uma xícara cair, quem derrubou o açúcar na mesa ou, ainda, quem tinha começado a algazarra ou a briguinha entre irmãos.

23/10/2018

Divinos Candidatos

Deus Criando o Sol e a Lua- Michelangelo







O sentimento religioso é aquela sensação intrínseca, imanifestada, primitiva, que nasceu no instinto e se perpetuou, chegando até o homem intelectualizado. É a impressão da existência de um ser superior. Afirmam os estudiosos do campo da antropologia espiritual que este sentimento, atualmente racionalizado, nasceu com o próprio ser humano.
As primeiras manifestações humanas em relação ao supremo foram ainda na fase pré-civilização. O primitivo encontrava-se no subsolo do conhecimento. Projetava nas coisas o seu sentimento dando vida ao inanimado. As experiências do momento são representadas no material. Para alguns, a pedra foi o primeiro objeto de adoração, naquilo que se chama de litolatria ou adoração de pedras, rochas e relevos do solo. Depois a fitolatria, adoração dos vegetais, plantas, flores, árvores e bosques; seguindo-se da zoolatria, adoração dos animais e, posteriormente, a mitologia, que é uma explicação rudimentar do funcionamento do universo, através do componente mágico.

16/10/2018

Do Lado do Avesso

Habitualmente publico aqui textos autorais. São reflexões que  normalmente são publicadas em uma coluna que assino no jornal Bons Ventos, de Osório. Hoje, no entanto, valho-me de uma reflexão da talentosa amiga e colega de faculdade Magda Altafini, que recentemente foi postada em sua página pessoal no Facebook. Abração, Magda. 

 Do Lado do Avesso


O lado do avesso é o lado da contramão, é o lado onde ficam amostra as costuras, os remendos, os defeitos ... Nas roupas costumamos observá-lo para verificar se o trabalho foi feito com capricho. A moda, já o está utilizando em roupas menos formais, mudando um conceito de lado certo ... Já temos até coleções inteiras e de grife "Lado do Avesso".
Do Lado do Avesso é também álbum ao vivo da cantora brasileira Cássia Eller, lançado em dezembro de 2012 como uma das homenagens aos 50 anos que a cantora faria. Caetano até compôs uma faixa instrumental instituída: Do lado do avesso.

10/10/2018

Mais um jogo de futebol

"No fim, tudo vira partida de futebol: meu time contra o teu. E isso faz sentido pelo menos para quem gosta de jogo". 

De tempos em tempos o Brasil se reinventa. Foi assim com o Collor. Foi assim com o Lula. Será assim daqui para a frente. De lado a lado, esperanças e ressentimentos, ódios e amores doentios gerando ansiedades e angústias.
Tem gente que não está nem aí para as questões mais profundas. Importa ser contra alguém, bater boca nas redes sociais, divulgar notícias falsas e mensagens das mais morais possíveis, estabelecendo um novo padrão de comportamento: respeito aos valores da família e tiro nos outros. O pano de fundo é o combate à corrupção, aliás um dos maiores males da nossa civilização, e que merece ser combatido desde sempre.
Assim, o cidadão que muitas vezes está alheio às discussões mais intelectualizadas e teóricas que envolvem a história, as conquistas da civilização e outras coisas que fazem a alegria dos estudiosos, fica só na torcida. Ouve o pastor da igreja, o vizinho mais sabido ou alguém próximo e vai para a urna. No fim, tudo vira partida de futebol: meu time contra o teu. E isso faz sentido pelo menos para quem gosta de jogo.
Esse é o Brasil que temos. Estamos todos juntos nessa. Decidimos o futuro uns dos outros. Aceitar o resultado é preciso. Curar as feridas e seguir em frente é o remédio da hora.

03/10/2018

As fake news e o medo

Esta não é a primeira eleição brasileira onde o boato vale mais do que o fato. Quem participa do processo há um pouco mais de tempo deve lembrar dos boatos que favoreceram Fernando Collor de Mello, em 1989, levando-o à presidência da República num dos episódios mais traumáticos da vida política nacional. Dizia-se na época que Lula confiscaria a garagem de todos aqueles que tinham carro para jogar dentro uma família de sem-teto. As casas na praia também seriam confiscadas e entregues aos necessitados. A Globo editou o debate no Jornal Nacional e, entre outras baixarias, a campanha de Collor encontrou uma namorada do líder oposicionista, Míriam Cordeiro, que afirmou que Lula teria pedido para que fizesse um aborto. Anos mais tarde, Collor disse que se arrependia de ter abordado o caso na sua propaganda.
O clima de ódio fez de Collor, o Caçador de Marajás, presidente do país. Pouco tempo depois, o orgulho deu lugar à vergonha. Os colloridos foram despejados do poder, gerando um sentimento de vergonha nacional.

27/09/2018

A Cegueira

Estamos na década de 60. O crescimento das repúblicas socialistas do leste europeu é uma realidade. Brigam EUA e URSS pelo poderio econômico e tecnológico. O risco do comunismo se alastrar e tomar conta do mundo é um fantasma que assola as cabeças, tira os sonos, fomenta políticas de ataque e toma conta dos discursos. Apesar disso, convive-se. Com medos de lado a lado, mas convive-se. Restou uma certeza: era necessário destruir o comunismo.
Como se sabe, o tempo é relativo. Então, voltamos no tempo e já estamos no início do século passado. A Itália, como boa parte da Europa, vivia em petição de miséria. Eram necessárias medidas radicais para colocar a nação nos trilhos. Benito Mussolini, político habilidoso, cresceu como uma verdadeira esperança de redenção do povo italiano. Foi a mente brilhante por detrás do fascismo que tinha como principais características a valorização do masculino, a mobilização das massas, a militarização e a defesa de símbolos e cultos.

22/09/2018

Cacareco, Macaco Tião, Mosquito e Asno

Houve um tempo em que o voto era em papel. Chamava-se cédula eleitoral. O eleitor chegava na sua seção eleitoral, identificava-se com o seu título e recebia do mesário um papel impresso. Não havia essas urnas eletrônicas. Assim, ao invés de digitar um número o eleitor escrevia o número do candidato ou seu nome ou, ainda, somente o partido político. Como o analfabetismo era imenso, alguns votos viravam motivo de gargalhada. Nas cidades pequenas, então, um voto poderia fazer a diferença e a luta era ferrenha para validar um voto duvidoso.
Um dos aspectos mais curiosos nesses pleitos foi o lançamento de candidaturas alternativas. Assim, animais, personagens de filmes e novelas recebiam votos de eleitores irresponsáveis ou gozadores.
A tentativa mais consagradora foi do rinoceronte Cacareco. Corria o ano da graça de 1959. Já naquele tempo, imperava o sentimento de desgosto e de decepção em relação ao panorama político. Um jornalista, Itaboraí Martins, do Estado de São Paulo, numa bem humorada iniciativa, lançou Cacareco como candidato a vereador. Imprimiu milhares de panfletos e distribuiu na capital paulista. O animal conseguiu a impressionante marca de 100 mil votos. A performance de Cacareco foi tema da conceituada revista Time, dos EUA, que destacou a manifestação de um eleitor:"É melhor eleger um rinoceronte do que um asno”.

Campo Minado

Nas zonas de conflito enterram-se minas para atingir o inimigo. O passo seguinte pode ser o passo final do guerreiro. Pisar numa mina ativa é abrir caminho para o fim. É morte na certa. Quase certa: se houver um destes milagres o corpo estará dilacerado. Nada será como antes. O que sobrar será sempre uma parte. O todo ficou na explosão da mina.
O processo eleitoral que está em andamento por aqui é quase como um campo minado. Uma guerra. Cada passo pode conduzir ao fim. Os mortos vão ficando pelo caminho. Estilhaços de minas detonadas vão ferindo as carnes. Às vezes, o campo fede. Há sinais claros de decomposição pelo caminho.

19/09/2018

A Religião e a Política


O casamento entre política e religião não é coisa nova. Os povos antigos, muitas vezes, se organizavam politicamente e buscavam uma validação divina. Era necessário que o soberano tivesse a chancela da autoridade religiosa. Mal comparando, seria como se os deuses desejassem este ou aquele soberano no trono.
Na Idade Média, então, a igreja romana ditava as regras. Os conceitos de pecado foram ampliados de tal forma que qualquer oposição ao soberano era uma agressão à autoridade religiosa e ao próprio Criador. A pluralidade era uma ofensa. A crença era tutelada. Só quem seguisse o pensamento do clero tinha alguma chance de continuar vivendo.



Nos dias de hoje, apesar do amplo espectro de crenças e descrenças, o pensamento religioso influencia na vida em sociedade. Conceitos bem definidos de certo e errado, de admissível e não admissível, de permitido e de proibido à luz da religiosidade determinam padrões de comportamento. Assim, as liberdades individuais, especialmente quando relacionadas à orientação sexual, sofrem cerceamento rotundo ou silencioso. No pensamento de muitos, Deus se ofende quando o indivíduo não segue o protocolo previamente determinado.
De certo modo, nos períodos eleitorais este processo sofre um impulsionamento. Por trás disso está o discurso de defesa da família e dos bons costumes. Outra estratégia comumente usada é a frequência de candidatos nos cultos religiosos. Numa aliança com igrejas e pastores, candidatos são recebidos com glórias e aleluias num comício disfarçado de culto. Dia desses um ministro das altas cortes alertava para a necessidade de fiscalizar um pouco mais este uso da fé, do ambiente “sacro” e do poder dos pastores para conduzir as ovelhas para as garras deste ou daquele candidato.
A estratégia, por vezes, gera algumas situações surreais. Há um candidato, por sinal muito bem contado nas pesquisas, que debochadamente ensina crianças a fazer um sinal de arma com os dedos. É defensor do uso da tortura, do extermínio dos “homens que não são de bem”, debocha da opção sexual das pessoas, desvaloriza a mulher entre outras peripécias. Pois bem, dia desses, esse indivíduo, posava ao lado de pastores. Dizia que representava os homens de Deus. Credo, livrai-me do mal!
Não é necessário encostar os joelhos no chão semanalmente, nem jogar os braços para cima gritando aleluia para se saber que o grande mestre religioso do Ocidente, Jesus de Nazaré, construiu ao longo da sua pregação uma doutrina de aceitação, de compreensão, de perdão para aqueles que não seguem o caminho da perfeição. Não há no discurso de Jesus nenhuma expressão como “bandido bom é bandido morto” ou alguma recomendação para que a violência seja combatida com o uso de armas. Pelo contrário. Muito pelo contrário.
Apesar de ser um estado laico, sem uma orientação religiosa oficial, é flagrante o uso da religião no ambiente político. Na busca do poder cada um usa o que tem. E os líderes religiosos têm uma massa que os ouve com regularidade. Na hora do voto não é certo que o eleitor vai votar naquele candidato que sua igreja indicou. Ele tem liberdade. Toda a liberdade.
Mas, Deus está vendo!

24/08/2018

Os Velhos Jornais

Os textos hoje são pequenos. Dizem que ninguém tem muito tempo para gastar com leitura. Se o tema é complexo, então, o poder de síntese tem que, obrigatoriamente, imperar. Como se lê mais no computador e no celular, quanto menor melhor. Com isso, vive-se o tempo das ideias rasas, da conclusão a partir da manchete, da falta de detalhes. Objetividade é a norma.
Às vezes, opto por contrariar solenemente esta regra dos novos tempos. Se houvesse alguma pesquisa juro que gostaria de saber o resultado. Quantos leitores desistem de continuar lendo após o segundo parágrafo?
Na feira, no mercado, na loja ou na caminhada pela cidade, vez por outra encontro alguém que, sem grandes papos, de forma direta e objetiva como tudo tende a ser, informa que tem lido com frequência a coluna que publico com regularidade aqui no jornal. Sempre brinco, em pensamento, é claro, “alguém lê!”.
Os primeiros impressos que li, fora as famigeradas cartilhas escolares com seus desenhos primários e suas lições repetitivas, foram exemplares do Correio do Povo, o antigo, em formato standart. Suas fotos eram enormes e os textos da mesma forma. Ainda guardo na memória aquelas matérias grandiosas com imagens impressionantes de jogadores do Grêmio e do Inter disputando a rodada do final de semana. Havia impensáveis fotos de mais de um palmo e meio ou dois. Eram gigantes gremistas e colorados quase saindo da página do jornal.
O mais impressionante era a forma como estes exemplares chegavam até os meus olhos. Eram jornais velhos de dias e dias atrás, semanas ou talvez até meses. Em regra, eram usados no armazém, na venda, como forma de embalar o aipim ou a batata doce. Como estes tubérculos normalmente vêm sujos de terra preta ou vermelha, antes de ler e apreciar as “novidades” futebolísticas, havia um exercício de limpeza a ser feito: passava a mão levemente sobre a sujeira para não entranhar no jornal e prejudicar a compreensão da notícia ou da fotografia. Era um santo remédio. Uma ação simples. Sujava a mão, mas limpava o periódico.
Os jornais encolheram. As imagens são minúsculas. Os textos também. Muitas redações fecharam. Viraram sites de notícias. Caminham para a extinção, anunciam os que já chegaram no futuro. Se o seu Zé de antigamente ainda tivesse o armazém haveria de encontrar outra forma para empacotar os aipins e a batata doce.
Pesquisas – As pequisas eleitorais que vêm sendo publicadas não surpreendem, pelo menos neste momento. Lula, que é um candidato não-candidato, venceria todos os demais. Como não vai concorrer, ao sair do páreo é que se terá uma real noção do panorama político que se estabelecerá na nação. Uma guinada a uma visão repressora e fanfarrona, uma volta aos anos 90 com a social-democracia de FHC ou a consagração do poder de Lula, através de seu pupilo Haddad? Uma reviravolta com Marina ou Ciro? Como não vejo o futuro, sou incapaz de apostar um exemplar de jornal velho para que lado a população vai pender. Essa é uma daquelas questões que só o tempo vai responder. Aguardemos, então, o desenrolar de mais um emocionante capítulo da história desta jovem e não muito forte democracia pátria.

19/08/2018

A viagem no tempo

 
"Mas, há quem consiga viajar para o futuro sem máquinas. Nem chegam a desafiar as leis da física, pois, na verdade, seus corpos não saem do lugar em que estão. São os videntes. Enxergam o futuro. Ao menos assim dizem. Virou moda".

 A viagem no tempo é um sonho antigo dos seres humanos. Apesar de ser algo impossível nos dias atuais, a ficção científica há muito realiza este exercício. Segundo consta, desde os anos 30 do século passado já haviam películas propondo uma viagem acidental ou planejada para o passado ou para o futuro. Porém, dos anos 60 em diante é que este assunto parecer ter ganhado muita força. A Máquina do Tempo, baseado no livro de W. G. Wells, foi o primeiro filme a apresentar um humano usando um dirigível para viajar para um período previamente estabelecido. Antes disso, era o acaso que levava os seres até a quarta dimensão.

07/08/2018

A necessidade do controle


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"O universo vasto, desconhecido e imensurável não combina com a necessidade que se tem de ter sempre razão, de impor a opinião num debate ou prever a ira de Deus contra esse ou aquele".


Os comentários nos sites da internet talvez revelem, de maneira mais cristalina, a disparidade de pensamento das pessoas. Ali é possível, por exemplo, entre xingamentos e zoações, navegar de zero a cem, do céu à terra em termos de opiniões e posturas existenciais. Claro que nem sempre se tem paciência para dar uma averiguada em como a tigrada está pensando sobre os grandes temas de humanidade.
Creio que não é de hoje: arrisco até afirmar que o homem sempre agiu deste jeito, tentando demonstrar uma certeza, tentando mostrar que ele tem razão. Na religião isto é muito claro. Os europeus sempre acharam muito estranho que outros povos, como os africanos e americanos, tivessem seus próprios totens, homenageassem seus ícones e não seguissem o caminho que parecia ser o certo, o da salvação.

05/08/2018

O progresso e o retrocesso

"O mundo cresce em tecnologia. As coisas ficam mais fáceis. Mas, o homem continua sendo o que sempre foi: um ser em constante construção. Um ser inacabado que conhece muito sobre muita coisa e pouco sobre si mesmo. O mundo tecnológico, com suas facilidades, torna-se facilmente um mundo de distração".


As últimas décadas foram pródigas em avanços tecnológicos. Nada disso foi por acaso. A corrida espacial levou ao desenvolvimento dos satélites. Os satélites, por sua vez, levaram a um melhoramento inimaginável nas comunicações. Com isso, os telefones saíram da sala e viraram item obrigatório nas mãos do pobre, do remediado e do rico. Nem artigo de luxo é. É de primeira necessidade. Telefone é tudo junto reunido: rádio, tevê, cinema. E muito mais do que isso.
Não faz muito, uma ligação telefônica era uma coleção de chiados. No meio disso, vez por outra ouvia-se alguma mensagem válida. Uma rede que iniciava numa mesa e seguida por cabos e fios levava as mensagens de um lado a outro. Hoje o telefone o que menos leva é a voz. Transporta imagens, músicas, traça rotas para turistas, reserva bilhetes para o cinema e mesa no restaurante, com direito a escolha de cardápio e forma de pagamento. Atualiza o gol do time, o capítulo da novela e as notícias que interessam a alguns, as curiosidades do falso mundo das celebridades e as novidades de um mundo frenético que não tem tempo para descanso nem um mínimo segundo. Enfim, um só aparelho é capaz de colocar o mundo todo na mão de uma pessoa com tudo o que há de bom e de ruim.
Tudo isso era impensável para o humano comum. Só os autores de ficção científica poderiam prever mudanças significativas como estas.
O mundo ficou pequeno. Porém, com tudo isso, o homem não se tornou maior. O homem é o mesmo de antes. Com uma diferença básica: conta com um meio mais eficiente e rápido para suas práticas. Os avanços das comunicações que possibilitam a realização de cirurgias delicadas com grande grau de precisão, também facilitaram os exércitos de fanáticos que explodem aqui e ali, gerando pânico, incerteza e medo em vários pontos do planeta. Ou seja, o homem é capaz de usar seus avanços tecnológicos tanto para facilitar a vida como para criar tantas outras dificuldades aos seus semelhantes.
Creio que essa é uma das principais características humanas: dar largos passos à frente e, depois de um tempo, voltar alguns passos atrás. Felizmente, os passos atrás são menores e o que fica é o progresso que se impôs. É uma impressão pessoal. Acredito que muitos pensam muito diferente. Afinal, há os totalmente otimistas que enxergam insistentemente o lado bom das coisas. Há os pessimistas que lamentam o dia do aniversário porque ele representa menos tempo de vida. Há os realistas que acham que nem tanto o otimismo nem tanto o pessimismo, mas sim o que deve ser focado é o real que se revela diante dos olhos da maioria das pessoas. Há outras formas de pensamentos que seria impossível nestas poucas linhas nominar as correntes e as ideias que se defendem consciente ou inconscientemente.
Uma coisa é certa. O mundo cresce em tecnologia. As coisas ficam mais fáceis. Mas, o homem continua sendo o que sempre foi: um ser em constante construção. Um ser inacabado que conhece muito sobre muita coisa e pouco sobre si mesmo. O mundo tecnológico, com suas facilidades, torna-se facilmente um mundo de distração. Há muita coisa para se fazer. Há muito conhecimento no ar. Tudo está disponível. O homem, porém, para conhecer a si mesmo nem precisa de tanto. O mergulho interno dispensa tecnologia. É primitivo, arcaico, simples, rústico. Talvez por isso não desperte tanta atenção assim.

O Medo

Minha mãe não contava histórias de boi da cara preta nem de bicho papão. A vida era dura e ela não tinha tempo para isso. Os tempos eram outros como são sempre outros os tempos que se vão. O mundo era mais simples. Vivia-se com menos. Muito menos do que se tem hoje. Na verdade, vivia-se como dava.
No caso dela, mulher, pobre, cheia de filhos, a vida nunca foi um conto de fadas, da Cinderela ou da princesa. Sempre havia coisas mais importantes a fazer: uma roupa para lavar, um pão no forno assando, uma casa para varrer, alguns filhos para cuidar, buscar água no poço, juntar lenha para o fogão. Assim, não sobrava tempo para ensinar a filharada a ter medo. Além disso, era econômica nas palavras. Não era de muitos rodeios. Porém, quando falava acertava o alvo.

21/07/2018

Rir é o melhor negócio


O riso é uma manifestação humana. Mas, diferentemente do que acreditava-se: não estamos sós. Os macacos riem. Os filhotes de ratos quando brincam emitem uma sonoridade que pode ser identificada como riso, segundo pesquisadores. Os bebês riem aparentemente sem motivos.
Mas, nem sempre o riso foi valorizado. Um dos personagens da obra O Nome da Rosa, de Humberto Eco, que foi adaptado para o cinema nos anos 80, um monge atormentado pela dicotomia da fé no salvador e o medo do inferno pelo cometimento de pecados, dizia em alto e bom som que rir é uma manifestação do demônio. Se bem me lembro, dizia o personagem que o homem que ri se aproxima dos macacos. De certo modo, entendia que rir é um péssimo negócio para quem buscava salvar a alma.

12/07/2018

Futebol é futebol

Em 1950 a derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo foi uma hecatombe. O Brasil chorou. Outras derrota vieram. Outros sofrimentos intensos. Em 2014 um país dividido envergonhou-se após os 7 a 1 sofridos diante da Alemanha. Agora, em 2018, um país mais divivido ainda assistiu a desclassificação da Copa da Rússia. A dor já não é tanta. Afinal, há coisas mais urgentes acontecendo por aqui.

De quem é a culpa?

Em alguns casos é importante saber quem foi o responsável pelo afundamento do barco. No mundo jurídico isso geraria uma série de consequências cíveis e criminais. Alguém haveria de pagar pelo prejuízo causado. Como? Onde? Quais as causas? Quem executou ou deixou de executar a manobra? Quem falhou?
Nestes dias que se seguem à desclassificação da seleção Canarinho Pistola (mau gosto desde sempre), é o que a mídia, os torcedores e os secadores mais têm feito. Se Daniel Alves não tivesse se machucado, se o volante Arthur, hoje no Barcelona, estivesse no elenco, se no lugar do Taisson estivesse alguém mais qualificado, se Gabriel de Jesus deixasse de ser operário e se tornasse um fazedor de gols, se o treinador não ficasse apreciando suas ovelhinhas naquela grama sempre bem cuidada dos estádios russos etc etc etc.

Ganhar ou perder


Há motivos suficientes para as variações de humor. Não precisa procurar muito. Basta dar uma olhadinha ao redor. A placa do posto anuncia gasolina em promoção. Quase cinco reais o litro. Dia desses o Brasil parou. A greve-locaute jogou tudo para as nuvens. Os preços subiram devido à carência de produtos no mercado. O abastecimento voltou ao normal. Os preços ficaram nas nuvens. Tem eleição daqui a pouco e os candidatos que se apresentam não sacodem com a torcida. Desilusão em cima de desilusão.
Há motivos suficientes para as variações de humor. A bola rola na copa. A Globo se denomina a dona da bola. Pagou, comprou os direitos. Não tem oque fazer. O Galvão cria bordões e irrita o torcedor. Sem opção prefere ficar resmungando na frente da tevê; Há alguns que largaram o jogo. A política tá uma droga, dizem; o STF uma vergonha, dizem, o Brasil não se ajeita… Educação, saúde, segurança: tudo em petição de miséria. E essa tevê só fala de futebol. É copa e mais copa. Neymar no chão, cabelo do Neymar, golaço de Neymar.

A ilusão do esporte

Tsu Chu, jogo de bola chinês:
espécie de futebol primitivo

O esporte é uma fantasia. É entretenimento. É diversão. Não é tão sério assim. Um jogo é só um jogo. Nada mais. Seja vôlei, basquete, tênis de mesa, salto em distância, salto com vara, beisebol, handebol. Não interessa onde tenha surgido. O esporte é uma fantasia humana. Dispensável para quem não está no meio, para quem não entende as regras, para quem está preocupado com outras coisas.  É certo que há coisas bem mais importantes do que um sujeito correndo atrás de uma bola ou conduzindo uma bola quicando pelo chão e se livrando da marcação de outros grandalhões para arremessá-la num cesto.
Quem assim pensa pode estar enganado. Se precisar de uma prova, pergunte para um amante do basquete o que ele acha das disputas acirradas por uma bola, por um arremesso, por um cesta. É uma idiotia todo aquele esforço? Não tem coisa mais importante para fazer? Pergunte para um amante de corrida qual a emoção de assistir uma maratona. Que graça tem um monte de gente correndo e suando para chegar à frente? Tudo por uma medalha?

27/06/2018

O Nosso Jogo


Aqui na cidade, como em todos os lugares da pátria, qualquer terreno baldio apresentava o potencial para transformar-se em um campo de futebol. Não havia muita coisa para fazer naquele tempo. Uma bola qualquer, de plástico, de couro, murcha, judiada, não importava a condição, desde que fosse mais ou menos parecida como uma bola, já servia para reunir um pequeno grupo de guris de idades diversas que suariam o tempo necessário para matar a fome.
Se bola não houvesse, alguns jornais amassados dentro de um saquinho de leite até resolvia de algum modo a situação. Era um remendo, uma improvisação desesperada. Não era uma solução. O problema é que ficava uma ponta no local onde o saco de plástico era amarrado. Quando subia pouco ganhava um efeito muito doido gerando incerteza para o goleiro. Além disso, a delicada criatura rompia-se facilmente quando o chute era mais forte.

21/06/2018

O Paraíso


A ideia de um salvador é religiosa. Os homens primitivos, incapazes de compreender a grandiosidade do processo existencial, entendiam que eram incapazes de lutar por si só. Haveria de ter alguém mais forte, mais sábio e dotado de algum poder que, quando evocado, pudesse suprimir as dores e os sofrimentos pelos quais todos passavam. Construiu-se assim, a figura do deus salvador. A adoração e a ritualística visavam dar uma inflada no ego do Criador para que, de algum modo, elegesse aqueles que tinham maior mérito espiritual e, desta forma, mereceriam, sem sombra de dúvidas, um lugar ao Seu lado.
Apesar de reconfortante, a ideia de que alguém de fora iria suprimir o indivíduo do seu caminho imprimindo uma realidade menos austera e sofrível num processo de correção de rumo, em alguns momentos parece ilógica. Os espiritualistas e os filósofos conceberam sistemas de crescimento e desenvolvimento individual, sem a ideia salvacionista. Ou seja, cada indivíduo tem um caminho, uma trajetória, uma história para contar ao longo dos tempos. E os dias que virão serão sempre resultantes dos dias que vieram. O suor do rosto de cada um vai sedimentando esta estrada de superação e de insistência.

Jesus na Causa


A argumentação é uma arte. Arte complexa. Isso porque depende da capacidade do indivíduo em defender uma ideia e da capacidade de interpretação do outro. Faltando uma das condições, a coisa não funciona. A comunicação fica truncada. Nem  todo o argumento é válido. Alguns são desprezíveis.
Nos períodos eleitorais, os políticos carreiristas saem por aí vendendo seu peixe. Como de regra, tentam ser o que não são. Misturam-se ao povo, comem coisas como come o povo, mudam as vestimentas para parecer povo, falam como se povo fossem. Vão às feiras atopetadas de gente, abraçam indiscriminadamente, beijam crianças, dão tapinhas nas costas de João, de Zé e de Maria Ninguém. Um assessor ao lado vai dizendo os nomes dos eleitores para causar uma boa impressão. E o pior é que causa!

03/06/2018

Os Candidatos


As campanhas eleitorais não estão nas ruas. Há candidatos que ainda vão desistir da maratona. Analisarão o tempo de exposição na televisão, os números colhidos nas pesquisas de opinião pública, a rejeição entre os eleitores e a viabilidade de ajudarem na constituição de bancadas regionais no Congresso, entre outras coisas. Sem contar nas costuras com partidos que, oportunamente, jogarão no lixo seus programas (se é que os têm) por uma promessa de cargos e de arranjos outros tão comuns na vida política brasileira há algum tempo.

Vinte linhas


Nos tempos de colégio, os professores, vez por outra, pediam uma composição. Era assim que chamavam o que se convencionou chamar depois como redação. Vinte linhas era o mínimo que pediam. Suplício para uns, moleza para outros. Os temas eram abrangentes. As ideias que apareciam nas composições eram restritas. Não havia muitas fontes de informação. Entre a população de baixa renda, um rádio na casa era obrigatório. Uma tevê quase um luxo. Jornais e revistas eram artigos raros.  
Um colega tinha uma letra miúda. Numa linha cabiam dezenas de palavras. A composição dele era formada por pequenas formiguinhas azuis, quase todas do mesmo tamanho naquele vasto fundo branco atravessado por linhas negras. Era a exceção à regra. Para ele, convencionou-se que dez linhas eram suficientes. Dava  para contar sua vida toda, de sua família e, talvez, dos vizinhos mais próximos.

29/05/2018

Master/Blaster: a intervenção


Corpos gigantescos nem sempre ostentam cabeças com massa encefálica suficiente para coordenar os movimentos e determinar as ações mais indicadas para cada caso. Em Mad Max 2 – Além da Cúpula do Trovão, uma cidade é movida  por esterco de porco. Vive-se o caos. Não há muito combustível fóssil à disposição. Os litros de gasolina e diesel são disputados a tapa, a tiro e a facadas. Vale tudo pelo precioso líquido. Não há governo. Restam sobreviventes fazendo a própria lei. E, neste contexto, todo o mundo tem razão.
A geração de energia é comandada por uma dupla: o gigante Master/Blaster. Master é dono de um corpanzil. Nos seus ombros reside Blaster, um anão que o comanda e comanda também o submundo da usina de geração de metano. A parte superior é governada pela Titia Entity (Tina Turner). Como não acontece só na realidade, um governo compartilhado é um prato cheio para servir de disputas. Titia quer mandar mais, Master/Blaster se defende. Às vezes sabota o mundo superior, reduzindo a entrega de energia, aumentando o desespero e o caos.

28/05/2018

Empanturrado


Minha mãe fazia pão de forno. O cheiro exalado pelo lento processo aumentava sobremaneira a vontade de consumi-lo.  Era uma verdadeira tortura. Parecia que o processo demorava a tarde inteira. Não era bem assim. Mas, na verdade, alguns dias ela aumentava ainda mais o tempo de espera. Quando eles estavam no ponto, recém-retirados do forno, quentinhos ainda, uma fina fumaça que se dirigia até o teto e um cheiro que tomava conta da pequena casa, vinha ela com uma sentença negativa e definitiva: “não se come pão quente porque dá dor de barriga!”. Desânimo completo. A fome aumentava ainda mais. O valor de uma fatia daquele pão ia às nuvens. Aos nossos olhos, aquilo tudo valia ouro.
Na hora em que ela amolecia o coração e partia o pão em fatias, dando a cada um o seu quinhão, mudava a preocupação.  “Não pode comer muito porque empanturra!”.  Comíamos o que dava. Ou melhor, o que ela dava porque a quantidade era definida por ela. Jamais tivemos nosso estômago dilatado por pão quente, outra preocupação da zelosa mãe.

10/05/2018

Casa no Campo


Tinha saído do cemitério faz pouco. Um sol muito forte mostrava-se sobre a cidade. Era um desses verões fora de época. As pessoas saíam de casa pela manhã ainda encasacados e, ao meio-dia, se tanto, começavam a se despir. 
Era experiente o morto. Mas, pela idade que tinha alcançado, ainda poderia ficar por aqui mais alguns anos. Tinha casa, família, carreira, uma aposentadoria razoável e tudo o mais. Gostava de cantar. Na infância tinha jogado bola pelas ruas irregulares da sua cidade. Talvez até tivesse quebrado alguma vidraça num desses chutes que saem do controle e depois viriam dor de cabeça diante de um vizinho zangado ou de uma mãe preocupada com  a disciplina do filho.

06/05/2018

Os Descartáveis

Praticamente tudo o que o homem inventou para o bem, acabou sendo usado para outra finalidade.  O exemplo clássico é o avião. Ao mesmo tempo em que reduziu o tempo para percorrer grandes distâncias virou uma máquina de guerra competente, sendo possível atacar o inimigo de uma distância segura lançando bombas sobre alvos pré-determinados.
Chegar à conclusão de que em todas as coisas há mão dupla não é difícil. Um  simples telefone celular, que inscreve o indivíduo no mundo virtual, é muito mais do que um aparelho de comunicação. Se bem usado é uma biblioteca sem limites, é um instrumento que conecta a pessoa a um infinito mundo de facilidades: tevê, rádio, jornal, cinema, restaurante, meio de transporte, academia, consultório, igreja  e muito mais. Ao mesmo tempo é meio para propagação de mentiras, de ódio e para formação de grupos extremistas, milícias e quadrilhas.

27/04/2018

O não-saber

Pouco mais de 4% da matéria
que compõe o universo é conhecida
Um pouco mais de 4% de tudo o que existe no universo é conhecido. Mesmo que não seja muito bom em matemática, posso deduzir, com algum grau de certeza e sem medo de falar uma besteira, que algo em torno 96% de tudo o que há por aí, entre vivos, mortos, vistos e sentidos são meros desconhecidos. Ora, a física explica, então, uma pequena parte dos fenômenos existenciais porque o desconhecido, por si só, não tem explicação.  Talvez por isso mais sábio é quem admite que nada sabe,  ou pouco sabe, do que quem arrota sua sabedoria no contato privado ou socialmente através das redes sociais.
Diante disso tudo crescem sobremaneira os conceitos relacionados às possibilidades em detrimento daqueles ligados às certezas. Como ter certeza se o desconhecido é imensamente maior do que o conhecido? Eis a questão.

19/04/2018

Parabéns, Pindorama!


"Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro",
Oscar Pereira da Silva, 1922
Essa terra, onde as palmeiras buscam os céus e os sabiás cantam como só os sabiás sabem fazê-lo, faz aniversário no próximo domingo. A história desta porção de terra é cheia de controvérsias e incertezas, apesar dos esforços dos historiadores e apresentar versões críveis aos fatos.

02/04/2018

A Pressa

John Wayne
Nos velhos filmes do Velho Oeste só sobreviviam os que eram rápidos no gatilho. A rapidez era sinônimo de vida. A lerdeza era punida com um punhado de balas. Ao menos assim era nos filmes estrelados por John Wayne e Clint Eastwood, que faziam justiça com as próprias armas e eliminavam os valentões e bandidos que saqueavam os rancheiros norte-americanos. A mesma destreza valia para eliminar os temidos indígenas que atacavam os colonos numa luta sanguinária pela terra. Mas, neste caso, já é outro história. Os índios, retratados como cruéis assassinos eram os mocinhos da história, mas isso não era levado em conta por roteiristas, diretores e pelos expectadores. Naqueles tempos, índio bom era índio morto.

Hoje, amanhã e depois


O Facebook pergunta: o que você está pensando. O Facebook responde: não, não precisa dizer. Nós sabemos o que você pensa!

Não vou cair na esparrela de repetir tudo o que se disse nos últimos dias. Nem vou usar este espaço aqui para jogar ainda mais negatividade quanto ao futuro do país e da humanidade. Muito menos vou aproveitar para lamentar que uma desembargadora, do alto de sua respeitável posição jurídica, tenha usado argumento de discussão de mesa de bar para condenar o morto ao invés de quem matou. Nem vou lembrar outra desembargadora, que se valeu de ironia para criticar uma jovem com Síndrome de Down que exaltava sua alegria em ter concluído um curso para educadora. O Brasil vem surpreendendo o mundo.  E não é pelo bolão que vem jogando. É pela bola que não joga.

15/03/2018

Mudam os tempos


Periodicamente chegam por aqui informações sobre mudanças profundas. Mudam os hábitos. Mudam os tempos. Mas, mudanças significativas na forma de viver aqui na Terra são poucas. Mesmo hoje, nestes dias marcados pelo avanço tecnológico e científico, continua a vida como há muito tempo atrás. E olha que a humanidade avançou em termos de invenções. As comunicações ficaram mais rápidas, instantâneas, as bibliotecas estão à disposição de todos no mundo virtual, o conhecimento juntado pelos homens por milhares de anos está todo disponível para consulta.

10/03/2018

A Boa Sorte


Boa dose de sorte acompanha os afortunados. Carência de sorte assiste os desafortunados. Há boa sorte e má sorte. Ela bafeja alguns poucos e parece ignorar a grande maioria dos sujeitos.
A sorte é um desses seres pouco compreendidos. Há dúvidas reais se realmente existe. Para alguns é uma criação da sabedoria popular, um  mito que vem se perpetuando para explicar de um modo muito pouco preciso os caminhos vitoriosos de alguns e os  tropeços de outros.
Cientificamente não há explicações plausíveis para a sua existência. Nos últimos tempos, porém, com a difusão do conceito quântico de que o observador pode alterar a reação das partículas ínfimas, não se duvida tanto de que existam princípios ainda não provados que favorecem a ocorrência deste ou daquele fenômeno desconhecido.  Assim, a inexistência de uma comprovação científica não é taxativa quanto à existência ou não de alguma coisa neste vasto mundo do desconhecimento.

21/02/2018

As Curtidas


As redes sociais vieram para mudar tudo. Eu disse tudo. Mas, nem sempre foi assim. No começo era mais uma brincadeira de nerd. Hoje é coisa séria. A vida passa por ali. Se não tá na rede não existe. O mundo virtual é o mundo real. A vida chata de alguém que carrega dentro de si uma carga enorme de infelicidade pode ser filtrada de tal forma que os outros a percebam como a mais feliz das criaturas.
Não é discurso moralista. Nem estou dizendo que um dia foi melhor. Não é isso. Na verdade, o homem vem, desde os tempos da penumbra das cavernas, tateando. Saiu da escuridão para a luz sem óculos escuros. Viu seu reflexo na água e ali nasceu um deus.  E foi criando deuses e mais deuses porque se encantou com tudo o quanto era majestoso e inexplicável.

18/02/2018

Sobre cães e músicas


Perseguição – É final de tarde. Três cães se encontram na praia. Um é de madame. Os outros nem tanto. Mesmo diferentes juntam-se pelo mesmo ideal. Perseguem insanamente três quero-queros que voam baixo sobre a cabeça de corpos bronzeados e de branquelos de toda a ordem que ainda resistem na faixa de areia. Os pássaros se divertem e os cães também. Os caninos talvez pensem que é possível alcançá-los. Na vã tentativa, às vezes chegam a dar saltos. Coisa pouca. Sem resultados práticos. Os pássaros parecem zoar. Dão voltas e voltas pela praia. Voam baixo dando alguma esperança aos perseguidores. Súbito sobem um pouco mais. É risível a brincadeira. O pescador esquece o anzol na água e ri. A senhora sisuda ri também. Ri o menino pequeno que toma banho de cuequinha do Batman. Minutos depois, extenuados, os cães vão desistindo da brincadeira. Voltam a marchar seriamente. Os quero-queros seguem voando baixo.

10/02/2018

Você tem razão



Um debate vez por outra não faz mal a ninguém. Se for sobre algo irrelevante é até divertido. Quem jogou mais: Pelé ou Maradona; Maradona ou Messi; Pelé ou Messi? Se a discussão envolver gente mais vivida, que teve a honra de assistir, mesmo em videotape ou nos documentários do Canal 100, no cinema, Pelé ganhará de lavada. Se o debate for na terra de Gardel, o caso muda de figura. Racionalmente, porém, sabemos que não dá para comparar coisas de grandezas diferentes, de tempos diferentes. Como se dizia há algum tempo: cada um no seu quadrado.
Nos dias atuais, no entanto, há um fascínio exagerado, quase obsessivo, de manter discussões intermináveis sobre determinadas questões que parecem ser os grandes problemas de humanidade. O tatame onde estas quase lutas se arrastam são as redes sociais. Uma das técnicas mais usadas nesta guerrinha virtual é desqualificar radicalmente o argumento do outro. Se houver insistência: soltar o verbo recheado de impropérios, procurando criar constrangimento ao oponente.