09/08/2019

O Fim dos Rituais


Quando sua moto vinha em direção à minha casa disparava um sinal. Os cachorros se assanhavam com chuva ou com sol. Corriam para a frente e latiam anunciando a chegada de notícias novinhas em folha. O jornal era arremessado apressadamente pelo entregador. Pegava o exemplar que, nos dias de chuva, vinha estrategicamente colocado dentro de um saquinho plástico. Depois, era tomar um café folhando o diário de trás para a frente. Primeiro o esporte e suas minúcias por vezes desinteressantes, depois as coisas mais sérias como a política, a economia, o caderno de cultura e a geral.
Era um ritual. Uma folheada no jornal e um gole de café. Uma passagem de olhos rapidamente para descobrir os temas mais importantes e outro gole. No fim, a xícara se esvaziava e o jornal ainda tinha conteúdo para ser consumido. Hora de renovar. Mais uma dose.

Com o tempo os costumes mudam. O conteúdo do jornal impresso está todo na internet. Está no celular. Mas, é muito diferente. O smartphone é frio. E exigente. O papel é estático. Fica ali à disposição. A tela não. Ela brilha. Os aplicativos vão sendo atualizados rapidamente. Notificação de notícia. Amigão atualizou o story. Fulano reclamou do juiz que meteu a mão sem piedade e sem vergonha. “Cadê o VAR?”. O WhatsApp não perdoa. O café que espere. Foi-se o ritual.
O celular é o cara. Café esfria, almoço esfria. Filho sorri. Mas, a mensagem recebida agora tem que ser respondida na hora. “Ora essa, online e não me responde… Como assim?”
“Como está o tempo hoje? Vai chover? Vai fazer frio? Que roupa uso? Vou dar uma olhadinha no aplicativo e já decido”. Meia hora depois de atualizar Facebook, WhatsApp, Instagram, Google, curtir, compartilhar, postar uma mensagem relevante, bisbilhotar aqui e ali etc etc etc etc. “O que eu queria mesmo?”.

Quantidade e qualidade

Se por um lado as comunicações instantâneas, via rede social, incrementaram a quantidade de informações compartilhadas, por outro, nota-se total descontrole sobre a qualidade deste conteúdo. As cartas estão embaralhadas de tal forma que o desavisado não sabe mais o que é verdadeiro e o que é fictício. Este panorama, de algum modo, favorece quem está no comando da barca. Afinal, informações falsas e verdadeiras se misturam criando um ambiente de pouca nitidez e de lucidez quase ausente. No meio da desinformação o vivente pode continuar crente ou descrente. Na dúvida não reage. O que é bom para quem assim deseja.
O desavisado é vítima. Porém, há muita malícia no ar. Há grupos, hoje identificados como milicianos, extrema direita ou denominações outras, que criam verdadeiras guerras na internet compartilhando “notícias” falsas e enchendo as postagens com comentários raivosos ou, ainda, defendo o indefensável. Criam climas bélicos que só favorece aqueles que se dedicam à guerra. Quem é da paz, do amor e da harmonia ou faz de conta e não retruca ou se afasta dos centro da arena. Em todos os casos, perde-se uma bela oportunidade de comunicar coisas construtivas.

Titico

Partiu, nesta semana, o José Adair. Titico, como era conhecido na cidade e na região, era um sujeito ímpar. Bom de papo, atento, dedicado, colorado e torcedor do GAO. Muitas e muitas vezes prestou seu apoio às iniciativas esportivas que empreendi há alguns anos quando envolvia jovens e adolescentes. Faz alguns pares de dias, passando em frente da sua loja, parabenizou-me por uma crônica sobre os tempos de ontem onde destacava as brincadeiras infantis de ontem e os tempos de hoje, tão baseados na tecnologia. “Não se trata de serem melhores ou piores, os dias de ontem não se repetirão jamais”, encerrava a crônica.

4 comentários:

  1. Bem apanhado Solano.
    Pois, como dizem divertidamente meus filhos, sou velho, gosto e cultivo pequenos rituais e rotinas. Precisamos disso para pontos de equilíbrio. Esse mundo de frases soltas fazem-nos perder muito.

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    1. Caro Marcelo: é do gênero humano o cultivo de pequenos rituais. De certo modo isto dá alguma segurança. Os tempos de hoje, porém, estão aí a suplantar as coisas mais velhas substituindo por outras mais dinâmicas tornando tudo bem mais rápido. É a vida. Abraços!

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  2. Sei lá, estou ficando velho. Ainda gosto de ler "jornal de papel", livro de papel. Tá, sei, papel... árvores ....mas eu gosto de folhear. Livro novo, uuhmmm que delícia. O cheiro, as folhas intactas. E o café? Complemento quase indispensável. Prazeres de um velhote.

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    1. Caro Ênio: é inegável que os rituais estabelecidos ao longo dos tempos são significativos, pois carregam nossas marcas existenciais. No entanto, os novos tempos têm, de algum modo, contribuído para que nossos passos mudem em algumas áreas até então impensáveis. Abraços!

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