29/07/2010

O mundo dos cães

A noite fria recém estava começando. Na tevê, o Datena esbravejava, como sempre. Tinha nas mãos mais um caso macabro. A mulher, uma trintona, havia ordenado a morte do companheiro, um septuagenário endinheirado. Queria ficar com trinta mil e mais alguns pertences. Pagou oitenta reais para dois malucos fazerem o serviço. E eles toparam. A câmera focava a foto da mulher, voltava para o apresentador gritão, mostrava o delegado, que se vangloriava do trabalho da investigação, freneticamente cortava para os dois matadores saindo do camburão.
Desgraça pouca é bobagem. A equipe de reportagem mostrava até o flagrante do encontro do corpo do homem. Peritos com providenciais luvas cirúrgicas afastavam o mato para receber mais um corpo vilipendiado. Sistematicamente abriam espaço para que a imagem pudesse ser captada e bem enquadrada na tevê. Música irritante de fundo, impropérios em direção à mulher. Embaixo da tela, numa barra rolante, os atentos telespectadores de todo o país disparavam torpedos contendo seus conceitos raivosos: “prisão perpétua”, “pena de morte”. Vagabunda, repetia o âncora do programa. “Mostra na tela a safada”.

23/07/2010

O frio e as bergamotas

Tempos difíceis. Muita chuva, frio irresistível. Casacos, mantas, gorros, luvas. Nada disso tem sido suficiente para aplacar a vontade destrutiva deste gelume invernal. Na terça-feira, porém, o sol voltou a se mostrar. Dia especial para levar as roupas enchovalhadas para o varal. As toalhas até então amontoadas na frente de alguma estufa, numa atitude desesperada de forçar a secagem, viveram um dia de glória. Sol, muito sol. Quanta falta fazes nestes dias escuros, sombrios e tristes de inverno.
Há estudos que indicam que os sentimentos humanos são atingidos pela quantidade de luminosidade. Assim, nestes tempos de inverno áspero, rigoroso, as pessoas mais suscetíveis à tristeza, à melancolia, se retraem. O inverso é verdadeiro. A incidência de raios solares, segundo os estudiosos, faz com que todos se sintam mais felizes diante das altas temperaturas, pois a exposição à luz do sol estimula a produção de serotonina, dopamina e melatonina, três substâncias responsáveis por trazerem bom humor, energia e regulação do ciclo do sono.

19/07/2010

Amizade real e virtual

Nos anos 70, Roberto Carlos, já chamado de rei, a plenos pulmões cantava insistentemente no rádio uma canção onde projetava um objetivo: ter um milhão de amigos para poder cantar mais forte. A música, chamada Eu quero apenas, lançada em 1974, conclamava a todos pela união em torno da paz, da construção de um mundo melhor para todos nós e para as gerações futuras. 
O anseio do Rei talvez seja o anseio de todos nós. Contar com os amigos sinceros, convivendo em harmonia, sonhando juntos, trabalhando por um futuro diferente. No entanto, nos momentos atuais, parece que o desejo vai ficando cada vez mais na seara do sonho, do irrealizável.

15/07/2010

Sucesso e fracasso

A história do goleiro Bruno, do Flamengo, é um verdadeiro samba do crioulo doido. É tão fantástica, tão inacreditável, que se assemelha aos roteiros das piores novelas mexicanas ou, ainda, aos filmes de fundo de quintal. É uma sucessão tal de amores, ódios, traições, sacanagens, cumplicidade, sentimentos levados ao extremo que resultaram numa verdadeira tragédia humana, lembrando os folhetins tão ao gosto do SBT.
Ironicamente o caso foi sendo revelado pela mídia a conta-gotas. Cada dia um capítulo mais surpreendente, mesmo para quem, como eu, não costuma acompanhar estes fatos com muita atenção. As revelações da trama seguiram as artimanhas dos novelistas. Os personagens foram sendo inseridos lentamente na história, conforme a investigação policial avançava.
O atleta e seus comparsas, talvez crendo na impunidade que parece rondar os poderosos, se meteram a resolver o problema ao seu jeito. Não mediram as conseqüências, foram desastrados do início ao fim. Com o orçamento disponível protagonizaram uma obra de péssima qualidade.

11/07/2010

Sonhos e pesadelos de um herói

Sonhamos ser heróis. É um sentimento de menino. O mundo precisando de nossos talentos, nos chamando, pedindo socorro e nós, pelo bem geral, agindo com energia. Aplausos, agradecimentos. “O que seria de nós se nosso herói não estivesse nos cuidando!”.
Heróis de capa e espada, de artifícios mil, dotados de força, de superforça capaz de congelar o tempo, de modificar o passado, de devolver aos justos o que lhes cabe neste latifúndio, de encarcerar o mau.
Os meninos podem sonhar. Hoje heróis, amanhã homens comuns. O herói fica escondido, esperando a hora propícia para entrar em ação. Muitos não encontrarão uma só oportunidade em toda a existência.
Passado o choque da desclassificação, que parecia impossível no intervalo do jogo contra a Holanda, vejo que o treinador Dunga tenha acreditado no sonho do menino. Foi chamado em meio a um tumulto, a um caos. Ninguém queria jogar na seleção. Os clubes europeus mandavam e desmandavam, não respeitando as convocações. Jogadores simulavam lesões para não se integrarem ao elenco. Era uma tarefa para o Super Dunga.

01/07/2010

As grandes decisões

Há pessoas que passam por aqui como se a vida fosse um mar de tranquilidade. Mesmo diante de uma tormenta agem como se os raios e os trovões fossem coisa normal. Outras há que desabam diante de qualquer nuvem escura que apareça no horizonte. Tornam-se religiosas, apelando para todos os santos, diante de uma mera chuva.
Os seres humanos são distintos. Agem diferentemente diante dos estímulos que lhes são apresentados. Nestes tempos de disputas esportivas, atletas, treinadores, árbitros e torcedores estão envoltos em emoções únicas. Para o jogador uma batida desajeitada na bola, uma desatenção momentânea, um erro de cálculo podem significar a frustração de um sonho pessoal, de um grupo ou de uma multidão de apaixonados pelo futebol. 
Tem sido comum após as partidas o flagrante do choro convulsivo dos derrotados e até mesmo dos vencedores. Por motivos distintos, é claro! No caso dos perdedores, suados, extenuados pelo esforço quase hercúleo e ineficaz, corpos de gigantes deixam-se cair no solo, em câmera lenta, ao gosto dos novos padrões estéticos de transmissão esportiva. Ali permanecem durante longos segundos, como se mortos insepultos num campo de batalha. Corte na imagem... De outro lado, agitação, vibração, alegria. Estamos vivos!