30/08/2019

O Medo da Arte

Um filme, uma música, uma pintura, uma obra de arte qualquer vai além da câmera, das luzes, dos enquadramentos, da edição, da partitura, do arranjo, do ritmo, ou da tela, dos pincéis e da moldura. O expectador assiste a um filme não como se residisse ali alguma falsidade, alguma interpretação. A história existe por si só. Ela é viva. Ficção científica, comédia, drama. Não importa: há verdade, dor, riso, sofrimento e tudo o quanto os personagens revelam nos diálogos, nos atos e nos gestos.

21/08/2019

Uma voz e um violão


Uma voz e um violão. Assim lembrava dela. Os cabelos eram cacheados. Longos. Jeito de menina. Moleca. “Olha a lua mansa se derramar (me leva amor)/ao luar descansa meu caminhar (amor)/meu olhar em festa se fez feliz (me leva amor)/lembrando a seresta que um dia eu fiz(por onde for quero ser seu par)”. Assim cantou uma noite numa das aulas de literatura. Andanças, de Paulinho Tapajós, Danilo Caymmi e Edmundo Souto, imortalizada por Beth Carvalho, que conheci num desses tantos trabalhos de grupo que se apresentavam na sala de aula.
Fazia tempos que não a via. Mentira: na verdade, a enxergava com frequência, mas sempre nas redes sociais, o que, convenhamos, às vezes é quase o mesmo que não ver. Enfim, encontrei minha querida colega de faculdade. “Trinta anos então”, pensei. Ela nem só pensou como disse. Magda pediu um café coado. A água quente passando pelo pequeno saquinho de tecido caindo aos poucos na xícara desperta uma certa magia. O cheiro de um só café enche o ambiente pequeno e acolhedor. Eu pedi uma água mineral. Com gás. O máximo da magia que consegui foi o som do gás fugindo quando a tampa foi desenroscada. Pouca coisa.

16/08/2019

O Certo e o Errado


As expressões certo e errado carregam uma aura de objetividade raramente encontrada em outros termos. Pode-se dizer com quase certeza que todas as pessoas sabem exatamente o que é certo e o que é errado. Ou, pelo menos, acham que sabem. No dia a dia, o senso de julgamento leva as pessoas a definirem exaustivamente todas as situações para os escaninhos do certo e do errado. Acostumados estamos a analisar, a sentenciar, a decidir sobre as condutas humanas. Porém, olhando-se com atenção a paisagem que nos cerca e o andar da carroça, nota-se que entre saber o que é certo e o que é errado e fazer aquilo que convém vai uma distância abissal.
Como tudo na vida tem explicação, tenta-se, de algum modo, encontrar uma resposta para este enigma. O certo nasceu na língua latina como certus”, determinando aquilo que é seguro, determinado e garantido. Ou seja, não há muito espaço para variações. Como dirira o poeta “o certo é o certo”. O termo errado também tem como origem o latim. Vem de “erratus” e está relacionado a situações de falhas, imperfeições, desajustes, enganos e inadequações.

09/08/2019

O Fim dos Rituais


Quando sua moto vinha em direção à minha casa disparava um sinal. Os cachorros se assanhavam com chuva ou com sol. Corriam para a frente e latiam anunciando a chegada de notícias novinhas em folha. O jornal era arremessado apressadamente pelo entregador. Pegava o exemplar que, nos dias de chuva, vinha estrategicamente colocado dentro de um saquinho plástico. Depois, era tomar um café folhando o diário de trás para a frente. Primeiro o esporte e suas minúcias por vezes desinteressantes, depois as coisas mais sérias como a política, a economia, o caderno de cultura e a geral.
Era um ritual. Uma folheada no jornal e um gole de café. Uma passagem de olhos rapidamente para descobrir os temas mais importantes e outro gole. No fim, a xícara se esvaziava e o jornal ainda tinha conteúdo para ser consumido. Hora de renovar. Mais uma dose.

02/08/2019

Vencer o tempo: essa é a questão?


Do Suplemento Mundo das Ideias
Por Fabiano de Souza Marques*

Não há tempo mais para nada! No meu tempo era melhor! Corra! Você não pode perder tempo! Tempo é dinheiro! Perdemos a chance. Não dá mais tempo. O tempo urge, então corra! O que está ocorrendo com o tempo? Qual é a necessidade que temos de preencher o tempo? Por que falamos isso?
Vivemos num momento em que o tempo anda acelerado? Mas como assim, o tempo está acelerado? Estamos correndo mais do que nossos antepassados? E nossos filhos correrão mais e mais rápido para vencer o tempo? Podemos dizer que tempo escorre pelas nossas mãos? Percebemos as relações humanas cada vez mais efêmeras.
Na era primitiva a jornada humana se dava na relação com tempo ligado às questões de sobrevivência. Elas aconteciam por observação de elementos naturais como o Sol e as Estrelas, pela vivência em cavernas, pelas caçadas, pelas lutas entre as tribos, pelas conquistas de outros territórios entre outras situações.